Por Zezinho de Caetés
Esta semana eu estava tentando usar o Mural desta AGD, como
sempre faço, colocando mais a opinião dos outros do que as minhas, e vi que o
Zé Carlos havia restringido o seu uso por uma ordem judicial. Eis que venho aos
meus arquivos e encontro o texto que transcrevo abaixo, do Sandro Vaia,
intitulado “A bebida amarga” (Blog
do Noblat, 18/10/2013), e que trata de um forma muito especial do caso das “biografias não autorizadas”. Os dois
episódios são comuns ao uso da censura como meio de tolher a informação.
Eu, de vez em quando, até lido com o mural, e sei que não há
nada mais terrível do que fazer o papel de censor. Muitas vezes eu me pergunto
porque este mural ainda é mantido. E respondo a mim mesmo. Pelo amor à
informação e pela importância que ela tem numa democracia. E por isso com ele
colaboro e fico triste pelo Zé Carlos ter que exercer a censura prévia que,
segundo o jornalista abaixo, é vedada pela Constituição.
O importante do texto abaixo é aliar a bela poesia das
letras de um autor que hoje é contra a publicação de biografias não
autorizadas, a uma crítica contundente a ela. E ele pergunta como os versos
dele várias vezes: Como beber dessa
bebida amarga?
Eu pergunto o que se pode escrever sobre a vida de alguém de
forma livre? Pelo jeito do debate, penso que resta muito pouco. Qualquer artigo
de jornal ou revista que traga o nome de alguém e algum feito dele, ou algo a
ele relacionado, poderia ser motivo de processo desde que não se tivesse um
documento assinado em cartório para autorizar. Estaríamos na idade das trevas.
Se digo que Lula matava rolinhas em sua infância em Caetés,
sem uma assinatura dele autorizando, lá vem processo. Se digo que a Dilma teve
um loja de 1,99 que faliu, sem sua assinatura, lá vem processo. Se digo que....
E assim por diante, pois os exemplos pululam. Ninguém saberia mais nada de
ninguém, a não ser por fofocas.
Como hoje estou me censurando previamente, deixo com vocês a
letra da música do Chico Buarque (Cálice), de onde vêm os versos que o
jornalista cita. No final coloco o vídeo com letra e música só para ver como as
pessoas podem mudar com o tempo:
Pai, afasta de mim
esse cálice
Pai, afasta de mim
esse cálice
Pai, afasta de mim
esse cálice
De vinho tinto de
sangue
Como beber dessa
bebida amarga
Tragar a dor, engolir
a labuta
Mesmo calada a boca,
resta o peito
Silêncio na cidade não
se escuta
De que me vale ser
filho da santa
Melhor seria ser filho
da outra
Outra realidade menos
morta
Tanta mentira, tanta
força bruta
Como é difícil acordar
calado
Se na calada da noite
eu me dano
Quero lançar um grito
desumano
Que é uma maneira de
ser escutado
Esse silêncio todo me
atordoa
Atordoado eu permaneço
atento
Na arquibancada pra a
qualquer momento
Ver emergir o monstro
da lagoa
De muito gorda a porca
já não anda
De muito usada a faca já
não corta
Como é difícil, pai,
abrir a porta
Essa palavra presa na
garganta
Esse pileque homérico
no mundo
De que adianta ter boa
vontade
Mesmo calado o peito,
resta a cuca
Dos bêbados do centro
da cidade
Talvez o mundo não
seja pequeno
Nem seja a vida um
fato consumado
Quero inventar o meu
próprio pecado
Quero morrer do meu
próprio veneno
Quero perder de vez
tua cabeça
Minha cabeça perder
teu juízo
Quero cheirar fumaça
de óleo diesel
Me embriagar até que
alguém me esqueça
Agora leiam o texto do Sandro Vaia e depois ouçam a bela
música.
“Como beber dessa bebida amarga? Tragar a dor, engolir a labuta?
Eram maus tempos aqueles em que as pessoas se dedicavam ao delicado
quebra-cabeça de ressignificar as metáforas que vinham semeadas com
inteligência, escondidas entre as dobraduras dos textos de jornal e das letras
de música.
Como era proibido falar com clareza, a censura obrigava a imaginação a
se desdobrar em imagens poéticas para ser decifrada e fruída intelectualmente
por aqueles a quem a trava das proibições era uma violência a merecer vingança.
E a vingança era a poesia que escapava à limitação intelectual dos
censores.
Pois não é que agora os nossos construtores de metáforas, que
incendiaram o imaginário popular com seus impiedosos versos, e aqueles que
gritavam que era “proibido proibir” se transformaram eles mesmo na reencarnação
moderna do mal contra o qual lutaram?
Como beber dessa bebida amarga?
Não há metáfora que esconda o verdadeiro sentido da ação do grupo
Procure Saber, encabeçado pela famosa sabe-se-lá-o-quê Paula Lavigne: vetar
biografia não autorizada é censura prévia. A Constituição, à qual um artigo do
Código Civil não pode sobrepor-se, veta expressamente a censura prévia.
As justificativas que os nomes célebres que aderiram à causa
alinhavaram em textos de jornal, tornaram a emenda pior que os seus piores
sonetos.
Caetano e Chico escreveram artigos desajeitados no jornal para
justificar a sua posição; o primeiro chegou a escrever que topa uma biografia
não autorizada de tipos como Sarney, sem dar-se conta que defendia a censura
seletiva.
O segundo cometeu um pecado do qual teve que redimir-se pedindo
desculpas: desmentiu ter dado uma entrevista, que o autor tinha gravado e, para
vergonha do bardo, colocou no ar.
Dos defensores da causa, as vergonhas maiores ficaram para Paula
Lavigne, que usou um programa de TV para cometer uma baixaria contra a
colunista Bárbara Gancia, a pretexto de fazer uma analogia despropositada, e
Marilia Pêra, que “monetizou” a questão com esta frase de rara infelicidade:
- É "doloroso" ver publicadas verdades indesejáveis sem
compensação financeira ao biografado.
Ela quis dizer que com compensação financeira as “verdades
indesejáveis” deixam de ser indesejáveis ou, com um pouco de boa vontade,
devemos considerar que ela cometeu apenas uma impropriedade de linguagem? A dúvida
e a vergonha alheia ficam pairando no ar.
Biografias honestas costumam ser narrativas históricas de fatos reais,
que compõem as histórias de vida de personagens públicos. Se o autor relatar
fatos que não aconteceram e incorrer em injúria contra o biografado, existem
leis para reparar esses danos.
O que não há é lei que justifique a censura prévia. Afastem de nós esse
cálice.”
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