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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Afasta de mim este cálice




Por Zezinho de Caetés

Esta semana eu estava tentando usar o Mural desta AGD, como sempre faço, colocando mais a opinião dos outros do que as minhas, e vi que o Zé Carlos havia restringido o seu uso por uma ordem judicial. Eis que venho aos meus arquivos e encontro o texto que transcrevo abaixo, do Sandro Vaia, intitulado “A bebida amarga” (Blog do Noblat, 18/10/2013), e que trata de um forma muito especial do caso das “biografias não autorizadas”. Os dois episódios são comuns ao uso da censura como meio de tolher a informação.

Eu, de vez em quando, até lido com o mural, e sei que não há nada mais terrível do que fazer o papel de censor. Muitas vezes eu me pergunto porque este mural ainda é mantido. E respondo a mim mesmo. Pelo amor à informação e pela importância que ela tem numa democracia. E por isso com ele colaboro e fico triste pelo Zé Carlos ter que exercer a censura prévia que, segundo o jornalista abaixo, é vedada pela Constituição.

O importante do texto abaixo é aliar a bela poesia das letras de um autor que hoje é contra a publicação de biografias não autorizadas, a uma crítica contundente a ela. E ele pergunta como os versos dele várias vezes: Como beber dessa bebida amarga?

Eu pergunto o que se pode escrever sobre a vida de alguém de forma livre? Pelo jeito do debate, penso que resta muito pouco. Qualquer artigo de jornal ou revista que traga o nome de alguém e algum feito dele, ou algo a ele relacionado, poderia ser motivo de processo desde que não se tivesse um documento assinado em cartório para autorizar. Estaríamos na idade das trevas.

Se digo que Lula matava rolinhas em sua infância em Caetés, sem uma assinatura dele autorizando, lá vem processo. Se digo que a Dilma teve um loja de 1,99 que faliu, sem sua assinatura, lá vem processo. Se digo que.... E assim por diante, pois os exemplos pululam. Ninguém saberia mais nada de ninguém, a não ser por fofocas.

Como hoje estou me censurando previamente, deixo com vocês a letra da música do Chico Buarque (Cálice), de onde vêm os versos que o jornalista cita. No final coloco o vídeo com letra e música só para ver como as pessoas podem mudar com o tempo:

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça

Agora leiam o texto do Sandro Vaia e depois ouçam a bela música.

“Como beber dessa bebida amarga? Tragar a dor, engolir a labuta?

Eram maus tempos aqueles em que as pessoas se dedicavam ao delicado quebra-cabeça de ressignificar as metáforas que vinham semeadas com inteligência, escondidas entre as dobraduras dos textos de jornal e das letras de música.

Como era proibido falar com clareza, a censura obrigava a imaginação a se desdobrar em imagens poéticas para ser decifrada e fruída intelectualmente por aqueles a quem a trava das proibições era uma violência a merecer vingança.

E a vingança era a poesia que escapava à limitação intelectual dos censores.

Pois não é que agora os nossos construtores de metáforas, que incendiaram o imaginário popular com seus impiedosos versos, e aqueles que gritavam que era “proibido proibir” se transformaram eles mesmo na reencarnação moderna do mal contra o qual lutaram?

Como beber dessa bebida amarga?

Não há metáfora que esconda o verdadeiro sentido da ação do grupo Procure Saber, encabeçado pela famosa sabe-se-lá-o-quê Paula Lavigne: vetar biografia não autorizada é censura prévia. A Constituição, à qual um artigo do Código Civil não pode sobrepor-se, veta expressamente a censura prévia.

As justificativas que os nomes célebres que aderiram à causa alinhavaram em textos de jornal, tornaram a emenda pior que os seus piores sonetos.

Caetano e Chico escreveram artigos desajeitados no jornal para justificar a sua posição; o primeiro chegou a escrever que topa uma biografia não autorizada de tipos como Sarney, sem dar-se conta que defendia a censura seletiva.

O segundo cometeu um pecado do qual teve que redimir-se pedindo desculpas: desmentiu ter dado uma entrevista, que o autor tinha gravado e, para vergonha do bardo, colocou no ar.

Dos defensores da causa, as vergonhas maiores ficaram para Paula Lavigne, que usou um programa de TV para cometer uma baixaria contra a colunista Bárbara Gancia, a pretexto de fazer uma analogia despropositada, e Marilia Pêra, que “monetizou” a questão com esta frase de rara infelicidade:

- É "doloroso" ver publicadas verdades indesejáveis sem compensação financeira ao biografado.

Ela quis dizer que com compensação financeira as “verdades indesejáveis” deixam de ser indesejáveis ou, com um pouco de boa vontade, devemos considerar que ela cometeu apenas uma impropriedade de linguagem? A dúvida e a vergonha alheia ficam pairando no ar.

Biografias honestas costumam ser narrativas históricas de fatos reais, que compõem as histórias de vida de personagens públicos. Se o autor relatar fatos que não aconteceram e incorrer em injúria contra o biografado, existem leis para reparar esses danos.

O que não há é lei que justifique a censura prévia. Afastem de nós esse cálice.”


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