Por Carlos Sena (*)
Fico pensando numa loja surreal
que pudesse vender presentes de natal fora da lógica materialista. Loja dos
sonhos? Talvez. Loja dos amores? Poderia ser. Cantinho do afeto? De repente...
Independente, o que minha loja poderia, de fato, vender? Vender? Ou ofertar? Se
fossem beijos, teriam que ser dados. A variação seria se nas faces, na boca, ou
noutro lugar. Mas se fossem ilusões? Como minha "loja" venderia
ilusões? Em que papel eu teria que "embrulhar"? Mas, em sendo ilusões
como, de fato, eu iria encontrá-las pra por na minha loja? Um quarto escuro com
lâmpadas azuis e um mágico do bem lá dentro tecendo sonhos? Ou uma vovó
igualzinha a dos nossos tempos de infância contando histórias como as de Pedro
Malazart? Ou uma projeção do filme remasterizado de Marcelino Pão e Vinho?
Ah, mas minha loja surreal de
natal teria que vender aromas! Talvez fosse esse o presente mais difícil de
vender... Como selecionar os aromas associados a um grande amor? Ou a um
momento especial de infância ou mesmo da juventude? Um cheiro de terra molhada!
Esse é um cheirinho que nos remete aos tempos de criança quando a gente corria
na chuva sem medo de resfriado como se o destino estivesse ali, paradinho em
nossa frente!
Ah, mas como seria difícil sortir
minha loja de coisas que se não vendem,
que se vão vêem, que se não falam, mas que só se sentem? E que, mesmo esse
sentimento se evapora para se unir aos céus sob forma de de halo divino? Na
minha loja teriam que ter incensos, anjos dependurados por sobre céus
estrelados; saletas azuis, lilás, espelhos translúcidos a refletir diversos
"eus" dos clientes... Sets retrôs para que cada pessoa ao entrar na
minha loja se identifique por entre fotos e perfumes e jogos de luzes qual
máquina de sonhos... Musicas incidentais! Essas não poderiam deixar de tocar.
Músicas de Kitaro, Madre Deus, Enia e correlatos desfilariam em todos os
ambientes... Em cada canto de sala um console contendo licor dos deuses, um
vinho tinto seco. Pasteis de Belém! Esses teriam que ter nessa loja dos sonhos
de natal...
O difícil seria colocar minha
loja no mesmo local das outras, ou nos shopping centers. Afinal, loja de sonhos
de natal em que dinheiro não serve, teria que ser no alto de uma serra. Já sei:
no alto de uma ermida como a de SANTA TEREZINHA lá na minha terra. Na noite de
natal um sino solitário tocaria lá de cima compassadamente as baladas da AVE
MARIA. E assim, do alto da ermida, um facho de luz invadiria a cidade e,
vagarosamente, adentraria casas, sítios, fazendas, conventos! E a música
inaudível aos ouvidos penetraria nas almas dos homens de boa vontade... Até que
ninguém mais precisasse dar presentes caros alimentando o capitalismo sem
coração... Um frasco cheio de cheiro de terra molhada é o que lhes dou de
preGENTE de natal.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 10/12/2013
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