Por Carlos Sena (*)
Toda sexta-feira da paixão era um
martírio pra mim. Lá na minha terra – Bom Conselho de Papacaça nesse dia a
cidade para. Hoje para menos, mas há trinta anos a gente pensava que não sairia
vivo, de tantas que eram as proibições: não se podia comer carne, não se podia
cortar o cabelo, não se podia falar palavrão, não se podia fornicar, nem se
masturbar, nem... Os pais não poderiam bater nos filhos, senão eram
hereges. Meus pais, nessa questão, nos
diziam que bater não poderia, mas beliscar sim. A gente ficava com as manchas
roxas nos braços e ainda se dava por
satisfeito. Quanto a comer carne na minha família ninguém comia. Só que ninguém
nos dizia o porquê disso. Da mesma forma que não me diziam o porquê do ovo de
páscoa e do próprio peixe na semana dita Santa. Também ninguém conseguia me
explicar acerca das imagens que na quaresma a igreja católica as cobre de roxo.
E o toque da matraca no lugar dos sinos? Aí então eu ficava nadando no seco!
Pensam que acabou? Ora, pois, no sábado de Aleluia eu morria também de medo de
não “acharem a Aleluia”... Eu ia pra missa da meia note que era quando se
“achava” a tal aleluia. Ia com minha avó – católica fervorosa e que me
assegurava que a missa só terminava quando se achasse a Aleluia. Meu medo
aumentava ainda mais quando algumas beatas que estavam perto de nós na igreja,
começavam a chorar. E minha vó me dizia que elas choravam por medo de, não
achando a Aleluia, o mundo acabaria. Quando dava meia noite um pano feito
cortina de teatro se abria e tudo era festa, ou seja, a Aleluia foi achada.
Todos rezavam e cantavam hinos para em seguida, sairmos em procissão pelas ruas
da cidade, pois Jesus havia ressuscitado...
Como era e ainda continua sendo
rica em simbologia essa igreja católica! Fico pensando que, dispondo de tanta
simbologia, como pôde chegar aonde chegou, ou seja, cheia de escândalos e com
boa parte dos fiéis debandando pra outras religiões e seita.
Hoje, já crescidinho, não tenho
medo de nada do que um dia me fizeram ter. Ainda continuo sem saber de que se
tratam alguns símbolos, principalmente na semana santa. Eles não mais me
incomodam. Não porque seja pecado; nem porque seja questão de céu ou de
inferno. Afinal, sendo a alma grande, tudo vale a pena, já dizia o poeta. Nesse
viés, enalteço a páscoa. Acho digno esse dia, independente da igreja que a ele
avoque a autoria.
Páscoa é no meu entendimento a
mais importante data do calendário cristão. Porque o mundo precisa de Deus.
Porque a vida está banal por falta de solidariedade. Porque o amor precisa ser
recuperado, mas sem o perdão e sem relações interpessoais solidárias, talvez
isso seja impossível. De tudo, fica em nós fé. Fica também a culinária rica que
na semana santa se destaca: feijão de coco, bredo, peixe, moqueca, umbuzada,
vinho, e outras tantas iguarias que nessa época ganham prioridade em nossa
mesa.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 30/03/2013
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