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segunda-feira, 6 de maio de 2013

Histórias que o povo conta e a gente se encanta.





Por Carlos Sena (*)


A gente pensa que não pode mais viver sem a internet, sem o celular, só pra ficar nesses dois revolucionários equipamentos tecnológicos da modernidade, somados a televisão. Engano. O diferencial é que cada tempo tempo tem e tempo tinha (tem putinha). A gente se bastava contando histórias. Isso mesmo: contando histórias da carochinha, de Camonge (era assim que eu ouvia falar, talvez uma referência a Camões). Histórias de papagaio, de Juquinha, de Pedro Malazarte, de Saci Pererê, de Caipora – essa eu me tremia todo. Diziam que a Caipora aparecia no meio da mata e se ela nos pegasse a gente tinha que dá muito fumo pra ela ir embora. História de chamichuga (sanguessuga) que só largavam nosso corpo quando o sino batesse três vezes. Certo dia, uma bicha dessas ficou no meu braço e eu só imaginava encontrar um sino pra bater três vezes. Histórias de cumade fulôzinha, ah como eu gostava de escutar. As avós da gente sempre tinham essa incumbência, embora nem sempre elas tivessem histórias boas pra nos contar. Certo dia, a avó de um amigo começou a contar uma história que não acabava nunca. Outro colega sentiu que era tudo invenção. A pobre da vovó arrumou um desfecho sem graça para a sua estória e, desde esse dia, ficava repetindo antigas histórias mudando apenas os nomes dos personagens. Além das histórias clássicas, tinham as histórias que corriam a boca miúda como se verdadeiras fossem. A história de Lula Garrancho. Diziam que quando a luz apagava às dez horas da noite eles descia dentro de uma barrica e saia fazendo arruaças pela cidade. As más línguas diziam que ele tinha uma amante e ia pra casa dela dentro da tal barrica. Medo também a gente tinha das histórias cotidianas, mais folclóricas do que mesmo histórias tipo: comer abacaxi e tomar leite; cortar o cabelo ou a barba e tomar banho – dava congestão! Almoçar e tomar banho? Quem se atrevia? Mas, voltando às histórias propriamente ditas, uma que eu me cagava todo era a do Bicho Papão, mas essa concorria fortemente com o Papa Figo. O que mais me lascava era que apareciam pessoas dizendo terem visto o Papa Figo. Ele matava as crianças e levava para comer o fígado, porque só fígado de crianças servia para as suas orelhas enormes de grande. Certo dia, já grande e no Recife, fomos a um sitio de uns amigos. No caminho, tinha um campinho de futebol cheio de meninos entre dez e doze anos, por aí. Botei a cabeça pra fora da janela do carro e gritei: corram, corram, que ali atrás vem uma Papa Figo. Em questão de segundos, não tinha um menino sequer, pra fazer um chá. Saímos rindo dentro do carro e lembrando que mesmo os meninos de hoje ainda temem o tal do Papa Figo.

Tudo era motivo de especulação. Outro dia a sensação foi um espantalho. Espantalho assim como me disseram, era uma caveira da cabeça de boi que se colocava numa vara para espantar maus olhados. Na verdade nem sei se era por isso mesmo. Mas um dia, alguém pegou um mamão verde, abriu dois buracos como se fossem os olhos, outros como se fossem o nariz e a boca e acendeu uma vela dentro. Colocou o tal do mamão exatamente dentro do matagal por onde passavam todos daquela região. Foi um verdadeiro frisson. No dia seguinte tudo virava história e outras histórias se originavam sem nada ter a ver com a anterior.

Pois é. Certamente todos têm suas histórias. Algumas lúdicas, instrutivas, outras nem tanto. Mas isso tudo fazia parte do universo de um tempo em que a televisão não sonhava acontecer; nem o computador, nem o celular e tudo mais que nos cerca e nos ilude. Ilude querendo nos passar a ideia de que o tempo bom é o de hoje. Sei não. Tempo tem e tempo tinha (tem putinha). Se tudo for questão de tecnologia, a da época era de ponta – ponta das mulheres e dos homens nos seus tradicionais modos históricos de pular a cerca. Ponta de um tempo em que as crianças aprontavam batendo na porta dos vizinhos e correndo pra ver a pessoa abrir a porta e dar com os burros n’água. Hoje, as crianças brincam. Mas quem lhes conta histórias não são as vovós, mas a televisão. No geral brincam com maldade, porque boa parte dos pais criam as crianças como se adultos fossem. Portanto, cada tempo com seu tempo embutido no calendários das horas. Eu fui feliz quando criança na minha nem mais pequenina Bom Conselho e eu sabia... Não tenho saudades daquele tempo. O tempo quando passa é igual a agua que não passa duas vezes debaixo da mesma ponte. Hoje eu passo por sobre as pontes do meu Recife e, como poucos, sou feliz sendo também este novo tempo...

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 25/03/2013

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