“Emergência fiscal
POR MÍRIAM LEITÃO
A culpa é do presidente Temer. Ele
fez o que não se faz. Até quinta-feira, o debate em torno da meta estava
restrito ao presidente e à equipe econômica. Ele resolveu chamar os políticos,
entre eles os do centrão, aos quais deve sua permanência no governo. Um
presidente refém de políticos resolve compartilhar com eles uma decisão
dolorosa como a fiscal. Agora o risco é termos dois anos de R$ 170 bilhões.
A equipe econômica quer elevar o
déficit para R$ 159 bilhões este ano e no próximo. Já é muito. Já é imenso. Mas
a pressão dos políticos é para ampliar gastos em ano eleitoral. Se o presidente
Temer bater o martelo nesse descalabro, entregará ao país um número muito pior
do que o pior momento do governo Dilma.
O Brasil vive a mais grave crise
fiscal de que se tem notícia. Ela surgiu pelos erros no manejo da política
econômica, mas tem também razões antigas. O rol de equívocos cometidos pelos
governantes é enorme, com destaque para o governo Dilma. A mudança da meta é só
o atendimento da emergência, mas há limites para números negativos.
Se subir o déficit para R$ 170
bilhões nestes dois anos, Temer não terá feito avanço algum para diminuir o
rombo, que chegou a R$ 111 bilhões em 2015 e atingiu R$ 159,5 bi em 2016. A
ideia original era reduzir esse dado com um esforço adicional a cada ano. A
revisão para R$ 170 bi, se acontecer, mostrará que Temer cedeu novamente para
agradar aliados políticos.
O desafio do país é reorganizar
as contas públicas enfrentando obstáculos que, pelo olhar de hoje, parecem
intransponíveis. Se o governo não fizer uma cirurgia profunda, vai se repetir o
mesmo episódio dos últimos dias, em que ministros da Fazenda e Planejamento vão
se debruçar sobre as contas com o governante da vez, vão dizer que a receita é
insuficiente, vão propor cortes, e os órgãos do governo constatarão que não
podem funcionar com tão pouco dinheiro. Os políticos dirão que precisam de
recursos para atender às suas bases, e alguém terá a ideia de cobrar mais
impostos. Haverá reação e o argumento de que a carga tributária é alta demais e
os serviços, insuficientes. Será suspensa a ameaça de mais impostos ou cumprida
apenas parcialmente.
Estamos presos nesse nó. Até
recentemente, no segundo governo Fernando Henrique e no primeiro governo Lula,
o esforço era para cumprir a meta de superávit primário. Durante o governo
Dilma, esse superávit caiu, passou do zero, foi para o negativo e explodiu no
começo do segundo mandato, quando ela foi obrigada a pagar os gastos que havia
escondido nas operações com os bancos públicos, as pedaladas. De lá para cá, o
país não conseguiu acertar o passo.
Na busca das razões do
descontrole é preciso estabelecer a causa mais emergencial: o país foi jogado
numa recessão, criada aqui dentro por erros dos governos do PT, e, como em todo
o processo de encolhimento do PIB, há queda forte de arrecadação. A receita
caiu mais do que os 10% de PIB per capita que o país perdeu em dois anos e
meio.
O presidente Temer está por
tempos demais na política para saber que o certo era tomar uma decisão técnica
e depois chamar os políticos e convencê-los da gravidade. Abrir uma decisão
amarga com os políticos é montar a armadilha que vai prender o que resta deste
infeliz mandato. E pior: agrava a crise do país.
Houve momentos, no passado, de
desequilíbrio grande entre receita e despesa, mas os economistas tinham
dificuldade de contabilizar porque era no período da hiperinflação. A inflação
alta, terrível para o país, facilitava a vida do administrador público.
Arrecadar antecipadamente e pagar depois permitia ao governo ter uma receita criada
pela própria inflação.
Desde o início do real não se vê
um descontrole como esse. Há erros de raízes profundas, como as benesses
concedidas ao Judiciário ou as distorções da Previdência, e outras que nasceram
do principal erro do governo Dilma, de desprezar o ajuste fiscal como se fosse
um discurso da “direita”. O equilíbrio fiscal é a base sobre a qual se constrói
o projeto que o país escolher. Sem ele, vivemos assim nesse sufoco diário como
no governo Temer.”
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AGD comenta:
O texto acima transcrito, da
Miriam Leitão, é de ontem. Hoje já se sabe que o governo, premido pelo mau
humor da agências de classificação de risco, que são a palmatória das nações
que não fazem o dever de casa, anunciou em quanto quer que fique o rombo fiscal
para este ano e para o próximo.
A quantia é tanta que não vale
nem citar nestes comentários. O importante é que se não fizermos as reformas
devidas, tudo não passará de remendos cada vez maiores. E não vejo no horizonte
nenhuma boa intenção da classe política, a não ser se eleger no próximo ano.
E todos caminhamos para o buraco
cada vez maior das contas públicas se continuar a briga de foice no escuro
entre os poderes, agora incluído também o poder Judiciário, que deveria ser o
fator de equilíbrio nesta longa jornada para nos livrarmos dos eflúvios
petistas. Veremos agora, se passar a excrecência do Fundo de Financiamento da
Democracia, se o STF fará o papel de guardião de nossas contas, como deveria
agir, pois envolve matéria constitucional.
Fora isto, o Legislativo nos deve
a Reforma da Previdência, que se aprovada in totum seria um alívio para
nossa situação, pelo menos no médio prazo. Parece até que estamos caminhando
para o abismo, com todos avisando o que vai acontecer, mas, ninguém tem coragem
de puxar o freio, porque quer é chegar primeiro.
Só nos resta, dentro do marasmo
de manifestações populares, como cidadãos, esperarmos e dentro da função de
cada um tentar dar um grito de alerta. Pelo menos teremos a desculpa
esfarrapada de dizer: “Eu não
avisei!”. Espero que não seja tarde até
para este grito.
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