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quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Sonhando com Democracia




“Trocar o poder de dono
        
POR FERNÃO LARA MESQUITA

Fundo Especial de Financiamento da Democracia?! “Fundo” e “democracia” são conceitos mutuamente excludentes. “Representação” é o nome do jogo e representação é identificação, o único caminho para a responsabilização. Um “fundo” não é ninguém. Apaga as individualidades. A antítese da representação. Desliga o fio terra do “sistema”. O poder sobe um degrau e passa a emanar diretamente dos caciques. Nós num mundo, eles no outro. Nenhuma relação de dependência.

Cada tostão destes R$ 3,6 bilhões, ou seja lá a quantos eles forem reduzidos depois que tirarem o bode da sala, irá direto para os donos dos partidos que decidirão exatamente como quiserem quem pode ou não aparecer na urna e quanto cada escolhido vai ter para gastar com sua candidatura. Esse é o problema real. A ditadura dos caciques. Se não elegêssemos nenhum dos políticos que estão aí, teríamos, de qualquer maneira, de eleger os que só entraram no páreo por se terem composto com eles.

É preciso matar essas serpentes no ovo. Devolver o poder às bases. A incubadora de caciques é o Fundo Partidário, o filhote temporão do Imposto Sindical. Os donos de partidos entram no jogo só porque o ato de entrar no jogo já lhes põe uma bolada direto no bolso e mais um tempinho de TV “gratuito” para ser vendido a quem já é cacique há mais tempo. “Dá-se dinheiro.” Entre “partidos” já criados e os que aguardam na fila, 102, por enquanto, atenderam a esse apelo insidioso que vem lá do getulismo. É como o sindicalismo pelego. É como o trabalhismo de achaque: “Traia, minta, falseie que o governo garante”. Impossível não acabar no desastre em que está acabando.

Não há desbaste tópico capaz de limpar o que começa assim. Tem de arrancar o mal pela raiz se quisermos pensar em voltar para dentro do mundo. Só que está tudo amarrado. O acumpliciamento que se impõe como ato inaugural de toda carreira política, na hipótese menos ruim, torna impotente quem tiver pago esse preço por falta de alternativa e esteja disposto a resistir ao sistema. Torna todo mundo denunciável pelo simples fato de estar lá.

Olhando só para trás, não há saída disso. Por isso todo o barulho que se faz é para que se olhe só para trás. É preciso abrir uma saída para a frente. Um novo contrato que se possa assinar com resgate a prazo curto. O Brasil está enredado numa confusão básica de conceitos e quanto mais se debate mais enredado fica. “Corrupção” é uma palavra que induz a erro porque pressupõe alguma coisa que antes estava íntegra e se estragou, quando a verdade histórica é que isso que chamamos de “corrupção” não é o desvio, é o padrão da espécie. Nunca houve o “bom selvagem”. Submeter o outro pela força e alimentar-se dele é como é na selva. Chegou até aqui quem melhor fez isso. E o Estado não é senão a força ancestral para subjugar o outro, organizada para ser exercida mais avassaladoramente sobre mais gente e por mais tempo. Foi assim que ele nasceu. Foi para isso que foi inventado. É isso que ele continua fazendo.

O Estado brasileiro é a fronteira do privilégio. Quem está dentro tem, quem está fora não tem. A democracia é que é o antídoto. O artifício criado para desviar o Estado do padrão natural ao qual ele retorna a menos que haja uma pressão constante em sentido contrário.

“Todo o poder emana do povo”? Onde, cara-pálida? Todo o poder tem de passar a emanar do povo. Esse descalabro todo não é mais que déficit de democracia. O problema é que não há memória dela entre nós. O Brasil só conhece déspotas ignorantes e déspotas esclarecidos. As pessoas não sabem exprimir, mas essa apatia tem causa. Dentro e fora da política, protagonistas ou “especialistas”, quem pede mais pede o “mais ou menos”, o “semi”, o “misto”...

Não existe meia democracia! Ou entregamos o poder ao povo, o que não dá para fazer pela metade, ou ele continuará sendo dos bandidos. É simples assim.

A Lava Jato é o pé enfiado na porta que se entreabriu do crime entrincheirado no Estado. Manter mais que duas instâncias de julgamento leva diretamente para onde isso nos trouxe, 28.220 assassinados nos primeiros seis meses deste ano na ponta ensanguentada e o que Curitiba tem mostrado e Brasília reconfirmado na ponta enlameada da impunidade. Não haverá remissão sem esse freio.

Mas a Lava Jato só alcança o produto. Para cuidar da fábrica é preciso mudar o País de dono. A receita é velha e infalível. Para quebrar o poder dos caciques, eleições primárias diretas. Para baixar o custo da participação e amarrar representantes a representados, voto distrital puro. Para submeter uns à vontade dos outros, “recall”. Para ter a lei a nosso favor, referendo dos atos dos Legislativos.

E para que nada disso vire golpismo, federalismo. A cada distrito o seu representante. A cada município tudo o que pode ser feito num só município (as obras, a educação, a segurança pública, os impostos para esses serviços). Aos Estados, só o que envolver mais de um município. À União, só o que não puder ser resolvido pelos outros dois.

É infalível. Com cada um cuidando da sua casa, a roubalheira cai a zero. Você fica à prova de Trump. O erro passa a se chamar experiência.

Esta nossa crise permanente é filha do “direito adquirível”. É o privilégio que requer o imobilismo. A vida, não. Na meritocracia, erro é valor. Você erra, volta, erra de novo, até acertar, e isso não te mata.

A única “cláusula pétrea” deveria ser a que proíbe todo tipo de petrificação. Enquanto restar aberta uma única porta para o privilégio, o País inteiro entrará na fila, uns comprando, outros vendendo, o resto sangrando. Ladrões, “concurseiros” e escravos. Não há como evitar. Sem o direito de corrigir cada erro assim que percebido, seremos 210 milhões na mão dos 513, os 513 na mão dos 11 e a Venezuela pairando no horizonte.

Primárias, voto distrital puro, “recall”, referendo. Trocar o poder de dono é a reforma que abre as portas a todas as outras; a revolução em conta-gotas, sem sangue e sem dor.”

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AGD comenta:

Não é preciso ser muito informado para se deduzir que no texto anterior, no qual o autor dá a receita para melhorarmos o processo democrático, ele tem na cabeça os Estados Unidos. Até explicitamente quando cita “à prova de Trump”,

É óbvio que, mesmo nos Estados Unidos, o sistema democrático não é só de “flores”, ele tem seus problemas como já dizia alguém que “ele é o pior sistema político do mundo, exceto todos os outros”. A causa é muito simples. A democracia é um sistema onde as decisões são tomadas com o maior volume de fiscalização possível.

Da maneira como ele foi institucionalizada, no mundo moderno, mesmo entre as mais avançadas formas, este poder de fiscalização ainda é restrito a períodos de tempos eleitorais, por necessidades pragmáticas. Seria impossível haver todos os dias uma eleição para saber a “vontade do povo”. A Democracia representativa foi a solução prática para isto.

No entanto, sempre que se pode melhorar esta representatividade chamando o povo a decidir isto deveria ser melhor para a Democracia. É o que propõe o texto acima, com a figura do “recall” que é usado no sistema americano, quando o sistema representativo funciona tão mal devido as falhas dos que representam o povo que se faz necessário suas saídas.

Por aqui já temos alguns conceitos como o impeachment e projetos de iniciativa popular, que podem suprir as falhas dos governantes mas nada, como o “recall”, que é uma iniciativa popular, com maior eficiência, para resolver o problema do tempo de representatividade, e que foi desenvolvido nos Estados Unidos, sendo aquele país uma fonte de conhecimentos a respeito.

Porém, sua implantação exige um sistema distrital puro que para nós ainda é muito estranho. Aqui, talvez, só as eleições para representantes municipais proporcionem a possibilidade de conhecer os candidatos mais de perto. Ou seja, tem que se mexer em muitas outras coisas para funcionarem.


Seria um sonho, que eu talvez não veja, pela idade, ter uma Democracia que funcionasse com os elementos acima de forma conjunta: Primárias, voto distrital puro, “recall” e referendo. Mas, nada nos impede de sonhar, enquanto estamos vivos.

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