“Tudo começa por acabar com a
mentira
POR FERNÃO LARA MESQUITA
“Eleitor”, ao lado de “Brasil”, é a palavra
que menos se ouve no reality show teratológico de Brasília, com suas câmeras
abertas e seus gravadores ocultos porque o eleitorado brasileiro está preso num
cercadinho. Não precisa ser capturado.
Voto distrital puro dispensa
fiscais subornáveis e mata de uma só vez e para sempre a proliferação de falsos
partidos, barateia a eleição a ponto de dispensar JBSs, não requer o uso de
mídias de alcance nacional e amarra cada representante eleito ao seu
representado. Eleições primárias diretas e recall fazem dos eleitores os únicos
“caciques” que precisam ser temidos. Iniciativa e referendo garantem que o jogo
será jogado de ponta a ponta a favor da plateia.
Mas como partimos sempre da
premissa de que o povo é o problema e o Estado é que é a solução, o avesso da
democracia, colocamo-nos mais longe dela a cada vez que, em geral sob altas
doses de indignação, o mais potente anestésico da racionalidade, engolimos mais
uma das “jabuticabas” que nos atiram com a promessa de que, essa, sim, vai
impedir a manifestação dos efeitos obrigatórios das velhas distorções que nos
recusamos a eliminar.
Para “anular o poder econômico”
perdoamos os joesleys e entregamos ao Estado, que não é senão os próprios
indivíduos que se pretende controlar, a prerrogativa de nos dizer quanto querem
gastar do nosso dinheiro, e com quem, para embalar suas mentiras na TV, e
deixamos que mandato ganho com elas se torne propriedade particular do
mentiroso. Trocamos a decisão soberana de contribuir ou não para partidos, se e
quando quisermos, pelo “fundo partidário” mais as “cláusulas de barreira”,
enquanto sonhamos com parlamentarismo ou com sofisticações germânicas.
Aceitamos que os políticos decidam candidaturas só entre eles, enquanto
fechamos o financiamento privado, e ficamos com a “escolha” entre a cruz do
“distritão” e a caldeirinha do voto em lista. Trocamos o “oligopólio da mídia” (em
plena era da internet!) pela censura que, norte-coreanamente, dita que só os
candidatos “deles” podem falar de si mesmos, sendo o povo obrigado a ouvi-los
sem contraditório.
Recusamo-nos, enfim, ao uso do
mais essencial dos desinfetantes da farmacopeia democrática – “Poder para o
Povo” – e por isso vivemos no limiar da septicemia política e institucional.
Mas não desistimos nunca de pedir “soluções” a quem deveríamos estar impondo as
nossas próprias.
É isso que garante que não haverá
nada de novo em que votar em 2018, uma eleição que, para o bem ou para o mal,
será a última de uma era, pois, neste mundo vaso-comunicante não há mais como
fechar fronteiras nacionais e resolver tudo com emissão de moeda falsa e
inflação, e isso mata o modelo populista. Nem para o funcionalismo de verdade
sobra mais. O Estado não cabe mais na Nação e, ou ela se impõe a ele,
instituindo a igualdade de direitos e deveres e podando radicalmente a gordura
mórbida, ou ele se imporá a ela pela violência. Não fazer nada ou tapear com
meias medidas é quanto basta para que os serviços essenciais, já pra lá de
periclitantes, entrem definitivamente em colapso e o caos transforme o Brasil
num imenso Rio de Janeiro a caminho da Venezuela.
A clara consciência de que assim
é, no mundinho fechado de Brasília, é que explica a virulência da “campanha de
2018” a que vimos assistindo há mais de três anos. O País ficou pequeno demais
para abrigar a “privilegiatura” e a democracia ao mesmo tempo. Um dos dois terá
de morrer e eles são os primeiros a saber disso.
Sair dessa rota de desastre vai
exigir romper o pacto da mentira que sustenta o modelo brasileiro. Tudo o que
se tem passado, dos atos às “narrativas” da guerra de imundícies a que temos
assistido, respeitadas as exceções que fazem a regra, está referido à disputa
para ver quem se vai apropriar de quanto do que é nosso sem fazer força. E isso
precisa passar a ser dito e repetido diariamente e com todas as letras.
O Brasil já sabe de tudo. Só
falta quem se disponha a fazer-se seguir por ele. Mas não se vai tirar o povo
da apatia com que expressa seu repúdio à continuação da tapeação com
eufemismos. É preciso apontar onde e com quem está o que falta na conta. A
roubalheira por fora da lei aqui é a maior do mundo mas é um nada. Os ésleys e
odebrechts não merecem qualquer migalha de perdão, mas o que pesam é troco. O
que arrebenta este país é a roubalheira por dentro da lei. A roubalheira
automatizada pela lei.
O fundo partidário foi triplicado
de 2014 para 2015. Está em R$ 819 milhões. Agora querem R$ 3,6 bi. Seriam 12
vezes o valor de 2014! Merreca, se considerado que o que se compra com ele é o
poder de ditar, pelos próximos quatro anos, quem fica com quanto do que mais se
arrancar de nós, e que cada um desses novos “direitos adquiridos” é um caminho
sem volta.
Não dá mais!
Os jatos, os carros, as casas, os
empregados, os seguros-saúde, as assessorias, os salários turbinados, os
“auxílios” de arrombar teto, os “reajustes” leoninos sem inflação, as
aposentadorias integrais na flor da idade, tudo isso tem não só de acabar, mas
de regredir ao limite do sustentável. Um único marajá-mirim, de apenas R$ 50
mil, aposentado por 40 anos, ou 480 meses, custa R$ 24 milhões a valor
presente. Quantos empresários de sucesso conseguem fazer isso sustentando
empregos uma vida inteira? Uma aposentadoria média do INSS, de R$ 1.600,
levaria 15 mil meses (1.250 anos) para acumular esse valor.
Nunca tão poucos deveram tanto a
tantos. Não há que reinventar a roda. Só existe uma cura para isso. O povo
elegendo e deselegendo, escolhendo suas leis, contratando e demitindo,
definindo quem ganha quanto e até quando, livre para mudar e mudar de novo
quantas vezes for preciso, e na hora que for preciso, até acertar. Não há
Exército que conserte o que está aí, sobretudo se mantida nossa Justiça, a mais
cara e a mais leniente com o crime do mundo. Este país só se salva
enriquecendo. E só começará a deixar de empobrecer se e quando trocar o
privilégio pelo mérito também “lá dentro”, exatamente como já é aqui fora.”
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AGD comenta:
Lendo o texto anterior, de cabo a
rabo e num fôlego só, já foi um desabafo. No caso um desabafo cívico e um sonho
(ou seria pesadelo?) sobre resolver problemas tão graves. É claro que o autor propõe
soluções que são claras à vista de todos os bem intencionados, mas...
Será que os políticos estão bem
intencionados? Ou melhor, o que é boa intenção para o político? Já sabemos que
o inferno está cheio delas todo o tempo, mas, no caso brasileiros parece que
nem o inferno as está aceitando.
Ora, meu Deus, está claro que
eles passam o dia inteiro pensando em como se reeleger e procurando o caminho
mais fácil para isto. Cabe a nós “povo” colocar algumas brasas no caminho quando
as intenções são as piores.
Fixo-me neste tal de Fundo de Financiamento da Democracia que querem erigir para as próximas
eleições. Pelo menos pelo que li, é uma excrecência cívica. Estão nos pedindo
que financiemos as suas “boas”
intenções para esvaziar o inferno. E será que vamos deixar isto acontecer?
Pela movimentação popular parece
que eles levarão o fundo com o este dinheirão. E se isto acontecer, como sempre
dizem, teremos mais 4 anos para arrumar a casa, o que não irá acontecer.
Soluções? Não as tenho. E se não tenho, só me resta o desabafo de um cidadão
que pensa ter boas intenções. Penso já ser alguma coisa, escrever estas linhas,
ao publicar o desabafo maior do Fernão Lara.
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