“Banho de sangue
Por Eliane Cantanhêde
O mundo chora os 15 mortos do
terrorismo em Barcelona, mas quem vai chorar os nossos 28 mil mortos pela
violência descontrolada no primeiro semestre no Brasil? São, nada mais, nada
menos, 155 assassinatos por dia! Algo como seis por hora! E podem chegar a 60
mil até o fim do ano!
Os alvos dos ataques monstruosos
do Estado Islâmico são homens, mulheres e crianças de variadas nacionalidades,
para potencializar o horror, a divulgação mundo afora e o pânico. Os alvos no
Brasil são pobres, ricos, de capitais, do interior, tanto faz. Qualquer um de
nós (ou dos nossos filhos) pode ser a próxima vítima.
O Estado se mostra incapaz, a
cidadania parece entorpecida, a onda de violência não respeita nenhum limite,
alastra-se pelo País inteiro e o Rio de Janeiro continua lindo, mas virou o
mais dramático e triste exemplo do ponto a que chegamos, produzindo diariamente
manchetes e vídeos aterradores. A vida não tem mais valor nenhum.
Crianças morrem com tiro na
cabeça dentro de escolas ou na sala dos pais. Turistas estrangeiros são
assassinados porque entram na “comunidade” errada. Não se pode andar na rua,
nem de bicicleta, nem de carro, nem de ônibus, nem de metrô. A pessoa sai para
trabalhar sem saber se volta. Mas também quase não se pode mais ficar em casa.
Os tiros atingem todos os lugares.
Quem é pago para controlar a onda
corre dois riscos. Ou é engolido pelo “sistema” e/ou pela constatação de que
essa é uma guerra perdida e não há o que fazer. Ou morre às dezenas, deixando
viúvas e filhos pequenos. Só neste ano são quase cem policiais assassinados no
Rio. Rezemos para já não serem cem quando esta coluna for publicada.
Assim, temos um País onde a
grande maioria está espremida entre dois extremos. Na cúpula, governantes,
gerentes de estatais, doleiros e “operadores” desviam bilhões da saúde, da
educação, da moradia, da infraestrutura – e do futuro. Na base, quadrilhas sem
lei e sem horizonte agem à luz do dia, armadas até os dentes, sem pensar duas
vezes para apertar o gatilho.
O desemprego e a desesperança
completam esse quadro, mas quem se refugia no Primeiro Mundo não são os da
cúpula nem os da base do crime. São, por exemplo, os melhores estudantes, os
profissionais mais promissores, os que mais têm a contribuir com o Brasil,
afinal empurrados para contribuir com a ciência, a tecnologia e o
desenvolvimento justamente dos países que já são campeões em tudo isso.
A reforma política se encaixa
perfeitamente aí. Não um distritão feito às pressas, não um fundo eleitoral de
R$ 3,6 bilhões em meio à crise fiscal, não um quebra-galho para a eleição
seguinte. Uma reforma política para valer, com novas regras, novos filtros,
mais debate sobre o País, mais compromisso com a realidade e menos com cores e
efeitos especiais.
O passo seguinte à Lava Jato, que
expõe o mundo da corrupção e aponta os maiores culpados, tem de ser a
atualização das regras políticas, partidárias e eleitorais. É essencial começar
a mudar o País pelas cúpulas, para que elas realmente assumam a responsabilidade
pelo que acontece nas bases. Sem mudar por cima, os brasileiros vão continuar
matando e morrendo por baixo.”
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