Por Carlos Sena (*)
Escrever é um ofício. Não há como
entender diferente disto, exceto o ato de escrever cotidiano, sem o compromisso
de ser lido e avaliado criticamente por outrem. Fora o ofício de escrever há o
ato de escrever que é, no nosso entendimento, a lógica da comunicação sem a
preocupação com o estilo e a forma de bem colocar as palavras tornando-as
“frases” que comporão o tema ou assunto do que se quer comunicar.
A escrita enquanto ato é aquela
que só depende da alfabetização. O ofício de escrever não. Escrever por ofício
requer requisitos gramaticais, idiomáticos, de estilo e de forma. O ato de
escrever pode não requerer estilo,
beleza gramatica, nem poesia no texto. Geralmente é exercido por qualquer
cidadão que precise, por exemplo, mandar um recado via e-mail, ou mesmo uma
carta de amor nos padrões de antigamente. Esse ato de escrever se consubstancia
igualmente no trabalho. Uma escrita formal tipo memorando, ofício, etc. vão
requerer regras formais que esses documentos exigem. Contudo, não se precisa ao
escrever um ofício, de estilo e beleza como normalmente se considera numa
crônica, por exemplo. O estilo e a beleza de um texto em forma de “ofício”
acontecem através do bom uso do idioma e da ausência de emoções particulares e
subjetivismos outros. Requer, sobremaneira, objetividade, posto ser um tipo de
comunicação oficial e institucional.
Escrever por ofício vai além.
Algo como a escrita por “ofício” contém o “ato” de escrever, mas a recíproca
não é verdadeira. Neste sentido escrever como ofício é como se fosse um
“conjunto” e escrever por ato uma parte desse conjunto. Fato é que escrever por
ofício não é para todas as pessoas, ou seja, não basta se dizer a si mesmo:
“vou ser escritor”. Porque escrever por ofício desagua quase sempre nessa
assertiva de “ser escritor” – independente da projeção – se profissional ou
amador. Escrever por ofício, naturalmente requer conteúdo de quem escreve. Por
isto, não basta querer escrever (por ofício), pois requer além do domínio do
idioma, um caldo cultural considerável e, acima de tudo, uma visão crítica do
mundo e, dentro dela, uma profunda capacidade de ver e compreender o humano em
suas inúmeras faces.
Certamente não se quer dizer com
isto que o ofício de escrever leva a pessoa ao patamar da fama através da
escrita. Escritores como Jorge Amado, Paulo coelho, Machado de Assis, Gilberto
Freyre e outros, contém nos seus escritos a perfeita “sintonia” que só através
do oficio de escrever se alcança. Não obstante, os escritores famosos tem a seu
favor toda uma estrutura de marketing e divulgação focados nos lucros das
editoras. Independente, não precisa ser famoso para ser bom escritor – como se
vê uma coisa leva a outra: o ofício de escrever leva necessariamente a condição
de escritor. Ser escritor não se constitui na lógica da fama, mas do que se
escreve e para qual público se escreve ou até mesmo para qual região se escreve
ou ainda: para qual tipo de mídia se escreve. Escrever um artigo para um jornal
tipo Folha de São Paulo é uma coisa que só aos “medalhões” da literatura ou aos
“afilhados” se concede. Ou, dependendo do editorial, convida-se uma autoridade
no assunto para tal. Isto porque a função do jornal é vender e de certa forma,
interferir na realidade política e social do país. Por isso não é qualquer
escritor (mesmo os bons) que escrevem um editorial de um jornal. Algumas vezes
o articulista não é nem tão bom, mas escreve o que a política do jornal precisa
que seja escrito. Escrever para um jornal de um colégio, por exemplo, é
diferente. Tem que ser levados em conta a forma e o estilo dentro uma linguagem
acessível aos alunos e professores; tem que se primar pelo domínio correto do
idioma e, acima de tudo, o rigor na forma para que não se estimule preconceito
ou coisas semelhantes que rompam com o status quo do jornal como processo
educativo.
Fato é que na sociedade em que
vivemos com analfabetismo quase sendo vencido, as responsabilidades com o ato
de escrever e com o ofício de escrever aumentam. O exemplo disto são os
inúmeros blogs que se encontram postos na internet. Contudo, poucos têm
dimensão de qualidade, independente da fama ou da divulgação do blog. O que se
mais vêm é a “baboseira” em forma de blog: sem respeito ao idioma, sem
qualidade literária e pior, cheia de instigações preconceituosas ou defendendo
bandeiras politicamente incorretas. Blogs de periferia que só estimulam a
violência e cheios de gírias e bordões do menos bom gosto possível e
inimaginável. Certamente que há público para todos os gostos e há muitos
leitores desses blogs de “ultima” tão comuns nas grandes cidades, especialmente
em suas periferias. Há, certamente, os Blogs bons e recomendados, mas esses
geralmente tem patrocínio dos jornais aos quais os “donos” dos blogs estão
subordinados.
Nesse emaranhado de formas,
veículos e meios de comunicação sociais, o “Senhor” livro tem ficado meio
escanteado como produto cultural mesmo
de bom entretenimento. Mas, certamente, isso não atrapalha a existência de
inúmeros bons escritores que se materializam em livros, mesmo em edições por
eles pagas e mantidas. As grandes cidades estão cheias de bons escritores,
independentes de que sejam aplaudidos pela crítica, até porque os nossos
jornais já não trazem mais as famosas críticas literárias de outrora.
Certamente que há muitas pessoas se passando por escritoras, mas, sem nenhuma
condição. Não é dessas criaturas que estamos tentando nos posicionar acerca do
ato de escrever e do seu ofício. Até porque o “ofício de escrever” se constitui
pela disciplina diária de exercício com a escrita. Imagino que quem se dá a
essa condição tenha que escrever todo dia, mesmo que seja para depois apagar
tudo. Porque sendo um ofício se constitui em prazer para quem o exercita.
Muitas vezes um texto que o escritor adora e julgar se ele uma das suas
melhores obras não é recebido pelos leitores com essa dimensão. Porque, de
fato, o grande momento de um escritor é quando sua obra é lida e comentada. Nem
tanto comentada, porque o “comentário” depende de fatores subjetivos dos
leitores que, nem sempre, tem tempo ou mesmo condições de fazer uma avaliação
criteriosa.
Há determinadas coisas na criação
literária que nem todo escritor dispõe com facilidade: a forma leve, ao mesmo
tempo objetiva e descontraída. Mas, mesmo isto depende mais de quem lê do que
de quem escreve – daí as várias formas e os diversos estilos que os autores
colocam em suas prosas, poesias, contos, etc. Preferimos, particularmente, um
texto leve, mas que seja objetivo e descontraído conforme dissemos. Mas, essas
condições são particularíssimas e dependerão, certamente, do que se quer
comunicar com a literatura. Contudo, deve-se ter em mente que o principal de
uma peça literária é a sua interlocução com quem tiver acesso a ela. Daí a
preocupação de que se coloquem as palavras certas, as citações certas, as
interjeições corretas, as reticências... Pode-se escrever, por exemplo, um
texto erótico sem usar palavrões. Mas, da mesma forma, pode-se escrevê-lo cheio
de palavrões, mas, que o leitor não sinta um texto grosseiro, agressivo. A
menos que esse seja o objetivo do escritor ao fazer o seu texto erótico,
pornográfico... Até mesmo agressivo.
Assim, o ato ou o ofício de escrever
no nosso entendimento tem esses hiatos de ressignificação. O ofício de escrever
contém o ato, mas este nem sempre contém aquele. Lembrando que o que se escreve
é diferente do que se fala. Numa mesa de bar tudo se permite na linguagem
falada, principalmente se nos encontramos entre amigos. O rigor da língua
nessas ocasiões pode até significar boçalidade. Contudo, se naquele grupo
houver um “escritor” (amador ou profissional) que queira colocar aqueles
momentos numa crônica, certamente a linguagem será outra. Talvez nunca uma
linguagem erudita, mas coloquial e descontraída de preferência com uma dose de
humor. Como vemos escrever é colocar o mundo dentro das letras que compõem as
frases que se transformam em substantivos... Escrever é uma viagem solitária em
que a gente tem a responsabilidade de pintar o mundo dos outros como se conosco
estivesse em nosso solitário ato de exercitar o ofício de escrever.
-----------------
(*) Publicado no Recanto de
Letras em 19/05/2013
Nenhum comentário:
Postar um comentário