Por Carlos Sena (*)
Fico matutando, como de costume, em cada final
de noite. Por isto este meu matutar: “o que é que mais mexe com todos,
independentes de tempo, de espaço, de ser jovem ou ser velho, de ser de geração
moderna ou nem tanto”? Algo como: que tema mexe mais com as pessoas nas suas
vidas privadas? Chego à conclusão que a “GAIA” ganha de dez sobre outros
aspectos da vida, como disse privada. Porque “gaia” – assim mesma com o
português truncado, mas é assim que tem graça falar de “galha”. Porque essa
expressão é creditada ao veado – aquele animalzinho cheio de simbologias e que
parece servir para todas as variáveis humanas de conduta a dois. Haja vista
“viado” – aquele garoto que tem trejeitos de efeminados ser chamado de “viado”
agora com “i” porque parece perder a graça chamar veado. Pois bem, o mesmo
veado também sugere as “gaias” que tanto terror provoca aos humanos. Isso,
naturalmente acontece por conta das galhas do pobre do veado que, não bastando
ser cheio de galhas ainda anda e pula elegantemente. Outro forte concorrente da “gaia” é “ponta”
ou “chifre”. Ou seja, a gente pode dizer que fulano levou ponta ou levou gaia
da mulher ou vice versa. Esses designativos são também democráticos: homem leva
gaia e bota. Mulher, gay masculino e feminino, transexual, hermafrodita, enfim,
todos levam gaia ou poderão colocá-la nos seus parceiros...
Dizem que a ponta ou a gaia tem
origem portuguesa. Um pouco de cultura inútil? Pode ser, mas vale a pena
tergiversar: falam que quando um português chegava à casa da amante, era combinado
que ela botasse um chifre na porta para ele saber se o marido estava em casa.
Ou vice versa. Mas, faz sentido, porque senão daria muito na vista, por
exemplo, se fosse colocada uma toalha vermelha ou coisa do gênero, independente
da história que elegeu o símbolo gaia ou chifre ou ponta como tal. Fato é que
ser chifrado doi pra cacete! As histórias de chifre são todas cheias de muito
humor, mas há muito ardor nalgumas delas, inclusive levando pessoas à morte
afetiva e até física. Os motivos que levam as pessoas a chifrarem são diversos
e fogem, certamente ao nosso crivo objetivo. Porque poucos dizem, de fato, os
motivos que os levaram a trair os seus parceiros/as. O componente de caráter e
personalidade certamente é importante. Contudo, há componentes do inconsciente
que poderão levar alguém a trair pela própria traição. Algo com “dar pelo
prazer de ver entrar”, somente.
Nelson Rodrigues escreveu uma das
suas melhores peças de teatro convertida para o cinema, cujo título cai bem a
propósito do que estamos dizendo: “Perdoa-me por me traires”... No primeiro
momento a gente não entende muito bem, mas depois do filme tudo fica bem
esclarecido. Isto porque o marido que já era idoso e casado com uma bela jovem
achava que era o direito dela traí-lo, pois ele não dava mais “conta do
recado”, digamos assim. Há outras variáveis no filme, mas esse é o principal
fundamento da gaia que o coitado do marido leva e fica satisfeito e ainda pede
perdão à esposa. Algo como: “você é tão jovem e tão bela” que adquiriu o direito
de me trair – ou coisa do gênero. Afora Nelson, há inúmeras outras histórias da
vida privada, mais da privada do que da vida, mas que são bem a tônica da
ponta, do chifre, da gaia, que a tantas pessoas deixam tontos e desesperados,
ou não?
Imagino que a história da gaia
seja secular. Aparece até junto de Jesus no episódio de Maria Madalena. Alguém
duvida que ela, como boa pecadora e sabendo que ficaria famosa no mundo
inteiro, não iria ser gaieira? Há quem diga que talvez esse tenha sido seu
menor pecado, mas, pecado é pecado independente do tamanho. Madalena até hoje
se mantém como exemplo de pecadora que se arrependeu e virou santa. Sorte que
não virou evangélica. Se ainda muitas Madalenas existem e não viram santas não
podemos garantir nem temos como saber. Fato é que independente da história ou
da Sociologia da gaia, gaia dói, mata, faz sofrer e leva muita gente a loucura.
Não fosse a gaia muitas novelas não tinham Ibope, muitos livros não teriam sido
escritos, muitas histórias de amor não teriam sido vividas. Em função da gaia
parece que a vida a dois circula. Se não no grosso, mas no varejo das relações
isso é muito presente em nossos dias. Pensar que desde que o homem é homem na
face da terra que ele fica querendo uma pessoa só pra si é preocupante. Ou não?
Porque tudo indica mesmo é que o homem não nasceu para a monogamia, mas é assim
que ele quer que o parceiro seja, independente de que seja homem ou mulher ou
derivados.
Gaia é tão produto de consumo
que na internet os diversos tipos de
cornos não se cansam de serem repassados. Muitas dessas listas já com novas
terminologias. No rol delas, corno manso é comum. Corno cuscuz também. Corno
peixe, corno de todo tipo e com rima ou sem rima. Há no Recife, inclusive um
bar dos cornos que até já saiu no Fantástico. Reginaldo Rossi tem sua carreira
devida quase que completamente por conta do tema CORNO. Garçom seu principal
hit é, no fundo, uma ode a cornice, bem como uma melodia que começa com “hoje é
dia do corno” que faz muito sucesso no país inteiro. Como uma coisa leva a
outra, no rol da cornice mora o controvertido ritmo musical BREGA. Para muitos
um estilo, mas, para outros uma subcategoria de música com a qual não
concordamos. Dor de corno é dor de corno e, como não se vende remédio na
farmácia, tem que ser curada de alguma forma numa mesa de bar, no ombro de um
amigo ou com um garçom no final de noite...
Vê-se, pois, que ser corno parece
que não é mais privilégio de ninguém, pois além do corno assumido há os que não
assumem nunca. São aqueles que sempre respondem na base do clichê: “se fui não
sei, mas devo ter sido”. Já vi muitos desses me dizerem isso sabendo que eu
sabia que eles levaram um chifre roxo e quase morreram e até nem se recuperaram
nunca. Neste sentido o “poeta” Tiririca se imortalizou com uma frase “gaia é coisa que botaram na nossa
cabeça”... De fato, gaia, ponta, chifre, que são subnomes de traição nunca
sairão do cardápio das relações em todos os tempos. A grande contradição é que
todos os seres humanos têm dentro de si os princípios básicos da gaia. A
maioria dos homens adora chifrar as esposas, mas morrem quando descobrem que
são traídos. Diferente das mulheres gaieiras. Estas quando chifram o fazem sem
peso na consciência, pois fazem bem feito e com o dom de iludir tão comum delas
e isso é positivo. Gaia é coisa tão doida que já conheci um gay que deixou a
mulher após saber que ela o chifrava. Acho que foi desculpa esfarrapada dele,
mas foi o que nos disse. Por outro lado, conheci também mulheres que,
decepcionadas com o marido traidor foram felizes com outras mulheres e por aí
vai.
Certo ou errado, justo ou
injusto, dolorido ou suave, gaia é gaia e já faz parte do nosso “calendário
afetivo”. Talvez por isso as pessoas fiquem tão preocupadas em saber tim tim
por tim tim da vida do parceiro. Muitas até botam detetive particular para
saber se os maridos ou mulheres são traidores. Alguns resultados da traição
podem ser trágicos como o caso de um nordestino que matou a esposa e a retalhou
depois de morta colocando-a numa mala e a deixando na rodoviária do Rio de
Janeiro. Nas cidades grandes e pequenas crimes de traição acontecem
independentes de tempo ou de evolução ou de tamanho das cidades. Gaia também
não depende muito de formação intelectual, embora saibamos que as pessoas mais esclarecidas
não partem para a violência após descobrir uma traição. O que não significa que
não matem, pois as questões do comportamento, da cultura, transcendem a
racionalidade. Portanto, vemos que é esse um tema inesgotável e que certamente
carecerá de mais enfoques no seu desenvolvimento. Porque, afinal, gaia é gaia e
é uma coisa que botaram na nossa cabeça, mas esqueceram de tirar...
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 26/05/2013
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