Por Carlos Sena. (*)
Lembro-me de uma colega chamada Fafá. Fafá era
dessas pessoas muito queridas pela sua capacidade de mandar. Mandava em tudo e
em todos, inclusive tomar no “fiofó” se fosse o caso. Diziam que Fafá não se
casara porque macho nenhum se submetia aos seus mandos... E desmandos. A última
história de Fafá que eu me lembro se deu quando ela mandou sua empregada
doméstica olhar se ela estava no barzinho da esquina. Pior: a empregada foi e
teve a pachorra de dizer a sua patroa: “a senhora não tava lá”. E não tava
mesmo, porque Fafá queria ver até onde não ia a capacidade de sua empregada
para não entender muita coisa. Essa empregada lembrava MACABÉIA – um personagem
de “A Hora da Estrela” – livro de Clarice Lispector. Não que Macabéia fosse
assim meio burrinha, mas era tão desligada quanto, pois foi pra vida sem sequer
saber que vivia, digamos assim. Pois bem. A vida de Fafá existia entre o mandar
e mandar. Ela adorava dizer que nasceu pra isso e, como se não bastasse,
desmandava como que se “achando a rainha da cocada preta”. O pior desse vício
de mandar é que ela sempre se dava bem. Mas ela sabia “qual a formiga que come
o raçado”, como se diz na gíria. Ou seja, quando a pessoa era graúda, tinha
cargo importante, ela mandava com mais discrição, mas quando pegava um
coitadinho então ela deitava e rolava. Mais rolava do que deitava, porque
parece que não tinha homem para deitar com ela, pois todos fugiam na primeira
conversa.
Na repartição onde trabalhava –
isso nos anos setenta – Fafá cismou com um funcionário novato que cuidava da
limpeza. O problema não estava no que o rapaz fazia em seu trabalho, mas o que
ele deixava de fazer com Fafá. Acontece que Fafá se sentiu atraída pelo novo
funcionário – terceirizado é bem verdade, mas bonitão e meio bronco em que pese
ter forma sensível de se dirigir às pessoas. O grande dilema de Fafá era se
sentir atraída por uma pessoa meio “macabeia”, mas extremamente bela e que já
estava provocando frisson em algumas dondocas importantes do setor, inclusive
médicas. Quando dava a hora do novo funcionário largar do trabalho, sempre Fafá
inventava uma sujeira aqui outra ali para que o rapaz demorasse mais no local
de trabalho. Com isso, imaginava ela, aumentava as possibilidades de ficar mais
próxima ao rapaz sem que os demais servidores presenciassem, pois seria o fim
que soubessem estar ela apaixonada por um, digamos assim, serviçal. O rapaz,
por outro lado, logo se apercebeu qual era a da sua “chefa”. Pensava ele: “ela me massacra me mandando
fazer tudo e até fora do meu horário de trabalho, mas eu vou dar um troco nessa
puta pra ela aprender”... E não demorou muito. Certo dia no final do
expediente, eis que Fafá suja um ambiente limpo só para ver o rapaz fazer tudo
novamente. Ele foi lá e limpou. Ela novamente sujou. Quando ele estava no meio
da terceira limpeza inventada por Fafá ela entra na sala e diz que vai embora,
mas quer que no dia seguinte tudo esteja um “brinco”. Bateu a porta e nem
sequer deu até logo ao pobre rapaz. Já tinha passado das seis da tarde e o
prédio estava meio vazio. Os elevadores já velhos sempre enguiçavam e foi aí
que o simplório rapaz fez sua vingança “malígrina”: sua chefa ficou presa no
elevador! Atonita, Fafá ligou a sirena do elevador, mas já não tinha mais
ninguém da guarda do prédio por perto para socorrê-la. Imediatamente ela se
lembrou de que seu “algoz” estava lá, coitado, retrabalhando a seu mando e sob
suas ordens. Ligou pra ele pelo telefone convencional e foi logo dizendo:
“venha até o oitavo andar e tente abrir a porta do elevador que eu estou
presa”... – Quem está falando, perguntou o rapaz. – Sou eu, sua chefa, tá
esquecido? – Que chefa? – Eu estou lhe dando uma ordem, você não está
entendendo? – Tô, mas não vou não senhora. Agora quem vai lhe dar as ordens sou
eu: fique aí quietinha. Deite e durma tranquilamente que amanhã, assim que eu
chegar chamarei a segurança para lhe tirar daí, pois não sou pago para ser
bombeiro nem socorrista de madame metida a bosta. Fafá entrou em desespero.
Gritou o quanto pode, mas nada pode fazer, pois nessa época não havia celular e
ela ficou presinha da silva no elevador. Passou a noite toda até que no dia
seguinte a guarda do prédio quando percebeu foi lá e a soltou. Ela pegou um
táxi e foi pra casa se recuperar da lição. O empregado da limpeza foi a sua
firma e pediu para ser transferido daquela instituição pública.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 17/06/2013
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