Por Diretor Presidente (*)
Estamos nos arredores de um novo 7 de setembro. Data
nacional ou data máxima de nossa nacionalidade. A História desta data assim nos
é contada: Em 7 de Setembro de 1822, ao voltar de Santos, parado às margens do
riacho Ipiranga, D. Pedro recebeu uma carta com ordens de seu pai para que
voltasse para Portugal, se submetendo ao rei e às Cortes. Vieram juntas outras
duas cartas, uma de José Bonifácio, que aconselhava D. Pedro a romper com
Portugal, e a outra da esposa, Maria Leopoldina de Áustria, apoiando a decisão
do ministro e advertindo: "O pomo está maduro, colhe-o já, senão
apodrece". Impelido pelas circunstâncias, D. Pedro pronunciou a famosa
frase "Independência ou Morte!",
rompendo os laços de união política com Portugal. Simples assim. E, hoje, não
quero contestar História nenhuma. Sei que outras versões existem e podem até
serem verdadeiras, no entanto, esta é a que serve ao nosso propósito para a
estória que vou contar.
Passei muitos “7 de
setembros” em Bom Conselho e uns tantos desfilando garbosamente pelo
Ginásio São Geraldo. Era, quase sempre, da última fila do meu pelotão, pela
minha pequena estatura. E por isso mesmo, o mais visado por Leninho, quando nos
ensaios para o grande desfile, me dava calços numa das pernas e dizia, como ar
de raiva:
- Acerta o passo!!!
Eu ficava fulo da vida com isto, não pelo calço que era bem
de leve, mas por saber que não estava com o passo errado, quem estava era o
Marcos Presideu, que era meu vizinho de fila, e, às vezes o Elion, aqueles sim,
não acertavam o passo. E Leninho continuava:
- Pé direito na batida
do bombo!!! Não quero erros no dia!
Hoje penso. Será que eu estaria mesmo com o passo errado? Vêem-me
pensamentos estranhos e divago sobre o que acontece quando achamos que estamos
certos quando todos dizem que estamos errados. Uma coisa posso responder com
certeza, quando pensamos assim, nunca seremos eleitos para nada onde as outras
pessoas votem. Numa Democracia é assim. A maioria decide e está certa por
definição. Mas, nos ensaios era só Leninho que dizia que eu estava com o passo
errado. Quando eu o seguia e mudava o passo, aí sim, eu sabia que estava
errado. Seguir o Leninho ou continuar com minhas convicções? Eis a questão.
Continuei marchando errado e por isso nunca fui promovido a divisor de pelotão,
nem toquei na banda. Como alguém, que não acertava nem o passo, podia tocar na
banda? Passemos adiante antes que alguém me pergunte se eu sou contra ou a
favor do programa Bolsa Família.
Num determinado ano, não sei precisar bem porque, houve um
surto de nacionalismo e brasilidade relacionado ao desfile de 7 de setembro.
Eu, que não sabia nem marchar direito, só ouvia os bochichos. O Colégio N. S. do
Bom Conselho e o Ginásio São Geraldo entraram numa verdadeira guerra para
mostrar quem era o melhor no desfile. Estes dois estabelecimentos de ensino,
tradicionais de nossa terra, queriam realmente mostrar o que era nossa
independência, sua importância para todos nós. Do lado das freiras e do Colégio
não sei bem o que falavam. No lado do Ginásio era o assunto que dominava a hora
do recreio, além do arroz doce vendido por seu Abdon e do quebra-queixo de seu
Sebastião.
Havia ensaios secretos da Banda Marcial, que não eram tão
secretos assim, pois eu a acompanhava até perto da fazenda de seu Zé Eudócio.
Formas de batidas diferentes, as famosas variações que hoje me lembram as “paradinhas” das Escolas de Samba do Rio
de Janeiro. Não que esteja comparando a nossa banda com as baterias de samba, a
nossa era muito melhor. Na calçada do Tiro de Guerra não se falava de outra
coisa, além dos acertos de brigas, quem brigou, quem não brigou, quem correu e
quem não correu. Uns diziam, eu acho que foi Ponta Baixa e outros diziam eu
acho que foi Balinho. Quem não lembra do Tiro de Guerra não estudou no Ginásio,
ou era mulher.
Lembro, um dia antes do desfile, um dos assuntos era o
boato, que depois se tornou verdade de que, haveria uma baliza à frente da
banda e que seria Marluse Urquiza. O que não se tornou verdade foi a
coscuvilhice de que ela ia fazer suas evoluções somente de “roupas íntimas”, hoje seria de biquine,
naquela época nunca ouvi esta palavra. Imaginem o tamanho da nossa ansiedade e
especulações pueris. Sonhos, só sonhos iguais ao que tivemos quando me
avisaram, e isto não tem nada a ver com o 7 de setembro, que havia algumas
moças tomando banho de maiô no Açude da Nação. Nunca corri tanto, mas cheguei
já no fim do banho.
Havia até as notícias plantadas por uns para despistar os
outros. Ocultação de Alegorias. Despistamento sobre os ensaios e muitos, muitos
ensaios. Ensaios do Colégio eu não perdia um. Embora meu interesse era muito
mais olhar as meninas do que olhar como estavam desfilando. Assim apareciam as paixões
abençoadas pelo anjinho que balançava a cabeça na entrada do Colégio ou logo
mais abaixo por São Benedito. Onde estará São Benedito?
Finalmente, chegou o grande dia. Antes de vestir a farda
minha mãe me fez ir buscar um sapato novo que encomendara a seu Firmino, na
ladeira do corredor. Fui, peguei o sapato e minha mãe me produziu todo. Mesmo
sendo último do pelotão, ela queria me ver garboso no desfile. Desci para o
Ginásio, lembro só seu Gabriel que estava na loja, e somente uma porta estava
aberta. Uni-me ao cortejo, na frente do Ginásio, tocou a banda e marchamos em
direção ao quadro, em frente da Prefeitura. Não sei se marchei certo ou errado,
Leninho neste dia, tinha mais o que fazer. Cheguei lá, apesar do sofrimento com
o sapato novo e apertado.
Neste ano houve mais uma novidade que não me esqueço.
Colocaram o Pedro Ivo, filho do professor Gilvan num cavalo, vestido como D.
Pedro I. Era o máximo de realismo na encenação que, além das bandeiras e outras
alegorias mostravam o tamanho de nosso amor à pátria. Em frente da prefeitura,
depois dos toques de clarim e todos perfilados, chegara a hora do Hino Nacional
e hasteamento da Bandeira. Foi aí que se viu uma cena inusitada, e provocada
por aqueles que “não” treinaram bem o
cavalo de D. Pedro. O animal, ciente de sua beleza e importância naquele
momento, simplesmente levantou a cauda, houve um distendimento de alguns
músculos em sua traseira e bolas verdes-oliva desceram mansamente sobre o
calçamento, se empilhando, devido à sua consistência pastosa, em frente da
Prefeitura, quase aos pés de algumas autoridades. Alguns culparam o cavalo. Eu
apenas sorri. Hoje, culpo D. Pedro I. Quem mandou declarar a Independência do
Brasil do lombo de um cavalo? Tenho certeza que naquela época o cavalo dele fez
o mesmo gesto. O nosso estava apenas, realisticamente, representando bem o seu
papel.
Faz algum tempo que não vou a Bom Conselho num 7 de
setembro. Em alguns que fui, não vi mais, nem cavalos nem bolas verdes. Hoje,
muitos não estarão mais lá. Porque estão longe, noutros lugares, ou muito
longe, do outro lado da vida. Resta a saudade e a lembrança dos calços de
Leninho. E eu, ainda continuo com o passo errado. Embora procurando acertá-lo.
Tentando fazer isto, fui ver a programação do 7 de setembro para este ano,
divulgada pela nossa Prefeitura, em seu site.
Realmente, mudou tudo. Os desfiles duram uma semana. Todos
os distritos desfilam. Muitas escolas e muitas escolas. O Colégio N. S. do Bom
Conselho ainda está lá no desfile do 7 de setembro. Mas, não encontrei o
Ginásio São Geraldo. O que posso concluir? Não há mais guerras cívicas, ensaios
escondidos, surpresas que a multidão aplaudia e formava torcidas organizadas,
nem variações e “paradinhas”. O
Colégio venceu, mas todos nós, saudosistas empedernidos, perdemos todos. Vi que
a Escola São Geraldo vai desfilar no dia 13, junto com as Forças Armadas. Será
que ainda existe o cavalo de D. Pedro? Pelo menos teremos quem limpe as bolas
verdes-oliva. Independência ou Morte!
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(*) Como o Dia da Pátria é importante ao ponto de nos fazer
não ter tempo de escrever sobre ele, resolvi publicar um texto que encontrei de
Diretor Presidente, no Blog da CIT de 7 anos atrás, que relembra fatos da nossa
juventude em Bom Conselho. E Viva o Brasil! (Zé Carlos)
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