Doby em seu local preferido |
Numa das minhas caminhadas matinais, conheci o Doby. Um
cachorro vira-lata, cotó e até malcheiroso. A primeira reação minha, acostumado
a ver o Nick e sua turma, todos asseadinhos, limpinhos e fofinhos, foi
perguntar se na casa dele não havia água. Contive-me e não me arrependi, depois
de conversar com ele, e ver que não se deve julgar os cachorros somente pela
sua aparência, mas, pelo seu caráter. Pensei logo outra vez no Cachorro de
Botas, o Nick, desprovido totalmente de caráter, me dizendo ao pé do ouvido:
- Zé Carlos, de que
vale um bom caráter dentro de um saco de lixo?!
Fiquei só pensativo sobre como me dirigir ao Doby porque ele
costuma ficar no topo do escorrego para crianças, apenas observando as
palestras do Nick, e de vez em quando balançando a cabeça com ar de reprovação.
Só esta sua atitude reprovativa das ideias do Nick já me fazia ter alguma
simpatia pelo Doby. E esta empatia com ele só aumentou quando um amigo do Nick
me disse ter sido ele muito amigo do cachorro do Marcos Freire, cujo dono eu
conheci como professor. Talvez, venha daí o seu bom caráter.
Resolvi então me aproximar do Doby, que vive sem nenhuma
coleira e não sei nem quem é o seu dono, e começar a falar sobre amenidades.
Aproximei-me e quando vi seu olhar e seu rabo cotó balançando fiquei confiante
e seguro de que seríamos bons amigos. Alguns dizem que “quem se junta com porcos farelo come”, o que é um absurdo para esta
época de ração para todos. Se alguém me disser, com certeza, o que estamos
comendo ao ingerir uma salsicha ou uma ração para cachorros, eu dou a mão à
palmatória. Enquanto isto não acontece, fico mais amigos do cachorros, porque
já tive muitos amigos que não chegavam nem às patas deles.
- Olá Doby, muito
prazer! Está sozinho hoje?
- Caro Zé Carlos, eu
sempre estou sozinho mesmo quando estou acompanhado. Aliás, isto se aplica a
todos, cachorros e humanos. O que vale na vida são nossas ações individuais.
Este negócio de decisões coletivas é coisa de cachorro sem noção ou com um
tremendo mau-caráter. A vida é só nossa e o que acontece com ela é uma
consequência direta do que fazemos, mesmo que estejamos no meio de uma
multidão.
Eu fiquei estupefato com a linguagem e com o porte altivo do
Doby, mesmo sem prestar atenção na filosofia que estava por traz de sua fala. E
até agora estou pensando se o Nick estava certo ou não, quando defendia tanto
as decisões em grupo, de preferência, com más intenções. Insisti, querendo
pescar mais pensamento canino daquele cachorro quase sem rabo, que se aproxima
tanto de alguns raciocínios humanos.
- Doby, quando falo
sozinho me refiro que hoje não há nenhum outro cachorro na praça!
- Eu entendi, Zé
Carlos, eu entendi. Apenas quis logo apresentar meu pensamento em relação ao
que ouço nas palestras do Nick, e que agora tem tantos seguidores, e parece,
inclusive até você.
- Calma Doby, eu não
concordo com tudo que ele diz. Apenas não quero ser indelicado pois não sou um
cachorro, e não quero interferir no papo de vocês.
- Quer dizer, meu
caro, que você nos acha seres inferiores, porque somos cachorros?! Não me
responda sim, porque assim minha decepção seria muito grande.
- Claro que não, Doby,
o que penso é que “cada ser vivente em seu galho”. Não tenho preconceitos
contra cachorros, macacos ou outro bicho qualquer. Apenas temos vidas sociais
diferentes.
- Aí é que você se
engana. Nossas vidas e a de vocês não são tão diferentes assim. O que ocorre é
que a imaginação humana ainda é muito pobre para captar a riqueza de nossa vida
animal. Quando aparece um humano com alguma imaginação neste sentido, e nos
apresenta como gente, vocês dizem a suas crianças que somos desenho animado.
Isto é cruel para nós. Há alguém mais humano do que o Pluto? Grande parte das
crianças de vocês têm seu caráter formado a partir das aventuras do Pluto, do
Pato Donald, do Mickey Mouse, e tantos outros animais americanos. Infelizmente,
o que temos de animais heróis nacionais são muito poucos e da espécie da Mula
Sem Cabeça. E vocês reclamam que as crianças depois ficam pensando como os
americanos! Não que eu discorde dos americanos e da vida dos cachorros deles. E
nem posso discordar. Desde pequeno somos criados com ração, que é uma invenção
americana, assim como o osso de borracha, que são nossa Disney.
- Nossa Doby, você
parece até irritado. Eu gosto dos animais e os respeito muito.
- Talvez você o faça
Zé Carlos, mas, não podemos garantir isto de outros humanos. Eu diria que você
é um bom animal humano. Retomo agora ao assunto da solidão do ponto de vista
animal. Quando a gente vê um cachorro sozinho pela rua, como você me viu agora,
diz logo que é um cachorro vadio, doido ou doente. Isto nem sempre é verdade.
Minha solidão é uma opção. Mas, nem sempre o é para todos. E isto não quer
dizer que vivo sozinho todo tempo. Apenas que a opção de viver solitariamente
também aumenta nossas chances de fazer amizade por mais contraditório que isto
pareça. E, no fundo não podemos fugir disto. A sociedade não existe, o povo
canino não existe, o que existe são cachorros de carne, osso e rabo, mesmo que
cotó como eu, o que já é fruto da maldade humana conosco. Tenho muitos amigos,
e que pensam muito diferente de mim, e isto é bom porque tenho minha vida e
eles têm a dele. Por isso não sou muito fã do Nick, seu amigo, quando ele quer
envolver os outros dentro de sua ideologia de que todos temos que ser iguais e
de preferência tão mau-caráter quanto ele.
- Doby, gostei muita da
conversa, mas, agora tenho que ir, e nem posso discutir este complexo assunto.
Só pergunto mais uma coisa: Você tem amigos na política?
- Claro que tenho. E
eles são de quase todos os partidos. Por exemplo, ontem recebi um telefonema do
cachorro do Lula, o Pau-de-arara, que estava em Portugal. Está
constrangidíssimo com o dono, por uma declaração que ele fez na TV de que o
julgamento do mensalão foi 80% político e 20% técnico. Você sabe o que isto
significa, não sabe? Ele me disse que seu dono pode até nem voltar para o
Brasil. A reação está sendo enorme. Os cachorros do Gilmar Mendes, do Marco
Aurélio e do Joaquim Barbosa, não param de latir, eu li hoje, ali na banca de
revista. Eu sei que Pau-de-arara nunca foi cachorro que se cheirasse, mas,
quando ele fica com medo é porque a coisa está feia para o lado do dono. Ele
não quer mais nem ouvir falar da cadela da Dilma, com quem teve um affaire por
mais de 12 anos.
- Ok, Doby agora tenho
que ir mesmo. Depois conversaremos mais.
E me retirei, impressionado com a fluência do Doby e
querendo vê-lo numa palestra do Nick, como debatedor. Teremos pelos e mordidas
para todo lado, principalmente se o Popó e o Dudu, também comparecerem.
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