Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho
O ônibus estava lotadíssimo. Gente em pé se equilibrando a
cada marcha dada pelo motorista. Reclamações, xingamento, pedidos de desculpas,
acontecia. Sentou-se ao meu lado uma senhora gorda que tomou todo assento me
espremendo contra a lataria do ônibus. Ajeitou-se, tomou a sua bolsa e colocou
no colo e disse: Sabe de onde eu venho? Claro que não, respondi. Pois é meu
caro passei o dia todinho embrulhada com a regularização de documentos em
cartório, pela morte do meu marido, Marcelo, que faleceu nesta madrugada. Estou
correndo feita barata tonta, desde logo cedinho. Manda tirar Xerox dos documentos
dele, identidade, CPF, o diabo a quatro. E lá estou eu feito uma desmiolada
correndo de um lado para outro. Meu marido se sentiu mal nesta madrugada,
pensei que fosse coisa atoa, pois este caso já acontecera anteriormente e
levado para o hospital apenas recomendação medica. Se cuide. Ande, faça algum
exercício. Não ligava para conselho médico nem do meu. Quando lembrava a ele,
dizia – se meta com a sua vida, deixe a minha. Sou maior de idade e sei me
cuidar! Fumava demais. Duas carteiras diárias. A casa esta impregnada do cheiro
(fedor) da nicotina do cigarro. A bebida
deixou um pouco mais quando bebia era coisa pra cinema, dançava, gesticulava,
deitava-se e ali dormia. Aposentado, pela manhã a ressaca era terrível. Dor de
cabeça. Cansaço. Tomava dois Sonrisal e deitava novamente. Lá para o meio dia,
levantava-se. Ia a geladeira tirava uma cerveja ou tomava uma dose de uísque e
dizia – é para acalmar os nervos. Não adiantava conselho. Cansei meu caro, de dizer a ele para deixar o
vicio, pois a idade já não combinava com aquele exagero. Mas, qual? Dizia – vou
morrer de qualquer jeito então vou aproveitar a vida. Tinha sessenta e cinco
anos. Podia viver mais, mas não quis e agora estou nesta encrenca de arranjar
documentos para o seu sepultamento. O atestado de óbito ainda não saiu. Deve
sair lá para o fim da tarde. Meu caro sabe, não gosto de ver defunto. Não gosto
de cemitério, isto desde pequena. A vez que fui a um sepultamento foi de minha
mãe e do meu pai e de lá para cá não mais pisei no campo santo, como diz os
mais velhos. Fui até o velório em Santo Amaro, mas não passei uma hora, pois,
uma agonia tomou conta de min. Ali estava inerte o Marcelo, mãos cruzadas com
um terço marrom entre os dedos, colocados pelo seu filho Manoel, Olhos
fechados, semblante sereno, como já estivesse preparado para aquele momento. A
aliança de ouro tirei do seu dedo antes do sepultamento, esta aqui comigo.
Mostrou. Quatro velas rodeava o caixão ornamentado com flores branco, como se
fosse virgem. Alguns familiares ali estavam, ora conversando outros sentados. Alguns
faziam anos que não nos visitavam, mais na hora da morte ali estavam para
justificar a sua ausência enquanto vida. Depois da morte o que valia? Diga? Lá
estava eu calado. Mesmo sem querer ouvia aquele lamento. O que mais me admirou
nesta manhã lá no velório, disse a gorda senhora, foi o Otavio, um irmão que
nada valia, pois era arredio em brigara por uma herança. Você morre torna-se
bom. As virtudes aparecem, de repente. Os erros cometidos são escondidos ou mesmo
ignorados. Eu não! Marcelo foi um homem muito bom, porem, tinha os seus
defeitos como todos nós temos. Gostava da farra. Gostava da noite. Gostava dos
bares. Muitas vezes chegou à casa bêbado. Quantas e quantas vezes isso
aconteceu. Centenas, nestes trinta e cinco anos de casado. Pois é meu caro até
para morrer se paga e o valor cobrado estão os “olhos da cara”. A funerária não brinca em serviço. Cobra e
cobra mesmo, não quer saber se se tem o dinheiro ou não. A família que se vire
para pagar ou então enterrasse com indigente. Mas, nesta hora aparece dinheiro,
toma-se empréstimo, mais o defunto é enterrado decentemente, pois caso
contrario a viúva é a próxima, pois os comentários de amigos e vizinho e da
própria família são horríveis. O ônibus deslizava pela Avenida Carlos de Lima Cavalcanti, parando ali e acola. Descia e subia
gente no coletivo e já diminuíra os passageiros dando uma folga aos que ali se
encontravam. Ao chegar à Avenida Fagundes Varela, a senhora pediu parada e
desceu, antes pedindo desculpas para o “seu moço” por ter me alugado durante a
viagem, com coisa que não me dizia a respeito. Até logo, disse. E, eu disse
para mim - Descanse em Paz, Marcelo!
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