Por Carlos Sena (*)
O Conselho Federal de Medicina -
CFM, desde que o governo tenta resolver o problema da falta de médico, tem se
pronunciado feito a cantiga da perua: “é de pior a pior”, ou seja, nada agrada
ao conselho nesse quesito. Porque qualquer coisa que venha mexer nesse feudo em
que se constituiu a medicina no Brasil não será do agrado desse órgão
classista. Até é compreensível esse papel do CFM, porque, afinal, ele existe
pra isso mesmo. Ou não? O que não se consegue entender nessa discussão é que se
quer fazer a população engolir de goela abaixo que temos médicos de sobra. Mentira.
Não só o conselho sabe disto como também os sindicatos e os próprios médicos e
estudantes, porque de uma coisa temos que reconhecer: a categoria pode até ser
metida a “deus”, pode até cometer sérios erros de diagnóstico e de prática
(como em toda profissão), mas que não tem ninguém burro nem bobo muito menos
ingênuo isso não tem. O grande problema de boa parte dos médicos está na
história do médico e da medicina que sempre foi coisa de elite profissional em
que pelo fato de se formar médico já se concedia aos postulantes a pecha de
melhor que os outros, de mais brilhantes, de mais perto de “deus” do que os
outros pobres que, por diversos motivos, inclusive de vocação não optaram por
ser médico. Claro que um bom médico tem tudo para ser mesmo confundido pelos
menos imiscuídos na categoria, algo como “divino e maravilhoso”. Pasmem: eu
também acho isso, porque não é fácil você chegar meio morto e ser, literalmente
salvo por um médico atencioso, discreto, competente e que não tenha dentro de
si o sentimento mercantilista tão comum em boa parte de jovens médicos.
Talvez o que esteja engasgando o
conselho e boa parte dos médicos seja mesmo o sentimento de que o governo está
do lado dos pacientes sem ficar contra os médicos; que a população está
compreendendo que esse mesmo governo não está jogando para a plateia. Porque o
discurso das condições precárias da rede é furado, considerando que o foco
maior não é na média nem na alta complexidade, mas na atenção básica à saúde –
essa que tem condições de evitar que crianças morram de desnutrição, de
diarreia, de verminoses, e assemelhados. E as condições de se fazer boa
medicina nessa atenção básica não são coisas de tecnologia sofisticada, como se
quer passar para a população. O Conselho e seus associados não dizem que o
governo está gastando bilhões de reais recuperando as UBS – unidades básicas de
saúde; não diz também que os médicos do exterior só virão se os nossos não
completarem as vagas em regiões pobres deste país e de alta vulnerabilidade
social; não diz também que a entrada dos médicos que quiserem vir está
totalmente monitorada pelas universidades e que quem vier terá que cumprir um
ritual de formalidades, inclusive aprendendo noções básicas de português e
ainda fazendo um curso de especialização como condição para isto, dentre
outros. Mas, mesmo que o governo ofereça o céu, a categoria iria querer outro
céu e, certamente, o inferno que é ver o nosso povo morrendo por fata de
atenção lá nas nossas “brenhas” seria o nosso quinhão na condição de mortais
que somos – diferente deles (médicos) que se iludem pensando que são
divindades.
Já está definido: o governo não
abrirá mão de sua politica ousada de mudar o perfil epidemiológico das nossas
regiões que ainda hoje seus habitantes vivem morrendo de doenças que o mundo
civilizado já se livrou delas. Afinal, se “todo artista tem que ir onde o povo
está”, por que os médicos não poderão ir onde os doentes estão? Porque o
juramento de Hipócrates de há muito já desceu pelo ralo, mas o sentimento de
salvar vidas é o único preceito vivo que deve nortear essa profissão belíssima
tão minada em seus princípios pelo mercantilismo da sociedade de consumo.
Concluo essa prosa eivada de
sentimento cidadão e distante de partidarismos politico-ideológicos. Porque
quando entra em cena a vida de pessoas, tripudiar em cima delas é desconhecer
que um dia o jogo pode virar e um médico ser vitima de seus próprios colegas
que, não raro, só vêm grana, bufunfa, dinheiro, arame, ou que nome tenha.
Repito: há inúmeras exceções, inclusive de conterrâneos-irmãos que se portam
como médicos vocacionados sem abrir mão de uma recompensa financeira à altura
dos seus talentos... E, finalmente, não nutro nenhum despeito porque não sou
médico, Na minha área de conhecimento me firmei financeira e tecnicamente, sem
perder o sentimento do mundo e de amor aos que a sorte lhes deu o desatino de
nascer miserável nesse país tão desigual. Concluo: o Revalida deveria ser para
todos os médicos tal qual a OAB faz com os advogados. Se isso um dia acontecer,
então a porca vai torcer o rabo, porque eu já soube de relato de médico
receitando remédio para escabiose via oral e se não fosse o farmacêutico o
paciente tinha morrido, dentre outros casos que por aí ficam na clandestinidade
da informação...
PS.: Há medicação para escabiose
via oral, mas não foi o caso... Eu mesmo inclusive já fui receitado por um
médico que passou uma medicação que já estava fora do mercado há anos. Mas,
também já fui a médicos primorosos, atenciosos e competentes. Por isso, nesta
hora, calma nunca será demais.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 09/07/2013
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