“Lula exige
‘coragem de mamar em onça’ do STF
POR JOSÉ
NÊUMANNE
Ao manter as
condenações de Lula na primeira instância, pelo ex-chefe da Lava Jato, Sergio
Moro, e no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, a
Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou de uma vez algumas
lorotas petistas. A decisão mais importante, adotada por unanimidade por oito
julgadores – o juiz do primeiro grau, os três da turma do segundo e quatro da
do terceiro –, 8 a 0, como lembrou o Estado em editorial publicado sexta-feira
25 de abril, fecha o veredicto: ele é corrupto e lavador de dinheiro. Ou seja,
o presidiário mais famoso do País está a milhões de anos-luz de poder se proclamar
o mais inocente dos brasileiros. Para chegar a essa conclusão, o penúltimo
destino dos recursos de sua defesa considerou haver provas que destroem tal
falácia. Os representantes do criminoso também propiciaram aos ministros
inocentar o primeiro julgador da pecha de parcial.
No entanto, a
mesma decisão produziu outra, esta inédita no relato dos julgamentos da turma:
conhecida como “câmara de gás” do pináculo judicial, ela não tem o hábito de
reduzir – como o fez – penas dos níveis anteriores do Judiciário. A mudança da
“dosimetria” da pena foi um ponto radicalmente fora da curva da rotina do
tribunal. No primeiro grau o petista foi condenado a nove anos e meio e no
segundo a 12 anos e um mês. O terceiro fixou em oito anos, dez meses e 20 dias.
Tal diminuição de 26% permitirá ao réu pedir para sair do regime fechado para o
semiaberto, no qual ele seria autorizado a trabalhar durante os dias úteis e
passar as noites, os fins de semana e feriados confinado numa prisão. Em
teoria. Na prática, se Lula não for condenado pelo TRF-4, pela segunda vez em
segunda instância, poderá responder aos outros seis processos criminais, quatro
em Brasília, um em Curitiba e outro em São Paulo, livre, leve e solto. Embora
nunca tenha frequentado um presídio de verdade neste ano e quase um mês de pena
cumprida, ninguém negará que seria um alívio poder dormir em casa.
O ex-ministro da
Justiça Miguel Reale Júnior, componente do trio que preparou a acusação que
levou ao impeachment de Dilma Rousseff, explicou, em entrevista ao Blog do
Nêumanne: “O regime semiaberto deixou de ser aplicado, como preveem o Código
Penal e a Lei de Execução Penal, pois, por incúria da administração, não há
presídios semiabertos, como colônias agrícolas ou agroindustriais, sendo
cumprida a pena como se fosse prisão albergue. Mas na falta de presídios
semiabertos, a única forma é aplicar o sistema aberto”.
Essa perspectiva
abre a brecha para discutir não apenas o abrandamento do “gás” empregado pela
“câmara” na pena, mas também uma eventual combinação prévia desta.
A unanimidade
dos quatro ministros da turma ao reduzir, exatamente na mesma medida, a pena de
Lula no processo do triplex teria sido acertada por meses pelo relator Felix
Fischer, segundo Carolina Brígido, no Globo. O relator tem negado repetidas
vezes em decisões monocráticas recursos da defesa do senhor réu, mas percebeu
que três colegas queriam diminuir a punição, e no caso, se ficasse vencido no
julgamento, perderia a relatoria não só do processo do ex-presidente, mas de
toda a Lava Jato no STJ, conforme o regimento da Corte.
Relatou ainda a
colega: “Nos bastidores, as conversas de integrantes da Quinta Turma entre si,
e também com ministros do STF, levaram meses. Outro ponto que teria pesado na
decisão de Fischer seria o fato de que uma decisão unânime da turma
fortaleceria o tribunal, porque ficaria para o público a imagem de uma corte
harmoniosa em relação a um tema tão controvertido”. Completando o quadro, no
Supremo Tribunal Federal (STF), ao qual certamente recorrerá, Lula tem chance
de reduzir mais a pena se os ministros eliminarem o crime de lavagem de
dinheiro da condenação, roteiro inspirado em precedentes.
Uma rápida
consulta ao noticiário da época poderá ser útil para lembrar que, em formação
anterior, o mesmo tribunal reduziu penas de petistas condenados no mensalão. A
“fala do trono”, publicada sábado com destaque pelos jornais Folha de S.Paulo e
El País, por mercê de Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, contra despacho de
outro ministro, Luiz Fux, pode também levar a uma consulta aos arquivos.
Comemorando seu
feito profissional, o representante do jornal espanhol, Florestan Fernandes
Júnior, registrou em post no Twitter que “nem a gaiola em que foi trancado fez
a ‘águia’ do sertão pernambucano perder seu esplendor”. Talvez a definição
fosse mais precisa para se referir ao teor de telefonema de Lula à então ainda
presidente Dilma em 4 de março de 2016, e levado a conhecimento público 12 dias
depois, quando ele afirmou a respeito do tribunal que acaba de julgá-lo e do
outro ao qual recorrerá: “Nós temos uma Suprema Corte totalmente acovardada,
nós temos um Superior Tribunal de Justiça totalmente acovardado”.
Mas, três anos
depois, o senhor réu tem bons motivos para se agarrar à esperança de ter
perdoado pelo “Pretório Excelso” o que precisar que seja para voltar para casa.
E descobriu no passado do STF provas de coragem que relatou, após enfrentar
galhardamente o “rígido esquema de segurança” e ter dado “forte abraço” em
Florestan e Mônica Bergamo: “O STF já tomou decisão muito importante. Essa
Corte votou, por exemplo, células-tronco, contra boa parte da Igreja Católica.
Já votou a questão Raposa-Serra do Sol contra os poderosos do arroz no Estado
de Roraima. Essa mesma corte votou união civil contra todo o preconceito
evangélico. Essa corte votou as cotas para que os negros pudessem entrar. Ela
já demonstrou que teve coragem e se comportou”.
Publicado o recado,
resta-lhe esperar que os ministros, do qual o PT nomeou sete, tenham coragem. A
palavra é essa mesmo. “Coragem de mamar em onça”, diria meu avô.”
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