“Suspeitos do
Centrão é que mandam no Brasil
POR JOSÉ
NÊUMANNE
Nestes últimos
dias, nossa insana República, proclamada num golpe militar por um marechal
enfermo, tem dado exemplos em que cada um dos três Poderes atropela o princípio
da autonomia, invadindo e deixando-se invadir, ao contrário do que previa o
velho Montesquieu. Este ambiente de confusão e anarquia causa uma situação de
anomia e desarmonia que debilita as instituições no que elas têm de mais
relevante: as próprias prerrogativas.
O Executivo, sob
comando de Jair Bolsonaro, tem sido a maior vítima desse estado anômalo de
coisas, mas não deixou também de invadir seara alheia sem mostrar cerimônia nem
pedir anuência do Legislativo ou do Judiciário. Ao dar, por exemplo, licença
para matar a proprietários rurais a pretexto de evitarem invasões ilegais de
suas terras, o chefe do governo transferiu para ruralista que se sentir
agredido poderes de policial, dispensando-se de inquérito por homicídio, de
promotor, declarando-se inimputável, de juiz, absolvendo-se, e de carrasco num
país cujo ordenamento jurídico não prevê pena de morte.
Ao anunciar um
pacote de flexibilização do porte de armas para 19 categorias profissionais,
atendendo não a um clamor social, mas a reivindicações de campanha de uma elite
com poder aquisitivo para adquiri-las, o mesmo Bolsonaro deu vazão a
reclamações que podem levar a ações na Justiça.
Mas antes de
tais processos serem julgados no ritmo de cágado de nossas ações judiciais, o
Judiciário assumiu o papel de moderador, que era do imperador e na República se
foi tornando uma espécie de herança fidalga para os togados de nosso Supremo
Tribunal Federal (STF). A pretexto de suprir omissões do Congresso, o STF
interfere em temas que não são de sua alçada, mas dos legisladores. Os 11
membros do “pretório excelso” chegam a absurdos extremos, como o de permitir o
sacrifício de animais em rituais religiosos, em desumano desrespeito à vida dos
irracionais. Com a devida vênia, a impiedosa decisão unânime renega os melhores
instintos de quem se diz racional.
Não se deve
presumir desse exemplo que os legisladores não cometam o mesmo pecado. Nada
disso. Fazem-no muitas vezes e em doses cavalares. Acabamos de ter fartos
exemplos disso nos cinco meses e meio do exercício paralelo da nova
administração federal e do início da atual legislatura. O citado ex-deputado
Bolsonaro é legitimamente presidente da República, eleito por sufrágio de 57
milhões 796 mil e 986 votos no segundo turno. Parte dessa vitória deve ser
atribuída à promessa que ele fez em campanha de reduzir o total de ministérios
existentes. Tão logo foi empossado, encaminhou ao Congresso a Medida Provisória
n.º 870/19 em cumprimento do compromisso.
A medida
provisória (MP) foi adotada para evitar solução de continuidade nas trocas de
governo que são frequentes nos regimes parlamentaristas. O Congresso
constituinte no Brasil, que se encaminhava para a solução da chefia parlamentar
de governo, teve de dar uma guinada de 180 graus para adaptar providências como
essa ao presidencialismo, a que seu plenário foi levado a aderir por pressão do
presidente de então, José Sarney. No presidencialismo de coalizão, adotado pela
Carta de 1988, os presidentes passaram a legislar abusando das MPs, enquanto o
Congresso, que pode aprová-las, rejeitá-las ou deixar que caduquem, recorre aos
“jabutis”. Essa gíria define intromissões indevidas em seus textos.
Embora a
Constituição não proíba tais truques, espera-se que presidentes e parlamentares
consequentes obedeçam, no mínimo, à boa e velha lógica. Na democracia
brasileira, em âmbito federal só o chefe do Executivo e os senadores são
eleitos diretamente pelos cidadãos. Deputados federais são escolhidos pelo
sistema proporcional, que possibilita distorções que ferem a aritmética e a
representação legítima. Sua intromissão na gestão é nociva ao interesse
público.
Esgueirando-se
por esses desvãos institucionais, parlamentares processados, denunciados,
acusados e condenados por crimes de colarinho-branco em operações do Ministério
Público, da Polícia Federal e da Justiça dão as cartas. Bolsonaro “dormiu no
ponto” ao negligenciar a ação de legisladores que infringem leis que eles
próprios aprovaram. Percebe-se a ação de uma quinta-coluna no Palácio do
Planalto e em gabinetes de liderança do governo no Congresso. O chefe da Casa Civil,
Onyx Lorenzoni, é suspeito de usar o mesmo caixa 2 que o ministro da Justiça,
Sergio Moro, quer criminalizar. O senador Fernando Bezerra Coelho, descendente
do primeiro capitão-mandatário da capitania de Pernambuco, ex-ministro de Dilma
e denunciado por seis delatores da Odebrecht, é, na verdade, líder do Senado no
governo.
Nada disso,
contudo, elimina o absurdo da intromissão do Congresso ao desfazer não a
vontade monocrática do presidente, mas o compromisso que ele assumiu com a
cidadania para impedir o desmanche das operações de combate à corrupção e ao
crime organizado. Ao devolver o Comitê de Controle das Atividades Financeiras
(Coaf) da Justiça para a Economia, mesmo que não venha a ter o resultado
esperado pelos artífices da manobra, e, sobretudo, ao impedir a colaboração
entre a Receita e o Ministério Público na investigação de malversação do
dinheiro público, o Legislativo não representa o cidadão. Mas o trai.
O governo é
exercido, de fato, pela troica Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Valdemar Costa
Neto. O presidente da Câmara teve em outubro 74.232 votos (0,96% dos votos
válidos) no Estado do Rio. O do Senado, que perdeu a eleição para governador do
Amapá em 2018, conseguiu 131.695 (36,26% dos votos válidos) em 2014 para
senador. Sem voto, Valdemar, condenado a sete anos de prisão por corrupção
passiva e lavagem de dinheiro no escândalo do mensalão petista, é a eminência
parda do ominoso Centrão, que manda no País. Pode acreditar.”
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