“Um país cansado
Por Ana Carla
Abrão
Manifestações
populares são expressões legítimas da democracia. São também termômetros da
sociedade, indicando preferências da população. O Brasil assistiu a duas
manifestações recentes. Uma motivada pelo contingenciamento de recursos na
educação e outra por uma pauta mais difusa, mas que surpreendentemente acabou
por se firmar como um grito em favor da reforma da Previdência.
Educação é o
grande motor de transformação e o maior instrumento de combate à desigualdade
social. Apesar disso, o tema nunca mobilizou as massas no Brasil, tampouco foi
prioridade absoluta nas ações públicas. A par de ações de pouco efeito prático
como o batismo de “pátria educadora” há alguns anos, as conquistas recentes se
limitam à alocação de volumes crescentes de recursos, mas sem que um avanço
proporcional de qualidade seja observado. Há melhorias a serem celebradas, como
a universalização do acesso e o número médio de anos de escolaridade da nossa
população, que dobrou nos últimos 20 anos. Mas ainda estamos muito longe de
ombrearmo-nos a países pares e nossos níveis de aprendizagem ainda são muito
baixos. Particularmente no ensino básico, a qualidade da educação brasileira
nos coloca no topo dos rankings que medem ineficiência dos gastos, com os
baixos resultados andando com volumes elevados de gastos. Um contrassenso
amplamente documentado por estudos da Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE). Com gastos que equivalem a 6% do PIB, o
Brasil investe em educação mais do que a média dos países desenvolvidos, mas
nossos níveis de aprendizagem estão abaixo dos do Chile ou do México, que
investem bem menos. Há algo errado, portanto, no modelo, na alocação e gestão
dos recursos, nas políticas implantadas e nos seus controles e avaliações, e
nos processos que consomem muito dinheiro público e não geram resultados.
Infelizmente não
foram essas constatações que levaram as pessoas às ruas no último dia 15 de
maio. Motivados pelo tema certo, brasileiros (dentre eles vários estudantes)
empunhavam bandeiras que pouco têm a ver com a realidade da educação brasileira
e em nada ajudarão a melhorá-la. Precisamos priorizar a educação no Brasil. Mas
para que isso aconteça, há que se cobrar que políticas públicas sejam
eficientes e constantemente avaliadas e não defender o desperdício de recursos,
perdidos em projetos desconexos, de baixo impacto e sem controle. Há que se
entender (e questionar) as despesas com pessoal, que consomem quase que a
totalidade dos orçamentos das universidades públicas, não sobrando espaço para
investimentos em pesquisa e desenvolvimento – e possibilitando tragédias como
as do incêndio do Museu Nacional. Melhorar a educação não é gritar contra
contingenciamento de recursos sem também defender o foco na educação básica, na
capacitação de professores e sua devida valorização, desde que acompanhadas de
avaliação de desempenho e remuneração com base no aprendizado do aluno – e não
nas pautas sindicais cujos pleitos ignoram a educação. Há que se defender a
criação de uma nova carreira do magistério, que leve em conta o desenvolvimento
do profissional da educação, remunere e valorize o professor cuja vocação e
esforço estejam voltados ao aluno e o incentive a se capacitar em trilhas de
conhecimento que reverterão em prol do seu desempenho em sala de aula. Mas nada
disso estava lá. Perdemos a oportunidade de, uma vez reunidos em prol da
educação no Brasil, a defendermos de verdade. Faltou entendimento e faltou
informação.
Neste último
domingo, a população voltou às ruas. Em reação à manifestação anterior, o mote
inicial era se posicionar pró-governo e contra o establishment – como se nisso
não houvesse uma contradição. Mas o que se viu, ao fim e ao cabo e descontados
os excessos que já se tornaram norma, foi uma massa de pessoas clamando por
reformas. Em particular aquela que era tratada como a mais impopular de todas,
a reforma da Previdência. Isso não é pouca coisa. Num país em que a
coletividade difusa paga a conta cada vez mais alta dos privilégios daqueles
que abocanham fatias crescentes do Orçamento público, ver o povo se
manifestando a favor da reforma é um sinal claro de que a população se cansou.
Se cansou do desemprego, do desalento, da falta de perspectivas, da
procrastinação. Não se pode mais adiar as pautas prioritárias e continuar a condenar
o País à mediocridade e à pobreza. Chega, estamos todos cansados.”
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