“Bolsonaro,
rápido no gatilho
Por Fernando
Gabeira
Bolsonaro deu um
passeio no lado íntimo, falando de sexo, definindo o que pode ou não pode,
sobre o número de pênis amputados.
Pensei em
comentar o assunto, mas Bolsonaro é tão rápido no gatilho que desatualiza um
cronista semanal. Diz tantas coisas polêmicas que, ao cabo de sete dias,
ninguém se lembra das que abriram a série.
Bolsonaro disse
que o turismo gay deveria ser proibido, por causa das famílias. Os gays
lembraram a ele que não nasceram de chocadeiras, mas são filhos de família.
Os jornais
enfatizaram que o turismo gay cresceu mais que os outros e ele acaba ajudando
lugares arruinados como o Rio.
Bolsonaro disse
que vir transar com a mulher brasileira pode. Recebeu críticas. Afinal, um
presidente não deveria se meter em relações sexuais de adultos, nem para
proibir nem para elogiar.
O que mais me
surpreendeu em Bolsonaro é o fato de ter escolhido o tema e deixado de lado
algo que realmente tem nos preocupado ao longo dos últimos anos: a prostituição
infantil.
Com muitas
campanhas, conseguimos reduzi-la. Já estive documentando isto em Fortaleza. Mas
ainda assim um presidente deveria estar em sintonia com aquilo que realmente
interessa e é fruto de trabalho conjugado de várias instituições.
Sobre o número
de pênis amputados, Bolsonaro afirmou que se perdem por falta de água e sabão.
É um tema que o preocupa pela sua experiência militar, vendo o drama de
soldados pobres.
Mas Bolsonaro
perdeu o ponto, embora água e sabão realmente sejam importantes. Não falou do
saneamento básico, cujo marco legal deveria ser votado ainda neste semestre.
Reacendida a
crise da Venezuela, tudo isso foi esquecido. Bolsonaro disse que a decisão de
intervir militarmente ali seria, em última instância, sua.
Deve ter havido
um ruído na comunicação. Ele mesmo sabe que a última palavra é do Congresso.
Até para enviar tropas ao Haiti, em missão de paz, o Congresso foi consultado.
É a lei.
Essa questão da
Venezuela é muito complicada. Seria interessante um amplo debate. Bolsonaro
destinou mais R$ 240 milhões para atender os refugiados. Creio que a esta
altura já gastamos mais de meio bilhão com o tema.
O quanto não
custaria uma intervenção militar? E quem garante sua eficácia? É grande a
possibilidade de perdemos fortunas com ações militares e, simultaneamente,
gastar mais ainda com os refugiados.
Maduro precisa
cair. Tem de cair. Entre essa certeza e a prática, há uma longa reflexão tática
e estratégica. Bolsonaro talvez não se lembre da invasão da Baía dos Porcos, no
tempo em que Kennedy dirigia os EUA.
O fracasso da
invasão acabou consolidando o poder dos Castro. Maduro anda mal das pernas, mas
quase todas as tentativas precipitadas de derrubá-lo acabam renovando seu
fôlego.
Faz tempo que
não entro na Venezuela porque certamente vão confiscar minha câmera, prender ou
expulsar. Mas creio que uma intervenção armada encontrará vários obstáculos.
A força aérea da
Venezuela tem sido equipada pelos russos. Parte das missões militares russas
pode ser até um gesto político. Mas existe uma base material para afirmar que,
apesar da penúria econômica, seriam um duro adversário.
Milhares de
venezuelanos foram armados pelo governo. Milícias motorizadas, treinadas pelos
cubanos, atuam reprimindo manifestantes. E todo o sistema de inteligência
também foi estruturado pelos castristas.
Essas condições
não tornam impossível uma derrota militar dos bolivarianos. Mas, certamente,
eles podem prolongar a guerra, torná-la mais cara não só em dinheiro, mas em
vidas dos invasores estrangeiros. Estamos preparados para segurar essa onda? Os
próprios americanos que viveram tantas experiências traumáticas topariam uma
aventura desse tipo no começo de um período eleitoral?
Essa tese de que
todas as opções estão sobre a mesa pode ter algum significado psicológico. Mas
uma visão sensata do quadro afasta uma intervenção armada. O que não significa
que a sensatez não possa ser vencida.
Ainda estou para
dar um balanço. Mas creio que o fator crise da Venezuela é isoladamente o que
mais atrasou o Brasil em termos externos nos últimos anos. Não só pelo custo do
fluxo de refugiados, mas pela instabilidade e desconfiança que gera nos
investidores interessados na América do Sul.
Não somos os
atores principais nesse drama. Precisamos apenas reduzir os danos.”
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