“Insurreição e
mito
Por William
Waack
Qualquer que
seja o resultado do que está acontecendo na Venezuela, o “golpe de mão” (como
se dizia antigamente) contra a ditadura chavista lançado na terça-feira por
Guaidó inicialmente carecia de todos os elementos clássicos de ações
semelhantes bem-sucedidas, a saber: surpresa, força e velocidade.
A oposição e
governos que a apoiam diretamente (como Estados Unidos e Brasil, mas não só)
vem “telegrafando” há semanas que pretendem explorar dissidências dentro do
aparato militar para derrubar o tirano Nicolás Maduro. Para uma quartelada dar
certo esse esforço talvez devesse ter sido mais discreto.
“Golpe de mão”
tentado a pedaços desanda em situações de impasse nas quais o controle da
hierarquia militar aliado a grupos paramilitares ganha tempo para o ditador a
ser desalojado – seria um bom retrato do que acontecia até o 1.º de Maio nas
ruas de Caracas. O que leva à questão no fundo essencial, a da força entendida
na acepção primordial.
A oposição até
aqui não dispõe de tropas para enfrentar tropas. Onde a oposição (e os governos
diretamente envolvidos em apoiá-la) julga ter encontrado “força” para um
assalto frontal ao regime bem entrincheirado, como aconteceu no dia 30 de
abril?
As evidências
sugerem que é na convicção da viabilidade de uma insurreição popular alimentada
pela miséria e penúria impostas a milhões de pessoas pelo regime chavista, e
deflagrada pela “faísca” acendida por lideranças políticas com uma mensagem de
esperança no futuro. Ironicamente, isso parece a leitura de panfletos marxistas
sobre a Revolução de Outubro, que propagaram durante décadas o triunfo de uma
insurreição que nunca ocorreu. Pelo jeito, o mito do grande levante popular é
irresistível.
Mitos desse tipo
talvez passem longe do staff de gente como Mike Pompeo, o secretário de Estado
americano que é egresso de West Point e dirigiu a CIA – cujo mais recente
triunfo em manipular personagens empenhados na derrubada de um regime
nacionalista-populista num país grande data de 1953 no Irã (o golpe contra
Mossadegh). Supõe-se também “frieza” na conduta de um diplomata profissional
como John Bolton, assessor de segurança nacional de Trump e especialista em
batalhas verbais na ONU e debates na TV.
Ocorre que, no
fundo, o problema para a ação montada pela Casa Branca para derrubar Maduro vem
de questões estratégicas mais amplas, como a dificuldade (exacerbada por Trump)
de se contrapor a Rússia e China, e a profunda desconfiança em relação à
política externa americana por parte de aliados tradicionais de vários tipos,
como europeus ou a Turquia (“mérito” de Trump). A julgar pelo que disse a
própria Casa Branca, Maduro confia muito em Vladimir Putin e teme bem menos do
que se imaginava as ameaças de embargos e até ação militar de Trump.
A Venezuela
transformada em componente delicado de um jogo geopolítico de grande
abrangência internacional é testemunho da falta de liderança de Trump (Kennedy
e Kruchev se entenderam por cima da cabeça de Fidel Castro em 1962). Agravada,
nesse caso específico, pelo fato de atores regionais de relevância, como o
Brasil, terem perdido exatamente essa relevância frente a vizinhos turbulentos.
Nesse sentido, é
eloquente o contraste entre, de um lado, os “profissionais” com experiência em
crises internacionais, como os generais que integram o governo Jair Bolsonaro.
E, de outro, o voluntarismo de amadores das áreas de política externa e
ideológicas à volta do presidente. Os “profissionais” têm pouco apreço por
soluções improvisadas por motivação político-eleitoral, baseadas em duvidosa
análise da realidade dos fatos e relação de forças. Não se empolgam com Guaidó.
Os amadores adotam parábolas marxistas sobre História.”
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