“Receita para a
revolução
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
Não há saída
para o Brasil sem a arrumação fiscal?
O buraco é mais
embaixo...
Não haverá
arrumação fiscal sem o fim desse regime de escravização de 99,5% do País aos
“direitos adquiridos” dos 0,5% da privilegiatura.
Não há inocentes
na tragédia brasileira. O Sistema não muda porque ninguém está pleiteando que
mude. Ninguém admite perder nada. A divergência que essa polarização burra
traduz circunscreve-se à disputa pelo comando da coisa. Não é o Brasil que está
em discussão. O Brasil é só o prêmio dessa disputa.
Temos quatro
anos pela frente e nada que não provoque calafrios no radar do futuro eleitoral
da Nação. Mesmo considerando a culpa dos Bolsonaros pelos estragos que fazem a
boquirrotice do presidente e as fogueiras ateadas pelos moleques do clã, não se
admitiria que a imprensa atirasse nelas gasolina, em vez de água, nem que
Rodrigo Maia e cia. as recebessem “fazendo beicinho” e “ficando de mal” à custa
de afundar 200 milhões de brasileiros dez andares mais para baixo no inferno se
fosse neles que estivessem pensando.
“O governo
perdeu.” “O governo ganhou.” A imprensa não investiga as estatais nem expõe as
mordomias que nos devoram. Só cobre a disputa de que o Brasil é o prêmio.
Fornece tijolos para Babel. E o País Oficial, se vivesse no território que arrasou,
trataria de consertá-lo com a urgência que nós temos. Como habita um Brasil só
dele onde tudo sobra, pode dar-se o luxo de não ter pressa. A lei, quando não a
própria Constituição com que nos assaltam, manda cortar antes remédio de
criança com câncer e o pescoço da Nação que as lagostas do STF ou os cavalos de
salto dos nossos generais.
A privilegiatura
não está só sufocando o País. Está amputando as pernas de que vamos precisar
para retomar a marcha quando conseguirmos arrancá-la da nossa jugular. O mundo
está cheio de gente com coragem para mudar e de lugar para dinheiro ir. A única
vantagem do Brasil é o tamanho do desastre que nos infligimos. Somos o maior
potencial de upside do mercado. Ninguém fez tanto mal a si mesmo. A China da
hora. Um país inteiro por reconstruir. Os últimos egressos de um socialismo
bandalho. Mas a privilegiatura não quer estrangeiros intrusos que lhe custem
despregar os dentes do osso. E como todo mundo aqui, menos o lúmpen sob o fogo
cruzado, que não tem voz, tem uma tetinha para chamar de sua, a nave vai.
É hora de
encarar a vida adulta. Sangue e barulho tem a dar com pau, mas revolução de
verdade só teve uma na História da Humanidade. A que tomou o poder das mãos das
minorias que, desde que o mundo é mundo, fosse “por ordem de deus”, fosse só
porque “sempre foi assim”, disputavam exclusivamente dentro do círculo de uma
“nobreza” (com suas respectivas “direita” e “esquerda”) o comando do aparato de
exploração da maioria. O instrumento da revolução foi a transferência das mãos
da minoria para as da maioria dos poderes de, a qualquer momento, eleger e
deseleger os seus representantes, contratar e demitir os servidores do Estado,
dar a palavra final sobre as leis sob as quais aceita viver.
Noventa e nove
por cento da literatura política que jaz nas bibliotecas do mundo não vale um
tostão. Não passa de esforços de prestidigitação para dar à maioria a impressão
de que a realidade muda quando muda o discurso da minoria que passa a se apropriar
do resultado do trabalho dela, ou até para convencê-la de que há razões muito
nobres para que ela aquiesça de bom grado nessa expropriação. A que se salva é
a que trata de tornar operacional essa transferência do comando do Sistema da
minoria para a maioria dentro de um contexto de segurança institucional e com
garantia de legitimidade.
Municipais,
estaduais, federais, os distritos eleitorais com um número semelhante de
habitantes (e, portanto, de eleitores) seguem a mesma lógica. Só o censo pode
alterar os seus limites geográficos se e quando for constatada mudança importante
na sua população. E em cada um desses círculos, o eleitor é rei. Ele escolhe o
regime de governo do seu município, ele propõe leis aos seus coeleitores, ele
aceita ou veta, por referendo, as leis “maiores” e “menores” dos seus
legisladores.
A essência da
humanidade não muda com isso. Continua-se a errar como sempre. Mas deixa de
haver compromisso com o “erro”, que é o fundamento de todo privilégio. Tudo o
mais, senão a definição desse modo de operar em seus contornos mínimos e
essenciais, deixa de ser “pétreo” e “imexível”. Cada pessoa, instituição ou lei
passa a estar sujeita a avaliação. Todo erro pode ser corrigido sem hora
marcada e sem pedir licença aos não interessados.
Como é que se
consegue implantar isso? Exigindo. O povo é rei. Consegue tudo o que realmente
quer. O problema é que o brasileiro continua hesitando em deixar de querer a
coisa errada.”
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