“O bolsonarismo
existe
Por Eliane
Cantanhêde
O principal
resultado das manifestações de domingo foi confirmar que a eleição de Jair
Bolsonaro à Presidência não foi só um episódio e que o bolsonarismo vingou.
Ocupou um vácuo político na campanha e se consolida com a rejeição ao que o
próprio presidente chama de “velha política” e os seus filhos e os olavistas
desdenham como “establishment”, mas tem um nome: instituições, à frente os
Poderes da República.
O bolsonarismo
fecha os olhos, os ouvidos e a razão ao despreparo e aos erros crassos de Jair
Bolsonaro em nome de “algo maior”: uma ideologia, o conservadorismo de
costumes, as reformas liberais (que, aliás, vários outros candidatos defendiam)
e o combate ao crime (que eles também pregavam), mas a liga mais poderosa é a
rejeição contra o Congresso, o Supremo, a mídia. Ou seja, o “sistema”.
A economia
derrete, mas o presidente dá prioridade a armas e transforma suas crenças
pessoais em política de Estado, contra a defesa do meio ambiente, as
universidades, as pesquisas, a área de Humanas. E ele rechaça os políticos, mas
dá um excesso de poder nunca visto aos próprios filhos – aliás, políticos, um
deles enrolado com um esquema no Rio que pode ser tudo, menos uma saudável
“nova política”.
Bolsonaro já
derrubou ações da Petrobrás, criou sobressaltos na CEF, assustou a comunidade
internacional, gerou temores na China e no mundo árabe e se mete
despudoradamente nas eleições da Argentina.
O bolsonarismo,
porém, não está nem aí para isso. Prefere acreditar, e alardear pelas redes
sociais, que é tudo fake news, perseguição de uma imprensa esquerdista e
mal-intencionada. O que importa para o bolsonarismo não é Bolsonaro, é o que
ele representa. Bolsonaro é fraco, mas a simbologia (ou o marketing) dele é
forte.
Quem foi às ruas
no domingo, em mais de 150 municípios, de todas as unidades da Federação,
comprou a ideia de que ele é como um Dom Quixote contra os males e os maus do
Brasil. Mas eles precisam tomar cuidado. A existência do bolsonarismo
automaticamente projeta o antibolsonarismo. Manifestações a favor (aliás,
inéditas em início de governos) chamam manifestações contra. Isso significa uma
polarização perigosa: o “nós contra eles” da era do PT, com o sinal contrário.
As multidões de
domingo foram uma demonstração de força e produziram fotos poderosas, mas elas
já lançam até os potenciais líderes de hoje e do futuro. Quem desponta entre os
bolsonaristas é Sérgio Moro, mas ele é muito além disso: rechaçado por petistas,
é endeusado por diferentes frentes e setores da sociedade.
E quem surge no
horizonte para comandar o antibolsarismo? O presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Quanto mais o bolsonarismo eleger Maia como inimigo número um, mais ele ganha
força no antibolsonarismo, difuso e ainda confuso, mas real.
Maia e o DEM,
porém, devem se descolar o quanto antes do Centrão, que Jair Bolsonaro chama de
“palavrão” e transformou, habilmente, na síntese de tudo o que há de ruim, de
podre, de execrável na política. Apesar de ter sido filiado a siglas que são,
ou bem poderiam ser, desse bloco, como PP, PTB, PRB e o próprio PFL, que deu
origem ao DEM de Rodrigo Maia.
Outra ironia
nessa história é que Centrão e bolsonarismo estão unidos em torno de pelo menos
uma bandeira: a reforma da Previdência. Nunca se viu manifestação a favor da
reforma, só contra. Pois, agora, os bolsonaristas nas ruas e o Centrão no
Congresso é que vão aprovar a reforma e garantir não apenas a aposentadoria das
novas gerações, mas também as chances de recuperação econômica do País. Tudo o
que Bolsonaro precisa fazer é não atrapalhar. Ou parar de atrapalhar.”
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