“General é o bode da vez
Por José Nêumanne
Na diplomação do pai como
presidente no TSE, a família Bolsonaro posou ao lado do primo próximo Léo
Índio, na chamada fila do gargarejo. Foto: Dida Sampaio/Estadão
As milícias virtuais, nada
virtuosas, que têm Jair Bolosonaro na conta de deus, sendo seu filho Carlos o
profeta, queimam em fogueiras retóricas, cujo combustível são insultos de todos
os calões, quaisquer ocupantes de cargos poderosos nas proximidades do gabinete
presidencial que ousem discordar de éditos emanados de seu I Phone. Agora mesmo
o Ofício Profano aponta sua carga de pólvora verbal para o secretário-geral da
Presidência, general Carlos Alberto dos Santos Cruz. A vítima anterior foi seu
antecessor no posto, o advogado Gustavo Bebianno.
O que está acontecendo obedece à
mesma lógica (ou falta de) das vezes anteriores. O citado general e ministro defendeu, em
entrevista ao Estado e à Rádio Jovem Pan, no mês passado, a necessidade de
aprimoramento da legislação que trata das redes sociais. “(O uso das redes
sociais) Tem de ser disciplinado, até a legislação tem de ser aprimorada, e as
pessoas de bom senso têm de atuar mais para chamar as pessoas à consciência de
que a gente precisa dialogar mais, e não brigar”, disse.
Nada de mais. Nada de novo. Nada
que fosse capaz de substituir pela segunda vez em quatro meses o titular de uma
pasta importante no instante em que a Nação inteira espera, em desassossego, a
aprovação mais rápida possível da reforma da Previdência, capaz de economizar
RS$ 1 trilhão dos cofres públicos, como o presidente vem afirmando em
consonância com sua promessa – nem sempre cumprida – de ouvir o ministro da
Economia, Paulo Guedes, por ele mesmo alcunhado de “posto Ipiranga”. No entanto, o próprio Jair, que substituiu a
forma de comunicar-se por bilhetes de Jânio Quadros por tuítes, postou nas
redes sociais o seguinte post: “Em meu governo, a chama da democracia será
mantida sem qualquer regulamentação da mídia, aí incluídas as sociais. Quem
achar o contrário, recomendo um estágio na Coreia do Norte ou Cuba”.
Acontece que em democracias
antigas e sólidas, como nos Estados Unidos e na União Europeia, juristas,
políticos e comunicadores debatem, com seriedade, profundidade e longeva tradição
democrática, como fazer para encontrar o lugar adequado das redes sociais nas
legislações vigentes. O código penal de quaisquer desses países pune com rigor
profissionais dos veículos tradicionais de comunicação que abusem do direito
sagrado das liberdades de expressão, opinião e informação quando violam outros
princípios basilares da garantia de privacidade, além da honra de pessoas, da
reputação de empresas e instituições e, sobretudo, da verdade dos fatos. Não há
ainda, contudo, garantias semelhantes nas chamadas redes sociais. E o general
está certo: elas são necessárias.
A primeira impressão da leitura
do tuíte presidencial é a má qualidade da linguagem usada. Quem haja escrito
“sem qualquer” e “quem achar o contrário, recomendo”, barbarismo, haveria de
recriminar o professor do escriba, seja lá quem for, por não lhe haver ensinado
no grupo escolar que não se separa com vírgula predicado de complemento
indireto, que, além do mais, exige presença da preposição a, ou seja, uma
vírgula a menos, uma preposição a mais. Além de recomendar por a frase na ordem
direta, que sempre facilita a vida de semialfabetizado que se mete a escrever.
E olhe que o maior vício de linguagem do recadinho curto e impreciso é o de
argumentação, que se aprende em cursos de lógica, que não são ministrados em
escolas de veterinária, engenharia e medicina, mas naquelas que o ministro
“nota zero” da Educação, Abraham Weintraub, considera obsoletas e inócuas, das
velhas ciências humanas. Aristóteles, Agostinho e Tomás de Aquino se reviraram
na tumba com a entrada de Cuba e Coreia do Norte naquelas duas linhas e meia de
aleijões semânticos. Um atropelo lógico similar à metáfora imperfeita “resgatar
o futuro”.
Em nenhum (não qualquer) momento
o general Santos Cruz usou a palavra censurar. Ele falou em disciplinar (os
membros do governo) e aprimorar (as leis), que, para economizar o custo do
dicionário para autores iletrados, significam submeter-se a regulamento e
melhorar. A referência à regulamentação, palavra usada pelo PT para censurar a
imprensa, não as redes, não faz sentido. No meio do embate para destravar a
economia e empregar os 13 milhões e 400 mil desempregados do Brasil, o site O
Antagonista publicou uma notinha curta e lavrada em vernáculo escorreito: “Um
professor da UnB analisou 6.452 tweets de Jair Bolsonaro e descobriu que 5.936
foram postados num iPhone. Jair Bolsonaro, segundo a Veja, tem um Samsung. Quem
tem iPhone é Carlos Bolsonaro”. Mas o leitor desavisado não deve sentir alívio
ao saber que o presidente da República não escreveu a besteira. O redator não
responde pelo texto, mas o signatário. Se o filho escreveu, o responsável é o
pai.
Sempre que alguém – incluído o
autor deste texto – critica quaisquer palavras ou atos do presidente ou da
primeira família haverá alguém para constatar, ao estilo do conselheiro Acácio:
“O governo tem apenas quatro meses. Espere para poder criticar”. É bastante
compreensível que isso ocorra, pois, afinal, nada há de novo no front virtual,
a não ser a impunidade generalizada dos atiradores, que muitas vezes não passam
de robôs ou se escondem no anonimato dos nomes inventados e de avatares
sugestivos da personalidade de quem os usa. Repete-se a mesma história de
sempre do fanatismo ideológico, anabolizado pelo exercício do poder por seus
políticos de estimação. Outro comentário comum de quem execra os críticos é
repetir a ladainha: “Lula e Dilma fizeram a mesma coisa e a extrema imprensa
nunca reclamou”. Sou jornalista e radialista há 52 anos e estaria milionário se
cobrasse uma moeda de centavo por cada vez que vi, li e ouvi cobrança desse
tipo sob o mandarinato petista ou agora.
Uma vez, numa mesa-redonda no
auditório da Biblioteca Municipal Mário de Andrade em que se debatia o
apedrejamento da “língua inculta e bela” de Olavo Bilac, fiz uma brincadeira
com a mania de Lula de fletir o gênero do advérbio menos, empregando uma forma
– menas – inexistente. O gramático com quem debatia, catedrático da USP, que
tanto Weintraub maldiz, me corrigiu: “O conde Almeida Garrett fletia
advérbios”. Respondi-lhe que não conheço o suficiente a obra do nobre literato
lusitano para nela me ter deparado com menas, mas tinha certeza, por conhecer
muito bem a figura, que Lula não aprendeu a fazê-lo lendo Garrett. Evidentemente
o auditório lotado desabou em gargalhadas e o professor, emburrado, preferiu
retirar-se. Imagino, contudo, que ele não defenderia com o mesmo ardor a missão
impossível de “resgatar o futuro”.
Santos Cruz é citado por Bela
Megale no site de O Globo, em notícia de que um sobrinho da primeira mulher de
Bolsonaro, Leonardo Rodrigues de Jesus, o “Léo Índio, tem dado superpoderes ao
cargo de assessor parlamentar, que passou a ocupar no fim de abril. Ontem,
publicou em uma rede social uma entrevista que deu enquanto estava no Maranhão,
na última semana. Nela, apresentou-se como ‘interlocutor do governo federal’. Também
disse que estava no Estado para ‘encaminhar as principais necessidades do povo
maranhense ao presidente’. Apesar de falar em nome do governo, Léo Índio não
faz parte dele. Bem que seu primo mais próximo, o vereador Carlos Bolsonaro,
tentou emplacá-lo como seu olheiro no Planalto, mas não obteve sucesso. Ele foi
vetado pelo ministro Santos Cruz, que comanda a Secretaria de Governo. Os documentos
de Léo Índio já haviam sido entregues ao setor responsável pelas contratações
no Palácio e até o pedido de emissão de passaportes diplomático já tinha sido
feito para ele”. Após deixar o palácio, Léo atualmente assessora um senador.
Pode ser coincidência, mas o
primo de Carlos chamou a atenção da reportagem do Estado pela frequência com
que visitou o Planalto, com crachá de visitante, antes de Bolsonaro viajar para
Davos: 56 vezes a 18 do ex-marido da tia. Suas visitas mais frequentes na época
foram ao gabinete do então ainda secretário-geral da Presidência, Gustavo
Bebianno.
Seja qual for a razão, seria bom
para o País que Bolsonaro desse atenção ao prudente aviso de sua quase vice
Janaina Paschoal: “Se o presidente permitir a autofagia, será o fim. Um líder
pode até se fortalecer do conflito, por um breve período. Quando o conflito se
transforma em dinâmica de gestão, o risco imaginado passa a ser real”. Carlos
também deveria atentar para isso, pois filho de ex-presidente não tem poder
nenhum. Para atacar general, então, nem pensar, seja qual for o regime.”
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