“Os dilemas de
Moro
POR FERNANDO
GABEIRA
Não posso dizer
que o ministro Sergio Moro me surpreenda, porque não o conheço bem. Nem posso
avaliar o êxito de sua escolha, pois o governo apenas começa, apesar de tantos
episódios cheios de som e fúria, significando nada.
Nos últimos
meses, o Brasil vem reduzindo o número de assassinatos. A queda foi de 12,5% em
2018. Leio que em fevereiro a queda dos assassinatos no Ceará foi de 58%. Já
analisei a situação do Ceará em artigos anteriores. Parte da derrocada do crime
se deve à suicida ofensiva militar das facções. Derrotadas, tiveram de unir
objetivos e parou a matança mútua.
Mas houve
trabalho também por trás dessa redução. Do governo petista e de Moro. Um dos
fatores foi a apreensão rápida dos carros roubados, graças às câmeras que
identificam as placas e acionam o alarme. Carros roubados são fundamentais em
ações criminosas.
Era o momento de
dizer: o índice de assassinatos está caindo, é possível reduzi-los, vamos
discutir o que aconteceu e traçar os rumos do próximo avanço.
Moro parece-me
indiferente a esses dados. É provável que, no caso do Ceará, exista um pequeno
incômodo: o sucesso parcial se deve a um trabalho conjunto com o governo
petista. Reconhecer as vantagens de uma ação republicana não repercute bem nas
hostes radicais governistas. Mas, no meu entender, existe outro fator que
condena o pequeno sucesso ao anonimato. Ele se deve também à tecnologia. Assim
como em Guararema (SP), são as câmeras que fazem o trabalho – um trabalho
decisivo.
Num governo
preocupado com espingardas e trabucos, a grande expectativa é a posse de armas
para todos. O sucesso não interessa porque ele é resultado do avanço
tecnológico, não comprova a ideologia oficial que vê nas armas a única
salvação.
Moro assistiu
meio constrangido à assinatura de um decreto claramente ilegal para a liberação
das armas. É uma espécie de estatuto próprio de Bolsonaro, atropelando o
Congresso e a lei.
De que adianta
ser ministro da Justiça e concordar com esse amadorismo bélico? De certa forma,
Moro lembra a obra mestra da literatura alemã: Fausto, de Goethe.
Bolsonaro sabe
que Moro engole sapos no governo e tende a ser derrotado no Congresso. E
relembra a compensação para tantos transtornos: um lugar no Supremo Tribunal
Federal.
Com todo o
respeito pelo Supremo e pelos juízes que querem chegar lá como ápice de suas
carreira, isso é um enredo modesto e provinciano diante das oportunidades que
se abrem de construir uma eficaz política de segurança pública no Brasil. As
afirmações de Bolsonaro sobre o compromisso de levar Moro ao Supremo, entre
outras coisas, apenas reduzem a dimensão do que parecia ser até para ele um
tema de grande importância.
Isso sem contar
o absurdo de indicar um ministro para o Supremo com mais de um ano de
antecedência, abstraindo as condições da Corte e os potenciais candidatos, algo
que só pode ser levado em conta no momento da escolha.
Moro tem um
pacote anticrime e se empenha em aprová-lo, o que acho improvável em curto
prazo e na integridade do texto. Mas isso não esgota o trabalho. Há muita coisa
a fazer no campo da segurança pública e nem tudo está contido no pacote.
Uma das coisas
mais lamentáveis nos políticos é ocuparem um cargo pensando em outro. Alguns
são derrotados por causa disso. Outros escapam pela tangente, como é o caso do
governador de São Paulo.
Essa história do
Supremo acabou colocando Moro no mesmo patamar das pessoas que estão fazendo de
seus postos apenas uma espécie de alavanca para o que consideram um salto
maior.
E nem sempre
consideram com precisão. De fato, seria uma bela carreira começar como juiz no
interior do Paraná, conduzir importantes processos e conquistar ainda jovem uma
cadeira no Supremo. Mas isso é um capítulo do livro “pessoas que deram certo”,
que realizaram seus sonhos.
Muitos podem
achar que a soma de pessoas que deram certo faz um país vitorioso. Mas é um
engano. É preciso um trabalho específico de recuperação do Brasil, que
independe de promoções, promessas compensatórias.
Uma política de
segurança pública é algo essencial. No entanto, apesar de eleito com essa
bandeira, Bolsonaro confia apenas nas armas e aponta os dedos como se estivesse
atirando. Ao seu lado, numa foto meio patética, políticos e aspones apontam o
dedo também como se estivessem atirando.
A base deixada
por Temer e implementada por Jungmann precisa ser desenvolvida. Visitei no
Ceará um centro de informações que será vital para o Nordeste. Agora foi
inaugurado de vez. Inteligência e tecnologia, aos poucos, vão transformando o
caos na segurança pública em algo administrável.
Movidos por sua
ideologia bélica, os dirigentes atuais seguem apontando os dedos como se
atirassem. Não há provas da eficácia dessa visão. É um pouco como as cerimônias
religiosas dos antigos para garantir a chuva e fertilidade.
É preciso
problematizar a solução pelas armas e Moro até agora não se dispôs a fazê-lo.
Não foi pelas armas que a Lava Jato rendeu muitos elogios e prestígio
internacional.
Apoiei a
operação por considerá-la a única capaz de desatar o nó da impunidade no Brasil,
unindo instituições, estabelecendo a cooperação internacional, usando da melhor
forma os recursos tecnológicos. Se alguém me dissesse que o sonho de Moro era
fazer tudo isso para ganhar uma cadeira no Supremo Tribunal, perguntaria: mas
só isso?
Moro decidiu
entrar no governo para completar seu trabalho, uma vez que a Lava Jato dependia
de novas leis. Agora, corre o risco de retrocesso e tudo o que lhe prometem é
uma compensação, um cargo de ministro, uma capa preta, lagosta com manteiga
queimada, vinhos quatro vezes premiados e espaço na TV para falas
intermináveis. Mesmo o Doutor Fausto queria mais.”
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