“Etiquetas
virtuais
Por Leandro
Karnal
Fascista! Reaça!
Petralha! Esquerdopata! O universo das redes sociais é constituído de átomos de
veneno e moléculas de adjetivação. Palavras usadas em demasia costumam perder
sentido prático. O insulto é sempre um espelho bizarro.
Como quase todos
sabem, esquerda e direita são termos surgidos com a Revolução Francesa do
século 18. Ampliaram-se nos séculos 19 e 20 e ganharam matizes. Por exemplo,
apesar de serem ambos de “esquerda”, anarquistas e marxistas tinham atritos teóricos
e rixas práticas sobre a concepção do Estado. A Grande Guerra (1914-1918)
aumentou a cisão. Uma parte da esquerda apoiou a “união sagrada” contra os
inimigos externos e deu origem, grosso modo, a partidos socialistas. Os que se
negaram a formar uma frente única interna, por considerarem que a guerra era um
choque de capitalistas, foram chamados de comunistas.
Coisas bizarras:
você é conservador e desconfia do Estado? Você postou que o governo de Stalin
foi autoritário e repressor? Cuidado!
Você pode
receber likes de anarquistas, pois eles consideram a URSS exemplo de socialismo
autoritário e abominam o Estado.
Rótulos escondem
quase tudo e atendem a necessidades de simplificação rasteira, especialmente em
ambientes superficiais e regados a sangue e bílis como redes sociais. O que
significa ser conservador? Parto das ideias de Edmund Burke. No fim do século
18, o irlandês desconfiava de processos de mudança brusca na França. A primeira
característica dos conservadores passa a ser a desconfiança de quebras
repentinas da tradição. Para Burke, o presente é um compromisso entre dois
mundos: o que nos antecedeu e o futuro. Rupturas como a Revolução Francesa ou a
Russa (1917) causam mais danos do que avanços.
O conservador,
inspirado em Burke, desconfia da perfectibilidade humana, ou seja, de que
estejamos fadados à perfeição. Acima de tudo, o conservador clássico desconfia
do Estado como elemento de resolução dos problemas.
Dependendo de
onde está quem escreve, sua opção política pode ser descrita com nomes
distintos. Liberal, por aqui, é signo aberto.
Nos EUA,
republicanos nasceram ligados a profissionais liberais e eram pró-livre
iniciativa. Seus radicais defenderam o fim da escravidão antes da Guerra da
Secessão, e a integração irrestrita dos negros à cidadania americana no
pós-guerra. Criaram cotas, associações de reparação e leis que favoreceram por
alguns anos a ascensão dos ex-escravos à condição de proprietários e
eleitores/eleitos. Hoje, ser republicano parece ser desconfiar de todos esses
princípios.
Os democratas
nasceram ligados às elites agrárias sulistas. O panorama muda na Grande
Depressão dos anos 1930. O laissez-faire de Hoover deu lugar ao New Deal e ao
Welfare State de Roosevelt/Truman. Democratas passaram a simbolizar o
trabalhador mais simples e as minorias.
Hoje, nos EUA,
se dizer um “liberal” é se afirmar como alguém de esquerda, pois se exige
Estado presente, provendo serviços aos cidadãos, direitos às minorias, etc. No
Brasil, ambos os lados da política majoritária americana (e suas muitas
divisões internas) estariam classificados como centro (numa lógica de
social-democracia) ou direita. A polarização ao redor de Trump está dando cada
vez mais voz à esquerda democrata e à direita republicana.
Na Europa,
muitos conservadores clássicos adotam posturas que aqui seriam denominadas como
“liberais” ou de “esquerda”. Na França, o líder da campanha da extrema direita
de Le Pen, Florian Philippot, passeava feliz de mãos dadas com seu namorado.
Pim Fortuyn, conservador nacionalista holandês, inimigo da imigração islâmica,
era gay. Foi assassinado por um militante defensor dos animais. Para muitos
como eles, o conservadorismo era o respeito a sua orientação sexual, já que não
caberia ao Estado dizer o que ele deve ser, especialmente no que toca a
questões pessoais que em nada afetam as alheias. O modelo “liberal na economia
e conservador nos costumes” não é único, mas é mais próximo das jabuticabas
tupiniquins do que das tulipas de clima temperado.
Diferentemente
de tudo isso, surge o reacionário. Ele idealiza um passado glorioso onde as
famílias eram sólidas e perfeitas, a religião dominava, o Estado era eficaz e
nunca corrupto e todos andavam felizes nas ruas. O reacionário quer restaurar
esse passado mítico reprimindo o que ele considera modernidades inaceitáveis. Um
exemplo histórico seria o conde Joseph-Marie De Maistre (1753-1821). O problema
do reacionário é que ele parte do mesmo equívoco de alguns revolucionários
autoritários. Um clássico membro do Exército Vermelho, por exemplo, durante a
Revolução Cultural Chinesa (uma lavagem cerebral somada a genocídio), estava
disposto a destruir tudo o que existia para construir uma nova ordem gloriosa.
Um clássico reacionário também quer barrar tudo para que se restaure uma ordem
perfeita que sua avó inventava da cadeira de balanço minutos antes de abandonar
a lucidez de forma definitiva.
Há dezenas de
outras posições políticas possíveis, da social-democracia, passando pelos
“verdes”, até o anarcocapitalismo. O espaço não permite mais. O espectro
político plural permite muitas coisas, menos o ataque ao Estado Democrático de
Direito e aos princípios contidos no artigo 5.º da nossa Constituição. Se você
nega o artigo quinto (combate ao racismo, igualdade diante da lei,
criminalização da tortura, etc.), você não é de direita ou de esquerda, você é
apenas um canalha. É preciso ter esperança.”
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