“Da inutilidade
da compra de certificados
Por Fernão Lara
Mesquita
O problema do
Brasil é a total independência do País Oficial em relação ao País Real. Tudo o
mais é nada perto disso. A sobrevida desse País Oficial desenhado como uma
privilegiatura depende dessa independência. Eles sabem que estarão mortos
quando o País Real renascer. Daí ano perdido para nós ser ano ganho para eles.
Já vamos em duas “décadas perdidas” desde que o país parou. Mas ele vem
desacelerando desde 1988 quando a privilegiatura plantou o marco da sua
independência do Brasil que foi a Constituição profeticamente chamada “dos
Miseráveis”, hoje um compêndio de 250 artigos e 80 emendas, todos menos um
especificamente desenhados para anular a soberania do povo que o primeiro dos
seus Princípios Fundamentais afirma.
O Brasil anda
perdido. Além do que já está pronto para o consumo, só importa do mundo que
funciona as obsessões que o tédio e as doenças correlatas da abundância lhe
inflingem: os ódios de raça, de gênero, de religião e seus sub-departamentos;
as deformações alimentares, os vícios, o ridículo. O componente conspiratório
pesa menos do que parece. O canal preferencial dessa linha de contaminação é a
arte, a escola e a imprensa vira-latas. O professor, o artista e o jornalista
vira-latas integram um grupo auto referente que vive de chamar mediocridade de
talento e vício de virtude (e, claro, de transformar o pertencimento ao grupo
em verbas públicas e privilégios vitalícios). Tudo referir a esses temas, o
preço a pagar pelas graças recebidas, é a “credencial de modernidade” com a
qual sentem-se autorizados a retrucar com “carteiradas” qualquer argumento
racional em contrário. Conjecturar sobre o quê e como fazer para mudar nossa
realidade como outros pedaços mais humildes da humanidade fizeram não é, para
eles, “aprender”, é aceitar a acusação de “lacaio”, condição que todos, aliás,
estão treinados para assumir de bom grado desde que seja do feitor certo.
A elite
empresarial de boa fé, imersa nesse processo de deseducação, “compra
certificados” de progressismo criando cursos de capacitação e empreendedorismo
em favelas e comunidades quilombolas, espalhando bandeiras do Brasil pelas
ruas, financiando candidaturas de quem tope receber vagos cursos de honestidade
na política… Para ser exato, não sabe o que fazer. Quer, como a maior parte dos
outros brasileiros de boa fé, até os políticos, plantar aqui o resultado das
profundas reformas feitas pelas sociedades “de sucesso” sem antes passar por
elas.
Não é que nossas
elites não acreditem na liberdade. Nunca a experimentaram. Não sabem o que é.
Por isso morrem de medo dela. Não têm a menor ideia de como “a desordem” que a
liberdade cria trabalha para impulsionar o crescimento, o empreendedorismo, a
inovação. Com os dois pés nos estágios mais básicos do mandonismo – positivista
no caso da elite política; da revolução industrial no da empresarial – nenhuma
aceita com naturalidade a submissão ao povo e à alternância no poder político,
uns, e à “destruição criativa” e à alternância no poder econômico, os outros.
Consciente ou inconscientemente, trabalham todos contra a mudança ao tratar de
proteger o povo dele mesmo, porque não existe mudança possível antes da mudança
da fonte de legitimação do poder.
Em toda a parte
os salários mais altos atraem as maiores ambições, os mais dispostos a tudo e,
no sentido darwiniano da expressão, os mais aptos. Cria-se então uma elite que
trata de perpetuar-se comprando a melhor educação, a melhor informação, a
melhor medicina. Nos EUA, do final dos 70 em diante, o setor financeiro, de
instrumento assessório do desenvolvimento se foi transformando, ele próprio,
“no” poder, tão estratosférico foi o nivel a que chegaram os salários. Depois
da crise de 2008 metade do governo passou a “emanar” … do Goldman Sachs. Os
americanos “pés-duros”, porém, contam com poderosas defesas contra isso. Além
da constituição mais sólida do planeta, copiaram há mais de 100 anos, quando
estiveram tão podres quanto estamos hoje, o remédio que os suiços inventaram há
mais de 700 (isso mesmo, desde 1291!) para transformar escravos em senhores que
os fez a maior renda per capita e o povo mais educado do mundo. O mesmo que os
japoneses adotaram a partir de 1945, os coreanos desde 1954 e que o resto do
mundo que funciona vai copiando hoje.
O estado
brasileiro paga os maiores salários relativos do planeta. Tão altos que fora
dele só restou miséria e brejo. A disputa de poder – o político e o econômico –
dá-se, por isso, exclusivamente pelo controle do estado. Mas nas nossas
condições de extrema fragilidade institucional a elite que se reveza no poder
não se apropriou apenas do governo, apropriou-se da própria Constituição, que
transformou no instrumento incontestável da sua auto-reprodução.
O único ponto
fraco do “Sistema” é a ilegitimidade que a morte à míngua da economia nacional
põe, agora, numa evidência impossível de abafar. O único inimigo capaz de
derrota-los é a força que a opinião pública apenas começa a desconfiar que tem
e usa, ainda, a esmo, sem foco, como uma adolescente estabanada. A vitória só
virá se e quando entender que, sendo o jogo institucional, é preciso definir
quais instituições fazem-se necessárias para reverter dawinianamente o processo
darwiniano com que se defronta. O que é preciso exigir para transformar em
fator decisivo de fracasso o que antes era fator decisivo de sucesso do inimigo,
e deixar que a natureza, agora através de um filtro de seleção positiva, faça o
resto.
O povo
brasileiro perde todas porque não tem representação no País Oficial.
“Democracia representativa” é uma hierarquia onde os representados mandam e os representantes
obedecem mas o Brasil não dispõe dos instrumentos capazes de criar uma. Isso só
é possível se e quando o sistema eleitoral permite saber quem, exatamente,
representa quem, e o representado traído pode demitir no ato o representante
traidor.
O resto – todo o
resto – é só “me engana que eu gosto”.
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