“Por um choque
de conexão! (Sem email-bomba)
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
O Brasil Oficial
precisa de um “choque de conexão”. Tem de ser radicalmente plugado ao Brasil
Real. Hoje este só existe em véspera de eleição. Está excluído de tudo para
além do momento em que deposita o voto na urna. “As reformas” são uma novela
sem fim a que o País assiste à distância há gerações. “Desta vez vai!” Mas o roteiro
é exclusivo do grupo da privilegiatura momentaneamente investido do Poder
Executivo, vivendo o papel para ele inédito de pagador e não apenas de gerador
de contas, mais os seus interlocutores únicos: o resto da privilegiatura. Pelo
País Real, feito touro de arena, entra no picadeiro sozinho, para ser
desmontado, o ministro da Economia da vez. No final, todos “cedem”, docemente
constrangidos, a seus próprios interesses porque a condição de “governo” é
temporária, os empregos e as aposentadorias públicas é que são para sempre.
Não é que esteja
faltando convencer alguém. Não há mais o que discutir. Não há mais o que
argumentar. Todo mundo está convencido não só da iniquidade criminosa da
situação como, a esta altura, da iminência do desastre, mas Miami e Lisboa são
logo ali.
Falta entrar
nesse debate quem tem tido o sangue chupado. Quem vai ter de continuar aqui. O
Brasil sonha esquerda x direita, mas acordado é nobreza x plebeu. “Velha
política” é a de político sem patrão, intocável. “Nova política” só quando todo
mundo souber quem pôs cada um deles onde está e eles passarem a ter medo que os
seus eleitores os tirem de lá todo santo dia; só quando formos nós a dar a
última palavra sobre as leis que aceitamos acatar. Esperar que uma nova
política nasça de mais regulamentos baixados pela velha é ilusão de noiva.
Estão aí as
Forças Armadas para não nos deixarem mentir. O orçamento delas já era uma
miniatura do orçamento do Brasil. ¾ do dinheiro vai pra salário. R$ 81,1 bi de
107,7 bi. O gasto com reservistas é maior que com militares da ativa porque,
como no resto do serviço público, os aposentados, sempre precoces, são
remunerados pelo provento máximo. Nas FAs eles custam, por enquanto, R$ 46,2 bi
por ano contra contribuições previdenciárias de R$ 2,4 bi. O resto paga o
favelão nacional que não se aposenta nunca. O que sobra para investimento em
equipamentos de defesa, que é a parte que nos cabe nesse latifúndio, é o mesmo
que sobra para investimento em infraestrutura, educação, saúde e segurança
públicas na União, nos Estados e nos municípios. Estão orçados para este ano R$
9,8 bi, 16% menos que em 2018, número que irá de menos em menos até o amargo
fim empurrado pelas fórmulas de “reajustes” automáticos que a privilegiatura
ativa ou aposentada se atribui como “direito adquirido”, se nada mudar muito
nesse meio tempo.
E já sabemos que
vai mudar, só que para pior. Como toda a discussão se dá exclusivamente entre
eles e com base exclusivamente nos parâmetros deles, não será corrigida a
pornográfica defasagem para cima do salário inicial de R$ 18 mil do
ascensorista do Congresso em relação à realidade do favelão nacional. Será,
sim, corrigida a defasagem para baixo do salário do general em relação ao dos
ascensoristas do Congresso.
A “alternativa
militar” na sua vez no poder após 34 anos de ostracismo resolveu o seu,
portanto. Tomou distância do Brasil plebeu e está agora pau a pau com a
privilegiatura.
E o desemprego?
A economia paralisada? A guerra civil que mais mata no mundo?
Quem?! Como?!
Onde?!
A gente do poder
tem mais o que fazer. Mas se valer olhar pelo buraco da fechadura do banheiro,
é bom lembrar, nem o papa resiste. Carlos Bolsonaro solto na rede é o buraco da
fechadura do banheiro da família do presidente da República escancarado. Anda
sempre à beira de um ataque de nervos. O dedo puxa o gatilho antes da
participação do cérebro. Com ele tudo logo vira um enredo “família Bórgia”. Na
equipe, no palácio, no Brasil, no mundo, tudo é uma só e mesma conspiração. Com
o filósofo esotérico esbravejando por cima, essa “noia” toda ganha um endosso
“teórico”. E então, dia sim, dia não, o ratinho que sai de um buraquinho vira
um ratazão, vira um tigre-leão.
Nos albores da
internet ganhou enorme notoriedade o “email-bomba”. O cara chegava em casa
vindo do boteco e começava a “desabafar por escrito” no computador. Vomitava
tudo de mais azedo que tinha atravessado na garganta desde priscas eras, como
fazia antes de si para si. Só que no final, “uósh”, lá ia o bomba para o
computador de alguém, onde ficava gravado para todo o sempre para ser lido,
relido e cem vezes amargado. E de lá vinha outro do mesmo calibre, vazado
naqueles termos que nos sobem à veneta na hora da raiva, mas que se repetidos
em voz alta não passariam na polícia do bom senso.
As regras de
convivência, a cerimônia e o mínimo de polidez exigidos no trato social, até
pelos indivíduos mais toscos, foram moídos pela internet, onde o “convívio” se
dá entre solidões. Você, o semianalfabeto, o “noiado”, todo mundo conversa na
rede sozinho no seu canto, trancado no banheiro, sem ouvir o que ele próprio
está dizendo, sem ver a reação das pessoas, sem o concurso do tom de voz, da
expressão do rosto, do gestual, enfim, que dá a cor e o peso ao que é dito e
ouvido, sem esclarecer os mal-entendidos. O que passa de um computador para
outro nessas discussões é o texto sem contexto nem revisão. Despido. Árido. De
pedra.
O resultado é a
guerra. Mundial e de todos contra todos, cada vez mais. Babel. Coisa de Exu.
Isso arrebentou
tantas amizades, tantas empresas e tantas famílias que um dos primeiros
aplicativos que fez sucesso na lojinha da Apple foi um que procurava sinais de
excesso de substâncias intoxicantes no texto dos emails digitados após o
anoitecer (erros de grafia, palavrões, etc.) e aplicava um bom questionário ao
seu autor, buscando aferir o grau de consciência crítica que lhe restava antes
de liberá-lo para envio.
Sumiu. E pelo
que está pintando, vai levar 5 gerações para o 03 entender a importância
fundamental dos ritos do poder. O diabo é que o Brasil não tem nem mais 5
minutos pra perder.”
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