“Plebeus do
Brasil inteiro, uni-vos!
POR FERNÃO LARA
MESQUITA
O presidente
ainda não decidiu o que quer ser depois que cresceu. Sob a regência dele e
família a “direita” e a “esquerda” velhinhas esbofeteiam as paixões vintage uma
da outra via internet. Já o Brasil “indignado” ataca pessoas, mas não ataca
problemas. E a imprensa, participando ou não dela, só vê a política como
disputa. Abriu mão do 4.º Poder. Dispensa-se de buscar soluções; de informar
como funciona o mundo que funciona. “O governo ganhou...”, “O governo
perdeu...”. Brasil e brasileiros nem há...
É tudo isso
junto que proporciona que a privilegiatura não seja denunciada como sistema e
possa continuar defendendo anonimamente seus privilégios.
Na tradição
política brasileira, onde quem não pede aceita, da extrema-direita à extrema-esquerda
e mais quase tudo o que há no meio, todos mutuamente se arrimam no quesito
defesa de privilégios. O instinto natural do Congresso é ver como entregar o
mínimo para não matar a galinha dos ovos de ouro já e o resto é circo. É uma
cultura. O que é a debandada dos substitutos dos médicos cubanos três meses
depois de contratados, senão o aproveitamento de mais uma oportunidade de pôr
um pé dentro da nau dos exploradores pelos “concurseiros”, seguido do efeito
obrigatório da garantia de que nada, pela eternidade, poderá tirar de lá quem
conseguir essa proeza? O que mais é preciso para explicar por que mais de 100%
do que arrecada o País expulso do mercado global pelos impostos mais altos do
mundo já não basta para pagar os privilégios dos “embarcados”, aposentados ou
não?
A
“desarticulação política do Planalto” se dá em torno daquilo que nem ele, nem a
oposição, nem a imprensa estão pedindo que mude desde a raiz, nem hoje, nem
muito menos quando o problema era o excesso de “articulação política” entre o
Palácio e o Congresso. Não há “desinteresse do presidente pelas tarefas
inerentes ao cargo que ocupa”. O que há é o desinteresse de Brasília inteira, e
adjacências, em acabar com esse nosso feudalismo extemporâneo.
O Congresso é a
frente mais vulnerável dessa resistência. Todo mundo exposto ao voto sabe que o
que lhe está sendo pedido não é nenhuma revolução, é apenas, como já tinha sido
na reforma trabalhista, que remova da cena institucional aquilo que já está
morto e nada poderá fazer reviver porque o dinheiro acabou. A confusão do
presidente com seu novo papel é que reabriu a controvérsia. Jair Bolsonaro
nunca saiu do território da privilegiatura. É até por balda, mais que por
convicção, que é ele quem rege a pauta das capitulações. Ninguém exigiu nenhuma,
ele é que ofereceu todas. Mas agora passou da conta. O sistema de capitalização
é a fronteira real entre o fim previsível e o nunca acabar da privilegiatura. O
regime de repartição mantém aberto o componente aleatório da conta da
Previdência que os políticos “arbitram”, ou seja, mantém aberto o comércio de
favores que cria castas privilegiadas e arrebenta países como o Brasil. O de
capitalização impõe o realismo matemático que mata esse comércio e, de troco,
cria uma poderosa rede de fundos de poupança que provê o financiamento barato
do desenvolvimento futuro. O “elevado custo de transição” alegado é para quem
tem o que perder nesta parada, que certamente não é o povo que já não tem nada.
Paulo Guedes
também nunca saiu do País Real, esse mundo onde a realidade é senhora e ninguém
dá murro em ponta de faca. Mas na arena da luta pelo poder aquilo que parece
pesa muito mais que aquilo que é. Logo, submeter-se a longas sessões de teatro
sem ser ator não é o melhor meio de passar a reforma. Convencer o povo, que
tira e põe políticos no poder, da indispensabilidade e da boa-fé dos
componentes essenciais da sua proposta é que é o caminho para extrair
indiretamente dos deputados o voto que o Brasil precisa.
Uma imprensa que
se negasse a disparar tiros alheios pelo “acesso” a dossiês nunca 100%
desaloprados montados pelas facções em luta pelo poder; uma imprensa que
resistisse a tomar 200 milhões de brasileiros por otários voluntários recusando
o mito da “impopularidade” do fim da privilegiatura que todas as pesquisas
mostram que não vai além das salas onde deveriam trabalhar mas estão
dispensados de fazê-lo os “estáveis no emprego” para todo o sempre; uma
imprensa que tudo referisse, enfim, à meta sacrossanta do privilégio zero
poderia fazer essa ponte. É pela falta dela que o povo tornou-se uma ficção
distante para Brasília, assim como Brasília tornou-se uma ficção distante para
o povo. Não há nenhuma comunicação entre eles porque a intocabilidade de todos
quantos conseguem pôr um pé dentro do Estado, um dia, nunca é posta em xeque.
Excluído o único remédio que cura, tudo o que resta para a análise dos eruditos
do nada são os protocolos da Corte. O que diz a regra (que nos mata)? De quem é
a competência (de nos ferrar desta vez)? Os parênteses não sobem nunca às
manchetes. Só o que não interessa interessa.
Levantar a
censura sobre como funciona o mundo que funciona pouparia o País de ter de
reinventar a roda. Mas, se apenas a imprensa passasse a atribuir o comportamento
da Corte às suas causas evidentes, já começaríamos automaticamente a nos
dirigir para a saída, que consiste apenas e tão somente em condicionar todos os
dias, dia após dia, a permanência no emprego de políticos e funcionários
públicos à obrigação de agradar os “clientes” que lhes pagam os salários, como
acontece aqui fora.
Democracia, no
más...
Plebeus do
Brasil inteiro, uni-vos! Este país está aquém do século 19 das revoluções
democráticas. A parada aqui ainda é “nobreza, unida, jamais será vencida”. Pelo
povão ninguém “é”, senão o ministro que os deputados hereditários da bancada
dos gigolôs de miséria querem carimbar como “rentista” ou “agente dos bancos”,
a apelação que resta no seu arsenal esvaziado de argumentos. Paulo Guedes terá
de recorrer a uma campanha profissional de esclarecimento do povo se quiser
conseguir dar o seu recado inteiro. Nenhum dinheiro público poderia ser mais
bem gasto.”
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