“Brasil vai bem
em ranking da felicidade, mas...
POR ROBERTO MACEDO
A Organização
das Nações Unidas (ONU) publicou recentemente seu Relatório sobre a Felicidade
Mundial de 2018. Ele vem com a ressalva de que foi redigido por especialistas
atuando de forma independente da ONU e, assim, não necessariamente representa a
opinião dessa entidade.
Entre os
editores e autores do texto, o mais conhecido é o economista Jeffrey D. Sachs,
ex-professor da Universidade Harvard (EUA) e atual diretor do Centro para o
Desenvolvimento Sustentável da Universidade Columbia (Nova York). Na ONU dirige
a Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável. Sachs tem prestígio
internacional e em meados dos anos 1980 atuou na Bolívia assessorando o governo
local no combate à hiperinflação que lá existia.
Desta vez o
relatório foi especialmente focado no tema da migração, de interesse internacional,
e em saber se os migrantes, tanto internacionais como os do campo para as
cidades, alcançam vida mais feliz. Mas, seguindo relatórios anteriores, logo no
início apresenta e analisa seu tradicional ranking dos níveis de felicidade dos
residentes, nativos ou imigrantes, de cada país, com base em amostras de mil
pessoas por ano, e valores médios dos indicadores utilizados que cobrem o
período 2015-2017. Abrangem 156 países alcançados pela Pesquisa Mundial Gallup,
a cargo da empresa que tem esse nome.
A felicidade é
avaliada inicialmente por seis indicadores, dois deles objetivos, o produto
interno bruto (PIB) por habitante e a expectativa de vida, e quatro subjetivos.
Ou seja, que dependem da avaliação pessoal: o apoio social, na forma de ter com
quem contar em caso de problemas, a liberdade de escolhas ao longo da vida, a
generosidade avaliada pela realização de doações e a percepção da existência de
corrupção no governo e no mundo dos negócios.
Há também um
sétimo indicador, chamado de distopia – o contrário de utopia –, relativo um
país hipotético com os valores mais baixos dos outros seis, a cuja média é
somado, em cada país, o erro da previsão, para cima ou para baixo, derivado de
uma função que estima os pesos que aqueles seis indicadores iniciais têm na
felicidade total. A ideia é que esse erro ou resíduo representa o que essa
função ou modelo baseado nas seis primeiras variáveis não explicou em cada
país, com o que sua adição ao ranking completa o valor médio observado nas
avaliações do modelo utilizado.
Complicado, não?
Tecnicalidades como essa são inevitáveis num estudo como esse, quantitativo e
de um tema tão multifacetado como a felicidade. Não tenho espaço para me
estender sobre a distopia, nem interesse, pois o meu se concentrou em examinar
a posição do Brasil relativamente a outros países, como essa posição se
sustenta e como evoluiu relativamente a um levantamento anterior, mencionado
mais à frente.
No relatório de
2018 os dez países mais felizes são Finlândia, Noruega, Dinamarca, Islândia,
Suíça, Holanda, Canadá, Nova Zelândia, Suécia e Austrália. Todos ricos, ou
seja, ter dinheiro ajuda muito na felicidade, ainda que até certo ponto,
conforme pesquisas que já vi sobre o assunto. Na outra ponta da lista de 156
países estão Malavi, Haiti, Libéria, Síria, Ruanda, Iêmen, Tanzânia, Sudão do
Sul, República Centro-Africana e Burundi, todos pobres.
O Brasil aparece
bem, na 28.ª posição. O usual é o País aparecer em posições intermediárias em
levantamentos sobre questões objetivas. Por exemplo, no ranking de PIB per
capita medido em termos de poder de compra, da CIA, a agência de inteligência
dos EUA, abrangendo 229 países com dados próximos de 2017, o Brasil aparece na
110.ª posição. Portanto, essa 28.ª posição brasileira no ranking de felicidade
deve ter sido determinada pela expectativa de vida, em que fica acima da média,
e principalmente pelos fatores subjetivos citados.
Na minha
avaliação, o Brasil não merece a boa posição em que ficou, pois as coisas por
aqui não estão bem a ponto de justificá-la, saindo-se melhor do que países como
Portugal, Espanha e Japão. Creio que isso tem que ver com aspectos culturais,
como uma avaliação qualitativa a partir de expectativas muito baixas, com o
brasileiro contentando-se com condições de vida muitas vezes precárias. E há
também falhas no acesso a informações sobre essas condições, em particular por
questões educacionais, tudo isso demonstrando as dificuldades de avaliações
subjetivas. Estrangeiros que vêm ao Brasil também costumam apontar a cordialidade
do povo brasileiro, um sintoma de sua felicidade subjetiva.
Aqui o
noticiário sobre esse relatório não se voltou para uma questão importante, a de
comparar a posição brasileira com a de relatórios anteriores. Quanto a isso
encontrei o relatório de 2015, relativo ao período 2012-2014. Nele os dez
primeiros colocados eram os mesmos países do relatório mais recente, com
algumas mudanças de posição entre eles. Já nos dez últimos o grupo era outro,
com exceção de Síria, Ruanda e Burundi, que permaneceram, juntamente com Chade,
Guiné, Costa do Marfim, Burkina Faso, Afeganistão, Benin e Togo.
Nesse
levantamento o Brasil estava na 16.ª posição. Portanto, caiu 12 posições no
relatório de 2018. Creio que isso reflete principalmente o efeito da crise
econômico-social que desde o final de 2014 vem afetando o País. Tive a
curiosidade de olhar a Venezuela. Estava em 23.º no levantamento mais antigo e
caiu para 102.º no mais recente. Nicolás Maduro, mestre em fazer seu povo
infeliz, governa desde 2013.
Assim, mesmo
para quem admitir que o Brasil merece a boa posição que ocupa nesses dois
rankings de felicidade, essa queda deve ser mais um motivo de preocupação e de
engajamento na luta para que nossas condições de vida melhorem, sejam elas
avaliadas objetiva ou subjetivamente. No passo atual, a perspectiva é de piora.”
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