“Para bom
entendedor
POR MERVAL
PEREIRA
O recado da
Câmara foi para o governo Bolsonaro, mas a proposta de emenda constitucional
que já está conhecida como do “orçamento impositivo” só valerá, se aprovada no
Senado, para o próximo governo, a ser eleito em 2022. Além do mais, não se
trata de o Congresso impor um Orçamento ao governo, mas apenas tornar
impositivas as emendas das bancadas, como já são as individuais.
Portanto, não é
uma ameaça iminente, mas potencial, dá tempo para ser minimizada. O que não dá
para minimizar é a bagunça em que o governo está metido. A cada vez que o
presidente Bolsonaro abre a boca, uma crise se avizinha. Dizer que o presidente
da Câmara, Rodrigo Maia, está desestabilizado devido aos problemas de seu sogro
Moreira Franco, é querer colocar gasolina na fogueira.
Essa discussão
do Orçamento, aliás, deveria ser anacrônica, se já tivéssemos atingido um grau
de institucionalização política que permitisse Executivo e Legislativo se
entenderem acerca do documento básico de um governo, o Orçamento, que, em
qualquer lugar do mundo, tem que ser cumprido.
Aqui, é uma peça
de ficção, chamado de "autorizativo", isto é, o Executivo tem o poder
de não pagar certas despesas, fazendo o contingenciamento do montante
necessário ao cumprimento das metas fiscais. Em compensação, os legisladores
supervalorizam as receitas para aumentar os gastos das "emendas
parlamentares", que representam uma porcentagem da receita.
O que
historicamente foi a função básica do Parlamento, estabelecer as prioridades de
um governo, passou a ser um detalhe da atividade parlamentar. Deputados
experientes no Congresso consideram que o Legislativo corre o risco de se
tornar uma espécie de "puxadinho" do Poder Executivo.
Quem define o
Orçamento é o Executivo, e, se um parlamentar quiser alguma mudança, tem que negociar
com ele. Ou conseguir uma maioria para
derrotar o governo no plenário. Não foi sempre assim. Na Constituição de 1946,
os parlamentares podiam emendar o orçamento inteiro, como nos Estados Unidos. A
partir da ditadura militar, o orçamento passou a ser tratado como um decreto
lei.
O Congresso só
podia aprová-lo ou rejeitá-lo, não emendá-lo. E os deputados e senadores tinham
uma cota para dar verbas a entidades assistenciais. A Constituição de 1988
retomou o espírito da de 1946, com a capacidade de emenda do Congresso. Mas o
governo Collor, devido aos deputados alcunhados de “anões do orçamento”, que manipulavam as
verbas a favor de um pequeno grupo, permitiu que o Executivo voltasse a
centralizar o Orçamento.
A separação dos
poderes, criada na Constituição americana em 1789, é característica do presidencialismo. Existia na teoria, principalmente pela famosa obra de
Montesquieu “O espírito das leis”, e de forma incipiente na Inglaterra. Os EUA
formaram a primeira república constitucional do mundo moderno. A base é que
quem dá os rumos é o Congresso. Por isso, nega verbas a Trump para construir o
muro na fronteira do México e provoca uma paralisação geral do funcionalismo
público, até que o presidente desista ou chegue a um acordo com os que o derrotaram.
Sendo um Trump,
pode usar um instrumento excepcional, como o estado de emergência, para fazer o
que considera certo, mas o desgaste existe.
No
presidencialismo, um deputado, um senador não tem chefe, muito menos pode ser
subordinado ao chefe de outro poder, o Executivo. Por isso, para que um
parlamentar americano seja ministro, precisa renunciar ao seu mandato, e não
apenas licenciar-se.
Aqui, toda vez
que existe uma votação importante no Congresso, há uma corrida de deputados e
senadores ao Palácio do Planalto em busca da liberação de verbas, uma espécie
de chantagem implícita, ou submissão, situação que seria atenuada se os
partidos se guiassem por programas para participarem do governo. Mas no sistema
que vigora, e que Bolsonaro diz querer acabar, partidos recebem ministérios sem
mesmo saber qual é o programa que vão conduzir.
Num governo sem
“toma-lá-dá cá”, nem corrupção na veia para montar uma base parlamentar
majoritária, seria preciso que os membros do Legislativo e do Executivo se
respeitassem mutuamente, cada um na sua função. Mas, para isso, é preciso que
exista um programa de governo, e que a maioria seja formada em torno dele.”
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AGD
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