“Chicago,
Chicago
Por Monica De
Bolle
Prefiro a
interpretação de Frank Sinatra à de Tony Bennett, embora esse artigo não seja
nem sobre a música Chicago, nem sobre os crooners inimitáveis que a cantaram.
Trata-se, ao contrário, de uma breve análise sobre o Brasil, o Chile, os
Chicago boys, aquele grupo de missionários chilenos que tentaram transformar o
Chile na imagem de Milton Friedman, vencedor do Nobel de Economia em 1976. Os
Chicago boys andam na moda no Brasil por causa de Paulo Guedes, que estudou na
mesma universidade dos missionários, apesar de não exatamente na mesma época.
Andam na moda porque, no início dos anos 80 esteve Guedes no Chile por um tempo
para ver de perto o milagre do tratamento de choque friedmaniano. Tão em moda
andam que a Globonews apresentou ótimo programa recente intitulado Os Herdeiros
da Escola de Chicago.
Nem todo o
programa foi sobre o Chile e os Chicago boys, tampouco sobre Milton Friedman.
Mas, uma parte foi dedicada ao país e a esses homens devido ao outro homem que
hoje ocupa o ministério da economia. Milton Friedman, não há dúvida, foi
espécie de gigante intelectual na economia. Em 1963 publicou com a economista
Anna J. Schwartz um de seus principais legados, obra que analisava as crises
bancárias norte-americanas, em especial a que ocorreu durante os anos 30. A
grande contribuição dos dois foi apontar a insuficiência da resposta do banco
central dos EUA, o Fed, que pouco fez para restaurar os canais de crédito e
normalizar as condições financeiras, estendendo a crise muito além do
necessário, com graves consequências sobre o crescimento e a taxa de
desemprego. Essas e outras lições foram aprendidas por Ben Bernanke, dirigente
do Fed durante a crise de 2008 e ele próprio um estudioso da Grande Depressão.
Com Friedman e suas próprias pesquisas havia entendido que o banco central deve
utilizar todo o arsenal à sua disposição quando há uma crise bancária
sistêmica. Graças a ele – e a Milton Friedman antes dele – o impacto da grande
crise de 2008 não foi ainda mais severo para os EUA e para o mundo.
Friedman, entretanto,
ficou mais conhecido por suas teses a respeito daquilo que Ronald Reagan
chamaria anos depois de “a magia dos mercados”: o conjunto de modelos que
Friedman e coautores desenvolveram nos anos 60 revelava o poderoso papel que os
mercados livres de interferências estatais poderiam desempenhar. Embora muitos
até hoje tenham se agarrado a essas teses como exemplo de como a ciência
econômica era algo que se desenvolvia sem qualquer contaminação política, o
contágio era mais do que óbvio. Entre as décadas de 60 e 80 o mundo atravessava
o auge da Guerra Fria e a necessidade de encontrar modelos que se
contrapusessem ao estatismo soviético era mais do que urgente. Portanto,
Friedman e seus seguidores foram influenciados pela busca por algo que pudesse
representar o oposto econômico do ideário soviético. Encontraram no Chile dos
anos 70 o laboratório ideal para pôr suas ideias em prática. Para lá foram os
Chicago boys, grupo de economistas chilenos que haviam recebido bolsas de
estudo para estudar com Friedman e outros economistas de linha ultraliberal. De
volta ao Chile após o golpe de 1973, puseram as ideias para funcionar. Do
tratamento de choque friedmaniano – forte ajuste fiscal, privatizações,
abertura da economia, dramático corte do funcionalismo público – sobreveio,
primeiro, uma contração do PIB de 13%, em 1975. Contudo, dois anos depois, a
economia cresceria 10% com queda brusca da inflação e do desemprego. Foi mais
ou menos assim até 1982 e 1983, quando o PIB do Chile encolheu 11% e 5%,
respectivamente.
Com a brutal
recessão e a alta do desemprego, os Chicago boys perderam prestígio e cargos no
governo do ditador Augusto Pinochet. O desemprego só voltaria a ficar abaixo de
dois dígitos novamente em 1995, dez anos mais tarde. A ironia de ter-se tentado
aplicar o ultraliberalismo no mais opressor dos regimes é óbvia. As falhas das
teses simplórias sobre o funcionamento da economia, também.
Hoje estamos
rediscutindo no Brasil algumas dessas teses simplórias. É evidente que o ajuste
fiscal é necessário, que privatizações são bem-vindas, que a abertura da
economia é urgente, que o Estado é inchado. No entanto, os problemas
brasileiros são bem mais complicados do que isso e a economia política da
adoção de medidas e reformas não é para amadores. Caminhamos sem susto para o
PIB potencial de 1,5% ao ano. E isso com reformas diluídas. Isso, no melhor dos
casos. Isso com o nosso Chicago boy.”
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