“Pobre Brasil do
aqui e agora
Por Fernando
Gabeira
O que fazer
quando o presidente e o chanceler de seu país dizem, em Israel, que o nazismo
foi um movimento de esquerda? O ideal é dar de ombros e seguir na vida
cotidiana. Essas afirmações bombásticas são feitas para provocar debate. Não
tenho tempo para ele.
Sinto muito
pelos professores de História no Brasil. Terão de explicar como um movimento de
esquerda invadiu a União Soviética, uma espécie de meca da esquerda mundial
naquele período. E como milhões de pessoas morreram a partir desse fogo amigo.
Os professores
de História terão de se consolar com os de Geografia, que ainda acham que a
Terra tem uma forma arredondada. São colegas com uma tarefa mais dura: explicar
que a Terra não é plana, como querem os novos ideólogos.
Estamos passando
por uma revisão completa. Seus autores se acham geniais. O chanceler Ernesto
Araújo disse que o nazismo é de esquerda, dentro do Museu do Holocausto, em
Israel. Ali, o nazismo é considerado um movimento de extrema direita.
Mas o chanceler
disse que há teorias mais profundas. Os judeus, que sofreram com o nazismo e
ergueram um museu para lembrar suas vítimas, são superficiais: ainda não
descobriram a verdade das obscuras teorias conspiratórias que embalam o governo
brasileiro.
A direita
embarca na canoa usada pela esquerda no passado recente. Não há mais respeito
às evidências ou provas científicas. O que importa é a versão. Não houve desvio
de dinheiro público, apenas procuradores e juízes perseguindo honestos
políticos.
Eles convergem
na tentativa de conformar os fatos às suas convicções ideológicas. O que foi
aquela gritaria na Câmara? Nada mais que uma aversão compartilhada à palavra
tchutchuca.
Suspeito que
direita e esquerda são machistas da mesma maneira que suspeito que a Terra seja
arredondada, e o nazismo tenha sido um movimento de extrema direita. Tenho
pavor dessas gritarias noturnas na Câmara. Na minha época descobri: servem
apenas para prejudicar o sono. Saem todos tensos e irados e têm dificuldade em dormir.
Só isso.
Uma reforma da
Previdência é coisa séria. É possível alterar a proposta do governo. Mas é
muito difícil negar a importância de alguma reforma, antes que a Previdência
quebre como na Grécia.
Há mais de um
século a esquerda desenvolve suas técnicas de provocação. Guedes precisa mais
que o curso de alguns dias para enfrentá-la com êxito.
Minha
experiência mostra que nessas constantes trocas de insultos, sempre alguém vai
insinuar que o outro é gay. Com o tempo, certas pessoas se acostumam. É o meu
caso. Tive a sorte, como na música de Cazuza, de ser chamado de viado e
maconheiro. O único problema era ser chamado de apenas um desses dois nomes.
Ficava esperando o outro como se estivesse faltando algo.
É como a piada
de um homem que vivia no andar de baixo, e todas as noites o vizinho de cima
chegava meio bêbado e tirava as botas ruidosamente. O homem reclamou. O bêbado
voltou do botequim, jogou a bota esquerda com força, mas se lembrou do vizinho.
Tirou a bota direita com muito cuidado, silenciosamente. O vizinho de baixo não
dormiu esperando que ele jogasse a outra.
Todas aquelas
pessoas xingando as outras na Câmara: não há nada de pessoal naquilo. Apenas
histeria política.
É preciso
superar logo essa fase de sensibilidade à flor da pele. Entender que é o país
que está em jogo. E não depende apenas da reforma da Previdência.
A política
externa toma um rumo radical, sem que o tema seja discutido adequadamente no
Congresso. Nesse sentido, é uma política tão autoritária como a que nos ligou
ao bolivarianismo. Não expressa a visão nacional.
O Ministério da
Educação não funciona. Todos as semanas demitem e contratam. A ida do ministro
Vélez à Câmara mostrou que não tem projeto. Exceto o de reescrever sua parte da
história do golpe militar. Ele é modesto diante do chanceler que quer
reescrever a história da Segunda Guerra Mundial e levar sua mensagem cristã a
todos os recantos do mundo.
O velho cardeal
Richelieu já dizia no século XVII: o homem é imortal, sua salvação está no
outro mundo. O Estado não d ispõe de imortalidade: sua salvação se dá aqui ou
nunca.”
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