“Uma Lava Jato
para a educação?
POR JOSÉ
GOLDEMBERG
Uma das mais
surpreendentes propostas de membros do novo governo da República é a de começar
a enfrentar os notórios problemas da educação no País por meio de uma
investigação do tipo da Lava Jato. Essa investigação, graças à coragem e
firmeza do então juiz Sergio Moro, teve sucesso em identificar a corrupção na
administração pública e em estatais – principalmente na Petrobrás –, que teve
sérias consequências no desempenho dessas empresas.
Contudo atribuir
à corrupção todos os males da República e a profunda recessão econômica que o
País atravessou é um exagero. O que provocou a crise foi a adoção de políticas
equivocadas e demagógicas, que causaram danos às empresas públicas e ao País
muito maiores do que as comissões cobradas por corruptos para enriquecimento
pessoal ou para alimentar campanhas políticas.
Um exemplo na
área de educação é o programa Ciência Sem Fronteiras, do governo Dilma, em que
foram gastos mais de R$ 10 bilhões enviando ao exterior milhares de estudantes
despreparados e pagando às universidades estrangeiras elevadas taxas de
inscrição. Esse programa ignorou o profícuo trabalho que o CNPq e a Capes fazem
há muitos anos no envio de estudantes de pós-graduação e pesquisadores ao
exterior. Não houve corrupção no programa, ao que se saiba, mas ele provocou
sérios prejuízos desvirtuando o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico, que afetou todas as atividades de pesquisa no País.
É por essa razão
que tentar melhorar a educação brasileira procurando “culpados” pelos problemas
que enfrenta tem um caráter policialesco primário que pode produzir manchetes
nos jornais, mas não vai resolvê-los.
Não há grandes
obras que interessem aos empreiteiros no Ministério da Educação, que gasta mais
de 90% dos seus recursos com salários, a maior parte nas universidades
federais. O Ministério da Educação é, na prática, um “ministério das
universidades”, tendo abandonado, na prática, o ensino fundamental e o médio,
que são de responsabilidade dos municípios e dos Estados, mas que não conseguem
fazê-lo de maneira adequada.
Atualmente, mais
de 25% dos recursos da União, dos Estados e municípios são, por dispositivo
constitucional, destinados à educação em todos os níveis (pré-escola, ensino
fundamental, médio e superior). Esses recursos são vultosos, cerca de R$ 500
bilhões por ano, e aumentaram substancialmente desde o ano 2000. Representam
cerca de 5% do produto bruto nacional, o que é igual ou até mais do que a
fração que os outros países colocam em educação, mas, evidentemente, não
resolveram os problemas: apenas cerca de metade dos jovens que ingressam no
ensino fundamental aos 7 anos chega ao ensino médio aos 15 anos; destes apenas
60% chegam ao fim do ciclo aos 18 anos.
A baixa renda
das famílias brasileiras obriga muitos jovens a abandonarem a escola para
trabalhar. Este é um verdadeiro genocídio aplicado aos jovens do nosso país. Os
problemas do ensino fundamental refletem-se no acesso às universidades
públicas. A maioria tem de ir para universidades privadas, que cobram altas
mensalidades. É isso que dá origem aos problemas com cotas e toda uma falsa
discussão sobre equidade social no País.
A quase
totalidade dos recursos é gasta com pessoal, mas o salário médio mensal dos
professores do ensino fundamental e do médio é cerca da metade do que ganham
profissionais em funções comparáveis em outras atividades. Não é de
surpreender, portanto, que a carreira docente nesses níveis não seja atrativa
do ponto de vista salarial. Isso tem consequências sérias, porque levou ao
desprestígio da profissão de professor, que foi elevada no passado, quando o
sistema educacional era muito menor.
O que fazer,
então, em curto prazo para melhorar a educação fundamental com os orçamentos
limitados dos Estados e municípios, já que dificilmente eles poderão aumentar a
não ser retirando recursos de outras áreas também carentes, como saúde e
segurança?
Só a
racionalização no uso dos recursos e a melhoria das condições da economia
poderiam fazê-lo.
Apenas para dar
um exemplo, no Estado de São Paulo a evolução demográfica mostra que seria
possível aumentar o número de alunos por sala de aula. O número de jovens que
frequenta a escola fundamental no Estado caiu à metade, de 3,8 milhões para 1,9
milhões, do ano 2000 para 2017, mas o número de professores manteve-se
praticamente o mesmo. Além disso, muitos se encontram em licença médica ou fora
das salas de aula, nas áreas administrativas da secretaria, que é uma forma de
melhorar sua situação salarial o que não beneficia o aprendizado dos alunos.
Aumento salarial
geral para os professores, que é a reivindicação permanente dos sindicatos, só
pode dar resultados positivos na melhoria do ensino se for associado ao
desempenho dos professores. Experiências em outros países onde apenas os
salários dos professores foram aumentados significativamente não melhoraram o
aprendizado.
Medir esse
desempenho é tarefa complexa, como experiências prévias em outros países
indicam. Existe, porém, uma variedade de instrumentos para fazê-lo, como a
observação da qualidade das aulas, entrevistas pessoais, relatórios do diretor
da escola, pesquisas com os alunos e as famílias e até autoavaliação. Isso foi
feito no Chile, no Equador, no México e no Peru com excelentes resultados.
Nesses países o aumento salarial foi feito associando aumentos ao desempenho
dos alunos e professores.
Não é a busca
por corrupção ou uma mudança cosmética dos currículos que vai resolver os
problemas educacionais no País. É na gestão do sistema que está o problema, e
não na procura de culpados ou em discussões filosóficas sobre teorias
educacionais.”
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