“Construir, não destruir
Por Eliane
Cantanhêde
Muita coisa
começou a fazer sentido quando o jovem Filipe Martins, assessor internacional
da Presidência e amigo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, publicou no
Twitter: “O establishment acusou o golpe. Eles estão com medo. É hora de
continuar batendo no sistema sem parar, sem precipitar e sem retroceder”.
O que é o
“establishment” a ser combatido? O Congresso, o Supremo e a mídia independente.
Isso lembra alguma coisa? Sim, lembra a Venezuela de Hugo Chávez, com sinal
trocado.
Chávez, coronel
da reserva do Exército, aliou-se às Forças Armadas e a parte da esquerda para
combater o establishment e implantar um regime ao seu gosto. Bolsonaro, capitão
da reserva, atraiu os militares, a direita e os conservadores para criar uma
“nova era”.
Logo, não se
trata de direita e esquerda. Em duas democracias cheias de problemas e vícios,
a liga política pró-Chávez e pró-Bolsonaro foi possível em torno de costumes,
nacionalismo e combate à corrupção. Só que a guinada aqui conta com um arsenal
de guerra mais poderoso que os Sukhoi russos de Chávez e Maduro: as redes
sociais.
A destruição da
Venezuela começou com ataques frontais e uma intensa propaganda contra
parlamentares, funcionários, ministros da Alta Corte, jornalistas, e aqui tudo
isso é ainda mais rápido, mas as instituições são mais sólidas. Lá, não sobrou
nada. A Venezuela vai demorar décadas para se recuperar.
Como Chávez,
Bolsonaro também se alia estrategicamente com o capital e as forças de combate
à corrupção. Entram aí as figuras decisivas de Paulo Guedes e Sérgio Moro, que
são legítimos integrantes do establishment, mas ampliam aliados e conferem
grandeza e bons propósitos ao regime.
Guedes é um
economista liberal que passou a vida ao largo do setor público e está
determinado a repor o Brasil nos trilhos do desenvolvimento. Moro é um juiz que
atuou sempre no setor público e se apegou à chance de ampliar a Lava Jato para
nível nacional e contra o crime organizado.
Desde a
campanha, o economista Pérsio Arida, um dos cérebros mais brilhantes de sua
geração, já questionava como poderia funcionar a aliança Bolsonaro-Guedes. O
histórico do agora presidente expõe uma alma corporativista, estatizante e
nacionalista à antiga. Já seu ministro da Economia é o oposto: liberal,
privatizante, globalizante.
Logo, não é
surpresa Bolsonaro despejar a reforma da Previdência no Congresso e lavar as
mãos, enquanto Guedes se esfalfa com o deputado Rodrigo Maia, outro liberal do
establishment, para fazer a reforma acontecer e “salvar o futuro dos nossos
netos”.
Quanto a Moro,
ronda uma dúvida: a Lava Jato, que foca políticos, partidos e grandes
empresários, está em que lado dessa guerra dos bolsonaristas contra o
establishment? Vai manter sua ação contra vícios, métodos, desvios e seus
agentes, ou vai usar sua ação para engrossar o exército de Bolsonaro, seus
filhos, gurus, apadrinhados e soldados da internet contra o Judiciário, o
Legislativo, a mídia?
Moro é caladão,
discreto, determinado, mas é um atento observador e acaba de orientar “os
meninos” a baixarem a bola para a Lava Jato não assumir um lado nessa guerra.
Os meninos são os procuradores, à frente Deltan Dallagnol.
Se há um
exército contra as instituições, surge outro para protegê-las. Quem tem
discernimento nos dois lados quer mudança, mas sem implodir Congresso,
Judiciário, mídia. A reação de Rodrigo Maia contra ataques à política não é
pessoal, é institucional. Ao resistir às crescentes agressões a ministros, Dias
Toffoli blinda o Supremo. E Moro defende negociação: “Precisamos construir, não
destruir. Ou nos unimos na beira do precipício ou nos encontramos juntos no
fundo do abismo”.
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AGD
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