“Conceitos de
política
POR DENIS LERRER
ROSENFIELD
O ambiente
político não anda conturbado tão somente por razões acidentais ou de
inexperiência dos atores políticos, mas tem uma causa mais profunda,
consistente no modo de compreensão da política. O atual governo age segundo um
conceito de política baseado na oposição amigo/inimigo, em que o outro é visto
como alguém que deve ser desqualificado e aniquilado. Outro conceito de
política residiria na consideração do outro enquanto adversário, suscetível de
ser convencido, e não suprimido. Denominemos o primeiro conceito de política de
totalitário e o segundo, de democrático.
Totalitário
porque foi elaborado por um teórico do nazismo, Carl Schmitt. Segundo essa
acepção, a esfera da política seria uma espécie de arena de luta até a morte
entre amigos e inimigos. Os amigos são os que compartilham a mesma concepção,
enquanto os inimigos são os que dela divergem. A crítica, nesse sentido, não é
aceita, pois significaria uma espécie de rompimento da concepção vigente ou que
está sendo imposta. Instituições que exigem a composição e a negociação, como
Parlamentos, são, portanto, tidas por impróprias, decadentes ou corrompidas.
Transplanta-se,
assim, para esfera da política a lógica militar da guerra. Nesta, exércitos se
enfrentam buscando a derrota do outro, impondo-se o poder da força. Tal acepção
vale também em casos de guerra civil, quando, na ausência de composição
interna, as forças contendoras entram em conflito aberto, recorrendo às armas.
A política fica a reboque de sua acepção militar.
O conceito
democrático de política, por sua vez, foge do conceito de guerra ao inimigo,
pautando-se pelo reconhecimento do outro como detentor de igualdade política.
Não está em seu escopo o aniquilamento do outro, uma vez que sua forma de
atuação reside na instituição parlamentar, na separação de Poderes e na
liberdade de opinião e expressão. Eis por que a democracia representativa preza
as instituições que são espaços de negociação, de convencimento e, mesmo, de
judicialização das divergências.
A política
bolsonarista, em seu período eleitoral, regeu-se por essa acepção excludente da
política, usando e abusando da retórica do inimigo a ser desqualificado, cuja
forma mais significativa foi o emprego da oposição “nova/velha política”. A
“nova” seria a dos virtuosos, dos não corruptos, dos bons, que se oporiam a
todos e a tudo que está aí. Os políticos e os partidos foram, então, tidos por
algo a ser desprezado e posto de lado. Nesse sentido, as redes sociais foram um
instrumento particularmente adequado, pois dados a sua economia de palavras e o
seu modo de expressão, prestam-se, particularmente, ao enfrentamento e ao
ataque. Elas funcionariam segundo a oposição amigo/inimigo.
Observe-se que a
política petista empregou idêntico conceito de política. Lula utilizava a mesma
oposição amigo/inimigo sob a forma das oposições excludentes, entre
“conservadores e progressistas”, “direita e esquerda”, “nós e eles”. Atente-se
para o conceito de política que ganha essas diferentes formas narrativas, que
foram o sustentáculo dos governos petistas. Lula tinha incomensurável desprezo
pelo Congresso, pelos partidos e pelos parlamentares. Ora eram picaretas, ora
companheiros de negociatas.
No governo,
pautado por instituições democráticas, o presidente Bolsonaro seguiu
predominantemente a utilizar o mesmo conceito de política que lhe tinha sido
tão benéfico na campanha eleitoral. Seu grupo próximo, constituído de civis,
continuou empregando as redes sociais da mesma maneira, terminando por produzir
conflitos incessantes com políticos e partidos. Evidentemente, estes não se
reconhecem nessa forma de fazer política, uma vez que são considerados
representantes da “velha política”, como se fossem, por isto mesmo,
desqualificados e corruptos. O resultado é palpável: o governo não consegue
negociar e, portanto, não avança em suas pautas reformistas na esfera
legislativa.
Ora, a
negociação faz parte da atividade parlamentar e executiva, é uma forma
específica de fazer política, no Brasil e alhures. Não há nada de ilícito em
que um parlamentar negocie recursos para a sua base eleitoral, sob a forma de
creches, postos de saúde e escolas. O problema está no desvio desses recursos
para o bolso do parlamentar, questão que pode ser equacionada com uma
fiscalização eficiente.
Acontece,
todavia, que a narrativa bolsonarista identifica a negociação com algo a ser
descartado. Tal política enquadra-se, sobretudo, em sua pauta conservadora,
baseada em fundamentos religiosos. Ela se torna propícia para a oposição entre
amigos e inimigos, sob a forma dogmática dos bons e dos maus, dos virtuosos e
dos pecadores.
Do mesmo modo, o
teórico dos bolsonaristas, Olavo de Carvalho, conforme a sua teoria mundial
conspiratória, está sempre procurando inimigos para serem desqualificados, na
medida em que essa concepção vive da reiteração de tal oposição. O desprezo
pela pauta liberal no campo moral e econômico é sua consequência natural.
Volta-se para o velho nacionalismo, contra a ideia liberal de globalização,
como se a pauta conservadora devesse ter o primado sobre a reformista. Daí
surgem as posições antiestablishment, como se a narrativa governamental devesse
ser a de uma mobilização constante da sociedade, em que os amigos e os
inimigos, os bons e os maus estariam perpetuamente se enfrentando.
Os militares no
governo Bolsonaro estão sendo um exemplo de moderação e ponderação. São abertos
à negociação e à composição, mostram-se firmes partidários das instituições
democráticas. Note-se que, por formação, estariam mais propensos a adotar a
política como forma de oposição entre amigos e inimigos, uma vez que essa é a
forma da guerra para a qual foram e são treinados. Ou seja, é um grupo de civis
que segue a lógica da guerra, enquanto os militares seguem a lógica civil da
democracia.”
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