“O tempo de
Bolsonaro
Por William
Waack
No universo da
física newtoniana no qual vivemos o tempo tem uma medida padrão igual para todo
mundo. Não é a que vale para os cem dias de Jair Bolsonaro na Presidência. O
tempo da política nem sempre combina com a duração das unidades do tempo
cronológico. Para o atual governo, o tempo subjetivo correu muito mais rápido.
Essa rapidez na
passagem do “tempo político” é em função de dois fenômenos separados, mas que
andam de mãos dadas. Um é o grau de expectativa do público em geral frente ao
governo que prometeu mudar o País em prazo recorde. O outro é o grau de
intolerância e descrédito com que o mesmo público em geral encara a política.
Jair Bolsonaro incentivou e continua incentivando os dois fenômenos.
Não adianta,
como integrantes do governo tentam, enumerar medidas, decretos, projetos,
propostas ou nomeações como forma de “provar” que as coisas andaram rápido. Nem
adianta se queixar de “impaciência” por parte de milhões de pessoas que
abraçaram a forte ilusão, reiterada em campanha eleitoral, segundo a qual o
capitão resolveria logo o pelotão de problemas.
Serve menos
ainda no atual ambiente político argumentar – tema recorrente nas redes sociais
mantidas em estado de permanente efervescência – que o governo herdou um País
arrebentado por sucessivas administrações perdulárias. E que dez, ou 20, ou 30
anos de incompetência não se revertem em uns três meses. É como esperar que o
apego subjetivo e emocional à esperança de mudança imediata seja transformado
numa postura calma e racional por quem grita há meses “temos de acabar com tudo
o que está aí”.
São conhecidos e
foram tratados exaustivamente por toda parte os problemas do governo para lutar
na batalha da comunicação, na articulação política para aprovação de reformas,
na coordenação de suas prioridades, no estabelecimento de estratégias, na
escolha entre as diversas (e até antagônicas) forças políticas que o sustentam
– nisso incluindo a personalidade do presidente e a influência aberta ou velada
de entes familiares que o cercam.
Em parte as
dificuldades resultam de frases de campanha eleitoral que se transformaram em
armadilhas conceituais. A principal delas é a diferenciação, totalmente falsa,
entre “velha” e “nova” política, quando o que existe é política, à qual pode se
dedicar um governante com maior ou menor competência. Em parte as mesmas
dificuldades resultam do famoso “modo negação”: é quando o governante,
relutando em enfrentar os dados da realidade, atribui a um sujeito oculto ou a
uma nebulosa conspiração os obstáculos que não consegue superar (como articular
eficientemente uma base de apoio no Legislativo, por exemplo).
Mas talvez a
maior dificuldade tenha sido encarar o fato de que o tempo, especialmente o
psicológico, mas também o cronológico –, está trabalhando contra, e não a favor
do capital político conquistado com a vitória eleitoral em 2018. Há uma urgente
necessidade de se atacar questões de curtíssimo prazo e enorme impacto, como a
da reforma da Previdência, que não parece refletida na organização e
coordenação dos esforços políticos do governo – notório, até aqui, em dissipar
parte da energia em temas irrelevantes para lidar com um sufoco como o da crise
fiscal.
Um dos efeitos –
positivo do ponto de vista da necessidade de aprovação de reformas
estruturantes – desse período inicial de impaciência e franca intolerância é a
mobilização de várias camadas de elites (política, militar e empresarial) para
dar um sentido e direção práticos ao que o governo prometeu fazer e, na
percepção generalizada, está gastando tempo subjetivo demais. É a promessa de
libertar um país de suas próprias amarras.”
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