Por Zezinho de Caetés
Ainda repercute na imprensa na eleição do Donald Trump, nos
Estados Unidos. Dizem que, junto com o Brexit, que foi a aprovação da saída do
Reino Unido da Europa, foram as maiores surpresas do século XXI, pelo menos até
agora.
E a grande discussão é se o Trump vai fazer ou não o que ele
prometia na campanha. Se for, a indústria de cimento, tanto no México quanto
nos EEUU, vão florescer, pois, vocês já pensaram quanto se gastará de cimento e
também tijolos para construir um muro na fronteira entre os dois países?
Eu penso que o Trump poderá até tentar, mas, o chamado “establishment”, envolvendo múltiplos
interesses, não irá permitir, pois incluem as empresas americanas que hoje
vivem no exterior e enganam o povo americano com o “Made in USA”. Hoje o
processo de globalização é tão poderoso que se corre o risco de comprar sapatos
brasileiros em Nova York e achá-los melhores do que os brasileiros.
Vejam abaixo transcrito o texto do Carlos Alberto Sardenberg
para ver onde estão os nós da
questão, inclusive aquela a que ontem me referi sobre a classificação entre
esquerda e direita do mundo político. O título do texto é: “Os EUA meio atrapalhados” (O Globo), e
tenta ver quanto esta classificação hoje pode estar ultrapassada.
Trazendo a questão para o Brasil, vem a primeira pergunta
chave: “O Lula é de esquerda ou de
direita”. Para quem o conhece, como eu, sabe que esta classificação para
ele é simplesmente inaplicável. Ele diz que ama o pobre como ele próprio e por
isso talvez tenha tentado ficar rico porque “ninguém é de ferro”. Ou seja, defender pobre é bom para subir ao
poder, pelas próprias regras democráticas de que cada pessoa é um voto.
E esta é a pergunta que poderá ser feita em relação ao
Trump: “O Trump é de esquerda ou de
direita?”. Eu não conheço o Trump mas talvez ele ama os ricos como a ele
próprio e não quer ser pobre de jeito nenhum porque “ninguém é trouxa”. E lá nos EUA o voto popular não conta tanto
quanto aqui. Vejam que a Hillary ganhou as eleições no voto popular, mas perdeu
no colégio eleitoral.
Lá já se sabe, pela própria pujança do regime democrático
americano, que não é o “voto formiguinha”
que conta, e, pelo jeito, eles não estão pensando em mudá-lo tão cedo. Aqui,
ainda se tenta enganar o distinto público de que o governo Temer é golpista
porque a Constituição foi cumprida mas não houve eleição, quando o que importa
é destino do Brasil, que é algo muito importante para ser deixado para
estudantes secundaristas resolverem, ocupando escolas.
Bem, li hoje que a Operação Lava Jato lançou mais uma de
suas fases. Agora é Operação Dragão, e dizem que está botando fogo pelas
ventas. Espero que amanhã possamos fugir do Trump e pensar em nossos problemas,
que são muitos. Fiquem então com o Sardenberg, que eu vou meditar sobre as
consequências da PEC do fim do mundo,
que ontem também foi aprovada, para evitar o fim do Brasil.
“Pelos padrões tradicionais, nos países desenvolvidos, a esquerda
aumenta impostos dos mais ricos e das empresas para gastar em programas
sociais; a direita reduz impostos das corporações e dos mais ricos, na
expectativa de que as primeiras invistam e os segundos consumam mais, gastando
assim na economia real o que deixam de enviar para o governo. A esquerda quer
distribuir renda e fazer justiça social. A direita acha que o gasto de
corporações e ricos gera mais negócios e, pois, mais empregos.
A esquerda acha que é preciso proteger os trabalhadores e os
empresários nacionais, restringindo importações e investimentos externos. A
direita pensa o contrário, que fronteiras abertas estimulam positivamente a
competição.
Esquerda, na Europa, são, ou melhor, eram os partidos trabalhistas,
socialistas, social-democratas etc. Nos EUA, o Partido Democrata. Direita, na
Europa, eram os partidos conservadores, com nomes variados, até como o Partido
Popular da Espanha. Na Europa, liberal é da direita. Nos EUA, é da esquerda.
Já faz tempo que é difícil classificar os movimentos políticos com
aquelas categorias. A globalização e a vida moderna trouxeram fatos que
bagunçaram os conceitos tradicionais.
Nos anos 90, por exemplo, liberais à EUA, como Bill Clinton, e
trabalhistas europeus, como Tony Blair, foram campeões de medidas pró-mercado —
desregulamentação, reformas, privatizações etc. — e pró-globalização, com a
assinatura de acordos mundiais e regionais de livre comércio. Era a nova
esquerda, diziam.
Os anos foram passando e a globalização/livre comércio produziu seus
efeitos. Gerou um fortíssimo crescimento econômico global, dos anos 90 até a
crise financeira de 2008/09. O comércio mundial chegou a crescer mais de 10% ao
ano — hoje, se cresce, já está mais que bom.
A globalização deslocou fábricas para os países emergentes, que também
se tornaram ganhadores. Exemplo principal, a China. Mas todo o mundo emergente
cresceu a taxas vigorosas. Milhões de pessoas deixaram a zona de pobreza,
surgiram as novas classes médias.
Mas também apareceram os perdedores. Considere os EUA. Foi o país que
melhor surfou na onda global. Ali surgiu a indústria do século XXI, toda ela em
torno da tecnologia da informação: Microsoft, Google, Amazon, Facebook, Apple.
Mas dali partiram as fábricas de automóveis, eletrônicos e vestuário, que foram
para a Ásia e América Latina.
O iPhone traz a inscrição: “Projetado pela Apple na Califórnia. Montado
na China”.
É o exemplo perfeito: a inteligência da coisa está na Apple da
Califórnia (repararam, nem citam os EUA); a parte mecânica, a fundição e a
montagem das peças estão na China, em geral, nem citam o nome da fábrica, pois
o aparelho pode ser montado em várias ou em qualquer uma.
Do que o consumidor pagar no celular, 90% acabam ficando para a Apple.
Mas Detroit das fábricas de automóvel ficou parecida com uma cidade
fantasma. A morte de uma indústria, nos países desenvolvidos, golpeou a classe
média trabalhadora, colarinhos azuis, operários sem curso superior, homens e
mulheres de mais idade, que não se conseguiam se adequar aos novos tempos.
Enquanto as coisas avançavam, os protestos antiglobalização não
prosperavam. Mesmo a chegada de imigrantes aos países mais prósperos passava
sem problemas. Tinha emprego para eles. Até que veio a crise de 2008/09, que
espalhou recessão mundo afora.
Todos perderam, mas os que já eram perdedores sofreram muito mais.
Esses perdedores elegeram Donald Trump, assim como votaram pelo Brexit.
É simples assim, mas também mais complicado. Por exemplo, ao mesmo
tempo que elegeram Trump, os americanos aprovaram a liberação da maconha em
muitos estados.
Aparentemente, não combina. Os eleitores de Trump são conservadores,
interioranos, contra o aborto, o casamento gay e as drogas.
Mas, pensando bem, são votos diferentes, mostrando agendas diferentes.
Os eleitores de Trump querem fechar as fronteiras no sentido amplo: de
construir muros a cortar importações e barrar imigrantes. É a principal
promessa de Trump — o protecionismo populista.
O outro voto é da parte da sociedade que se chamaria hoje liberal. Esta
agenda avança, mas agora, nos EUA, enfrentará mais bloqueios.
Quanto ao protecionismo, nacionalista-populista, de Trump, disso
sabemos bem por aqui: não funciona. Protege alguns empregos, mas a perda de
produtividade breca o crescimento. E pode terminar em inflação, pelo aumento de
custos da importação, por exemplo, e pela perda de competição.
Não há como transferir as montadoras de iPhone para os EUA. Vai ficar
mesmo mais caro.
Se é mesmo que Trump vai conseguir fazer o que disse. Mas de direita,
ele não é. Antigamente, protecionismo nacionalista era de esquerda. Mas Trump
de esquerda?
Digamos que o eleitor americano tinha motivos para se equivocar.”
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