Cemitério de Santa Marta - Bom Conselho - PE |
Por Lucinha
Peixoto (*)
Houve um
tempo em que o Dia de Finados era dedicado aos mortos. Modernamente, aqui no
Brasil, ele é dedicado aos vivos. E quando cai numa segunda ou sexta feira,
gerando os "feriadões", o mundo é só dos vivos. Ao invés de se ir ao
cemitério se vai à praia.
Dizem, os que
contam a história, que desde o século 1º os cristãos homenageiam seus mortos
visitando seus túmulos e rezando por eles. A Igreja Católica, desde o século 4º
já os reverenciava em missas celebradas para este fim e, a partir do século 5º,
já os dedicava um dia por ano. No entanto, foi só a partir do século XIII que
foi instituído o dia 2 de novembro como a data para esta homenagem. O dia 2 foi
escolhido porque o dia anterior, 1º de novembro, é dedicado a Todos os Santos,
no qual se celebram todos que morreram em estado de graça e não foram
canonizados. No dia de finados se celebram todos que morreram e não foram
lembrados no dia 1º. Como está cada dia mais difícil morrer em estado de graça,
reza-se pouco no dia 1º, e descarregam-se todas as rezas no dia 2 de novembro.
Em Bom
Conselho, na minha meninice, lembro de várias vezes que acompanhei minha mãe ao
cemitério para visitar o túmulo de vovó. Como sói acontecer, os cemitérios,
para economizar espaço e talvez tempo de quem visita os mortos, ou se
verticalizam ou, como era o caso de vovó, sepultam-se várias pessoas no mesmo
lugar desde que se passe o devido tempo. Sempre uma reza vale para várias
pessoas. E minha mãe ia rezar quase todos os anos. Eu ia junto.
Todos já
sabem que neste Blog, a maioria, de quem escreve, já tem suas falhas de
memórias. Alguns mais outros menos. Isto é normal porque, quase todos já se
beneficiam do Estatuto dos Idosos, ou estão chegando lá como nosso Diretor
Presidente. A Eliúde diz que ainda não pagou meia entrada no cinema, eu não sei
não.... Então, apesar de ter ido várias vezes no nosso Cemitério de Santa
Marta, lembro só de umas poucas. Ir para Santa Marta ou ir para
Cidade-de-Pé-Junto, significava o mesmo itinerário em Bom Conselho, embora, no
Dia de Finados fosse uma alegre caminhada.
Lembro de um
dia triste, embora de modo um tanto vago. Dia do enterro de Paulo Correia.
Fomos numa fila, fardados, como alunos do Ginásio São Geraldo. Não me lembro de
onde saímos. Recordo a chegada, pelos choros e desmaios. Era aluna de D.
Josemir Torres, que a partir desta morte, e não sei se devido a ela, teve uns
problemas de saúde e nós fomos entregues a D. Zuleide. Eu era uma aluna recente
no Ginásio e para quebrar a tristeza da morte, narro outro fato da vida
escolar.
No fim do ano
como aluna de D. Zuleide, parece que era no segundo primário, fomos todos
convidados à sua casa, onde foi servido um pudim, hoje sei, de leite
condensado. Até agora jamais encontrei ou provei algo tão bom. Concluindo que o
primeiro pudim a gente nunca esquece, ficando na minha mente como o pudim de D.
Zuleide.
Voltando à
vida de alegria do Dia de Finados, no qual se trata dos mortos não por sua
perda mas pela saudade, tão bem definida por Caliel, que eles deixam, conto
outro caso de que nunca esqueço.
O ano foi
apagado pela memória, mas era um domingo. Dia de Finados caiu num domingo. Hoje
seria uma reclamação total. Não haveria “feriadão”. Brevemente, quando isto
ocorrer, nossos legisladores o passarão para o dia 3, pois o importante são os
vivos e não os mortos. Que era domingo, jamais esquecerei, pois tinha ido à
missa da 9:00 na Matriz.
Ao sair, com
as mesmas colegas com que ficava conversando na Igreja, fomos por insistência
de uma de nós a uma Sorveteria, que abrira recentemente. O proprietário era o
Dr. Padilha. Neste dia, não sei o que tinha feito de bom, minha mãe tinha me
dado alguns “mil réis” (já era
cruzeiro, mas muitos ficavam ainda no “mil
réis"). Era alinhada a sorveteria, tinha mesas e cadeiras novas e uns
balcões coloridos que eram as próprias máquinas de fazer sorvete. Por trás
deles ficava um rapaz moreno a quem uma das colegas, depois de uma breve
conferência sobre sabores, se dirigiu:
- Zezito, queremos quatro sorvetes de
limão!
Até hoje não sei
porque escolhemos este sabor. Afinal de contas o cardápio ofertava de Baunilha,
Creme, Coco e até Morango. O único que não quis foi de morango, porque de
morango só tinha o vermelho, talvez, feito com essência comprada na farmácia de
D. Fifita.
Chegaram os
sorvetes, em umas tacinhas de vidro muito bonitinhas e no curto período entre
suas chegadas cheias e suas voltas vazias, vi que não era igual ao pudim de D.
Zuleide, mas era muito gostoso. Demos uma olhada na praça, mas o sol já estava
quente demais para uma volta. Fomos todas para casa, guardar o missal e o
terço, que não tiveram nenhuma utilidade, e trocar a roupa “domingueira” pela de brincadeira. Quando
cheguei ouvi logo minha mãe dizer:
- Depois do almoço vamos ao cemitério!
Era o
esperado. Sempre íamos à tarde, depois das 3 horas, pois, apesar de morar
perto, a ladeira do Santa Marta só quem subia sem reclamar eram os mortos,
porque iam carregados. E assim fomos nós, homenagear os mortos. Quer dizer, eu
já sabia rezar, mas a concentração era pouca, principalmente no cemitério.
Neste dia foi
uma pouco diferente. Desde depois que tomei o tal sorvete de limão, comecei a
não me sentir bem. No almoço, que, como toda casa de pobre não tão pobre, era
macarrão e arroz e algum tipo de carne, já não comi direito. Minha mãe notou e não
disse nada. Quando cheguei ao cemitério estava com dor de cabeça. Minha mãe
disse:
- Vai andar um pouco por aí, pela
sombra, que passa!
Obedeci e
comecei a andar entre as covas e os túmulos. Como em qualquer cidade desconhecida,
a Cidade-de-Pé-Junto também torna
difícil a nossa orientação, principalmente a minha, pois estava com dor de
cabeça. Rodei um pouco entre mortos e vivos e quando quis voltar para onde
minha mãe estava, não consegui. O pior é que cemitério, pelo menos o de Santa
Marta, não tinha nome de ruas nem números. Deveriam dar nomes de políticos, e
políticos vivos, a elas, para eles aprenderem que um dia morrerão e terão de
ajustar contas com o Altíssimo. Mas não deram. E eu estava perdida e com uma
dor de cabeça que aumentava cada vez mais. Não abordei ninguém mas fiz por onde
ser abordada, quando comecei a vomitar o sorvete de limão, por uma senhora que
disse:
- Está perdida, minha filha? Você veio
com quem?
Não lembro
como foi minha resposta, pois naquela hora, só prometia a mim mesma jamais
tomar sorvete de limão outra vez.
Sei que, para
chegar em casa, minha mãe teve que pegar um carro de aluguel, que foi um “jeep” de seu Júlio Padeiro. Vi minha mãe
tirando o dinheiro de uma bolsa e entregando a ele. Hoje ainda não gosto de “jeeps” nem de Dia de Finados. Talvez
seja por isso que digo aos meus filhos:
- Quando eu morrer não me levem para
Santa Marta, prefiro Santo Amaro, é mais arborizado.
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(*) Sempre
que é Dia de Finados, eu, antes de pensar nos mortos, penso nesse texto de
Lucinha Peixoto, que já devo ter publicado mais vezes. Mas, é sempre tão atual,
que resolvi não mudar. Afinal de contas, mais um vez, é “feriadão”. (Foi publicado originalmente em 01/11/2009, no saudoso Blog
da CIT).
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