Por Zé Carlos
Muito tempo antes de poder encarnar o Vovô Zé eu vi minha
primeira Copa do Mundo em 1958. Da anterior, de 1954, que, hoje sei, foi ganha
pela Alemanha, eu não me lembro de nada pois tinha apenas 6 anos. Por isso
tenho dúvidas se o Davi, meu neto mais velho e quase com a mesma idade,
lembrará de sua primeira Copa. Eu, sinceramente, espero que não. O desastre da
seleção brasileira em 2014 contrasta em tudo com sua vitória em 1958.
Naquele ano, ainda em Bom Conselho, mesmo sem TV Digital,
nem 4K, e mesmo sem TV nenhuma, foi o rádio que me fez despertar para o esporte
que aprendi a praticar lá na Rua da Cadeia. Não havia meia furada que não fosse
reaproveitada ou reciclada para os jogos de rua. Campo de futebol, para mim na
época, nem pensar. No máximo íamos até à rua de Maneléu (hoje XV de Novembro)
jogar numa areinha fofa que existia por lá, na qual os cavalos pisavam e faziam
suas necessidades no domingo, dia em que lá se transformava num prado.
E neste ano de 1958, a seleção brasileira fez despertar na
criançada o desejo de se tornar grandes jogadores de futebol, e eu era um
deles. Times e mais times surgiram e quem não tinha um tratou de criar ou
procurar os donos da bola para entrar num deles. Mas, voltando à copa em si,
mesmo pelo rádio, tudo foi uma festa do começo ao fim. O Brasil foi ganhando
dos austríacos, russos, franceses e finalmente dos suecos, e mesmo empatando
com os ingleses, a Copa do Mundo era nossa. Quem, de minha geração não lembra
daquela música, que dizia:
A Copa do Mundo é
nossa
Com brasileiro, não há
quem possa...?
Os meus olhos de criança brilhavam diante da espontaneidade
das comemorações, do carnaval que se formou num domingo de julho, em nossa
cidade. Lembro como um sonho, hoje um sonho do Vovô Zé. Naquela época eu era o
Garrincha, jogador que mais admirava depois de Gilmar, quem não pude ser porque
me convenceram que eu era baixinho para a posição de goleiro. Fiquei na ponta
direita mesmo, onde ainda jogo, nunca gostei da esquerda.
Meu neto Davi, e agora também o Miguel, influenciados por
nossa Copa recente, já são absolutos admiradores do esporte mais popular no
Brasil. No início da Copa ambos queriam ser Neymar. Depois do jogo contra o
Chile, ambos queriam ser Júlio César e Davi Luis. Até irmos ao jogo Alemanha x
Estados Unidos na Arena Pernambuco. Eles brigaram para ver quem era Neuer, o
goleiro alemão. Depois do desastre do Mineirão brigaram para ser o Close,
centroavante alemão. E agora vocês imaginam quem eles querem ser? Qualquer um
menos um brasileiro. Ainda insisti em Neymar, mas, o Miguel me falou que ele
estava doente.
E doente ficamos todos nós com a perda do tão falado hexa,
menos o Vovô Zé, que já é hexa há muito tempo. E os meus netos também, pois
ambos torcem pelo Náutico. E um dos grandes problemas que tenho hoje é como
convencê-los a continuar torcendo pelo nosso timbu que hoje mais parece o Íbis
de tanto perder. Para salvar este dois torcedores ainda alvirrubros hoje tenho
um argumento forte: Não me lembro de nenhuma vez que o Náutico tenha perdido de
7x1, como o fez nossa seleção este ano.
Mesmo diante do desastre futebolístico de nossa seleção, o
Vovô Zé teve uma das copas mais felizes, fora do campo. Quase todo o tempo
passei com os netos, e até indo à Arena Pernambuco pela primeira vez, e talvez
única. Fui com o Davi e pude constatar seus grandes conhecimentos
futebolísticos, obtidos dos álbuns de figurinhas (que o Vovô Zé e a Vovó Marli
ajudaram a preencher ganhando nosso tempo nos troca-trocas da vida), programas
de TV e jogando com a garotada:
- Davi, quem é este
que está com a bola?
- Vovô Zé, tu és
burro? É o Schweinsteiger!!! (Fui à internet para escrever o nome
corretamente)
Quando da horrível ocasião do desastre do Mineirão estávamos
separados. Eles em Caruaru e eu no Recife. Depois do quinto gol da Alemanha eu
fiquei receoso que o Davi começasse a chorar com a decepção em relação à
seleção. Liguei para ele pelo telefone e dei uma de avô que não pode ver neto
sofrer nem quando faz gol contra, para dizer que não se preocupasse que futebol
é para ganhar ou perder, e mais algumas bobagens que tentam dourar à pílula,
mesmo sabendo que ela dói para ser engolida. O diálogo foi mais ou menos assim:
- Oi Davi, estás vendo
o jogo?
- Estou, Vovô! Eu e o
Miguel já estamos torcendo pela Alemanha!
- Boa, Davi! Viva a
Alemanha!
Como invejei ser criança e
resolver assim todos os problemas. Esta talvez tenha sido a melhor solução para
não continuar tão triste quanto em outras copas, com seleções melhores e que
perdemos também. Sei que nem sempre podemos mudar de lado quando perdemos, mas,
quem era eu naquele momento para aconselhar meu neto a torcer pelo Brasil?
Talvez faça isto na próxima Copa lá na Rússia. Espero que o Davi e o Miguel já
tenham esquecido a de 2014.
P.S.: O ar triste do Davi na foto ilustrativa talvez fosse uma premonição do que iria ocorrer com a seleção brasileira, dias depois.
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