Por Carlos Sena (*)
Detesto ver um papel em branco.
Porque quero logo escrever nele o meu “preto”. Ou o meu encarnado. Adoro a riqueza do nosso idioma, posto que essa
história de “vermelho” eu me dobrei quando aqui cheguei na capital
pernambucana. Na minha terra eu dizia ENCARNADO. Por isso, não vou irromper
esse “papel” branco que o world me libera nesta manhã escrevendo o meu “preto”,
mas o meu ENCARNADO. Porque também eu me remeto às “brigas” do pastoril para
que o cordão AZUL vencesse o ENCARNADO. Que saudade. Que sonhos era navegar
naquela brincadeira tão simples dos pastoris dos meus tempos de Bom Conselho. A
gente se matava por um ou por outro, mas o meu era mesmo o ENCARNADO. Nessa
época eu nem entendia de espiritismo e da sua relação com o termo “encarnado”,
mas pra mim ficou o principal: o cordão encarnado dos nossos pasto-ris. Ris?
Faça não. Ou faça sim. Menos importa o sentimento do que não se tem. Mas, do
que se tem lá dentro tudo faz no sentido da vida que se vai ao calor do tempo e
no frio desaquecido por desilusões.
Por isso detesto ver um papel
virgem, mesmo sendo o do frigidíssimo world, do computador. Companheiro meu,
por que não dizer? Mas, daqueles companheiros que ficam no canto da sala sem
dar um “pio”... E provoca em nós arrepio e desconfiança, embora não pareçam.
Assim, logo começo a meter o pau com os dedos – tentativa nem sempre alcançada
de irromper o silencio do papel em branco querendo ter vida através das
palavras e frases. Assim, “BRANCO”, meio “náutico” no Capibaribe que leva em
cada barco que ainda lhe navega, sonhos partidos em busca de um porto/solidão.
No restauro da memória
pastoriense, a DIANA me levava ao delírio. Ela, coitada, funcionava como que um
“bissexual” que transita no que é comum aos dois gêneros. Adorava vê-la no meio
do azul e do encarnado tentando ser neutra, mas sabendo que por dentro ela
deveria ser (eu pensava) do “ENCARNADO” como eu. Última lembrança do pastoril
foi no São Geraldo. O auditório lotado e todos vendendo pontos para sua “cor”
preferida. Assim mesmo: vendendo pontos. Algo como se fosse hoje um real por
cada ponto. No final, quem tivesse mais dinheiro teria tido mais pontos. O
total do dinheiro era o total da vitória de um sobre o outro. E o dinheiro, ora
direis, para onde ia? Para a casa da caridade é o que diziam. Se, de fato, ia
pra lá eu não sei. Mas sei que indo ou não o principal ficou: a ilusão vendida
em duas cores – a azul e a encarnada. Por isso, neste tear matinal de texto,
preencho minha inquietação com o meu ENCARNADO para irromper, desvirginar este
“papel” branco de mentirinha que o world me oferece. Viva o cordão encarnado.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 28/09/2013
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