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sábado, 6 de outubro de 2012

SOU DO TEMPO.





Por Carlos Sena (*)

Sou do tempo em que a gente tirava retrato, ouvia musica na radiola, lia jornal, respeitava os mais velhos, tomava ponche em vez de refri, ia a missa aos domingos, dava “bênça mamãe, bênça papai”, etc. Sou do tempo que o olhar da minha mãe e do meu pai valia como uma pré-surra. Ai de mim se ousasse desobedecer àqueles olhares firmes que nunca erravam em suas avaliações. Talvez por isto a gente temesse. Nem tanto pela autoridade, mas pela certeza dela que pra nós era passada no dia a dia. Sou do tempo em que pai era pai e mãe era mãe. Diferente de hoje em que ser pai é seguir a cartilha da mídia para aplicar aos filhos as lições de ética e moral e alhures. Sou do tempo em que as palavras eram inteiras: velho era velho, não véi; refrigerante não era refri; faculdade não era facul; cu era mesmo cu e a gente levava uma porrada na boca se falasse cu. Sou do tempo do almoço em família – enquanto papai não chegava, não se almoçava, por exemplo. Sou do tempo em que moça era “deflorada”. Confesso que demorei a entender esse meio que “palavrão”, mas garanto que presenciei de perto muitas moças defloradas, embora nem sempre tendo “sangue pra mostrar no cobertor estendido na cerca”... Sou também do tempo em que os padres abençoavam e que a gente ia à igreja e antes de adentrar fazia o sinal da cruz com água benta. Sou do tempo de ter medo dos bispos, pois ele poderiam nos excomungar. Medo também de alma. Tinha uma tal de penada. Então eu pensava: não bastando ser "alma" ainda era penada! Hoje temos alma "sebosa" e tudo bem. No quesito igreja, eu tinha medo também de comer carne na sexta-feira da paixão! Mamãe levava isso tão a sério, como levava a sério não nos bater nesse dia. Mas houve um dia desses que ela não aguentou minhas traquinagens e me meteu o beliscão: “não pense que por que hoje é sexta feira da paixão eu não lhe bato. Não bato, mas, belisco”... Preferia as pisas, aos puxões e beliscões que ela me dava. Sou ainda do tempo da coalhada – hoje iogurte bate gute, tudo gute... E do caixete (cachete?) que era como a gente chamava comprimido tipo melhoral. Não havia naquele tempo boquete, nem periguete, nem empreguete, quero dizer, havia puta mesmo que a gente sabia onde as encontrar e sempre elas estavam no cabaré. Diferente de hoje que o cabaré pode ser a própria facul. Mas, tudo isto é coisa do tempo por si mesmo... Assim, sou do tempo dos pardais e dos quintais, mas penso que se pode ser feliz com a internet, com o facebook, com os valores que estão por aí. Com os kinor da vida no lugar das galinhas, com as casas sem quintais e com as ruas cheias de carro. Perdão, mas sou do tempo que as ruas eram nossas e a lua, dos namorados...

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 27/08/2012

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