Por Carlos Sena (*)
Sou do tempo em que a gente
tirava retrato, ouvia musica na radiola, lia jornal, respeitava os mais velhos,
tomava ponche em vez de refri, ia a missa aos domingos, dava “bênça mamãe,
bênça papai”, etc. Sou do tempo que o olhar da minha mãe e do meu pai valia
como uma pré-surra. Ai de mim se ousasse desobedecer àqueles olhares firmes que
nunca erravam em suas avaliações. Talvez por isto a gente temesse. Nem tanto
pela autoridade, mas pela certeza dela que pra nós era passada no dia a dia.
Sou do tempo em que pai era pai e mãe era mãe. Diferente de hoje em que ser pai
é seguir a cartilha da mídia para aplicar aos filhos as lições de ética e moral
e alhures. Sou do tempo em que as palavras eram inteiras: velho era velho, não
véi; refrigerante não era refri; faculdade não era facul; cu era mesmo cu e a
gente levava uma porrada na boca se falasse cu. Sou do tempo do almoço em
família – enquanto papai não chegava, não se almoçava, por exemplo. Sou do
tempo em que moça era “deflorada”. Confesso que demorei a entender esse meio que
“palavrão”, mas garanto que presenciei de perto muitas moças defloradas, embora
nem sempre tendo “sangue pra mostrar no cobertor estendido na cerca”... Sou
também do tempo em que os padres abençoavam e que a gente ia à igreja e antes
de adentrar fazia o sinal da cruz com água benta. Sou do tempo de ter medo dos
bispos, pois ele poderiam nos excomungar. Medo também de alma. Tinha uma tal de
penada. Então eu pensava: não bastando ser "alma" ainda era penada!
Hoje temos alma "sebosa" e tudo bem. No quesito igreja, eu tinha medo
também de comer carne na sexta-feira da paixão! Mamãe levava isso tão a sério,
como levava a sério não nos bater nesse dia. Mas houve um dia desses que ela
não aguentou minhas traquinagens e me meteu o beliscão: “não pense que por que
hoje é sexta feira da paixão eu não lhe bato. Não bato, mas, belisco”...
Preferia as pisas, aos puxões e beliscões que ela me dava. Sou ainda do tempo
da coalhada – hoje iogurte bate gute, tudo gute... E do caixete (cachete?) que
era como a gente chamava comprimido tipo melhoral. Não havia naquele tempo
boquete, nem periguete, nem empreguete, quero dizer, havia puta mesmo que a
gente sabia onde as encontrar e sempre elas estavam no cabaré. Diferente de
hoje que o cabaré pode ser a própria facul. Mas, tudo isto é coisa do tempo por
si mesmo... Assim, sou do tempo dos pardais e dos quintais, mas penso que se
pode ser feliz com a internet, com o facebook, com os valores que estão por aí.
Com os kinor da vida no lugar das galinhas, com as casas sem quintais e com as
ruas cheias de carro. Perdão, mas sou do tempo que as ruas eram nossas e a lua,
dos namorados...
------------
(*) Publicado no Recanto de
Letras em 27/08/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário