Em manutenção!!!

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

As perplexidades do professor Moneygrand





“As perplexidades do professor Moneygrand
        
Por Roberto DaMatta

Richard Moneygrand, mestre emérito de Ciências Humanas da New Caledonia University, está em Niterói. Numa entrevista exclusiva, ele revela suas perplexidades diante do Brasil magnetizado e carnavalizado pelo processo eleitoral.

O professor começa advertindo que todo país vive os mesmos problemas porque repete as mesmas receitas para resolvê-los.

- “A incapacidade de perceber a mudança e provocá-la é quase sempre uma repetição castradora”, resume. “No caso brasileiro, a igualdade produz dilemas. Para muitos, ela é o DNA da democracia; para outros, uma ilusão. Vocês falam muito mais em direitos do que em deveres”, adverte. “Sei que não é fácil acabar com privilégios numa sociedade modelada por regalias e pelo ideal de ‘não fazer nada’. Entendo e espero, contudo, que isso esteja mudando. Observo que as promessas eleitorais começam a focar que emprego (sobretudo o emprego público) não pode mais excluir competência e trabalho.”

- “No passado, os problemas brasileiros eram explicados pelo reducionismo racista-evolucionista. A mestiçagem era lida como uma doença. Ainda hoje há resistências a admitir que os problemas brasileiros têm raiz numa matriz histórica aristocrática, dinamizada por patriarcalismo e trabalho escravo de origem africana. Transitar de uma monarquia que foi centro do império português para uma república com essa carga de instituições, não é fácil. Mas vocês se convenceram que todos os problemas podem ser resolvidos pelo Estado e em programas por ele administrados. A mudança viria de fora da sociedade e dos seus costumes, como se o Estado fosse administrado por marcianos e não por vossos amigos, parentes e partidários. Disso resulta ‘estado-latria’, ‘estado-patia’ e ‘estado-mania’ - um entendimento ingênuo que ignora a força dos costumes e das éticas dadas nas relações focos de transformação. O mundo da ‘rua’ só vai mudar quando incluir a ‘casa’, como você diz num dos seus livros não lidos”, complementou.

- “A decepção contemporânea é paralela à descoberta de que sem uma crítica das práticas sociais que governam o todo, direita e esquerda se dissolvem numa aristocracia governamental à custa da sociedade. Ideologias políticas definidas - com ou sem mercado - não liquidam a força de uma ética de reciprocidade que concilia compromissos opostos, desmoralizando instituições e partidos. O triunfo da ‘política’ foi irônico: a esquerda no poder não só criou suas linhagens, mas reproduziu a direita e governou como ela, com a roubalheira típica da consciência de que ‘agora é a nossa vez!’”

- “Minha outra perplexidade é ver como os candidatos enfatizam o politiquês e o economês. É como se a evolução política fosse feita a partir somente de uma discussão dos regimes e modelos financeiros, sem aprofundar as raízes sociais da corrupção. De que vale uma democracia com um presidente que resiste a tudo, menos ao pedido de um amigo, como se dizia antigamente? De que vale um socialismo feito de compadrios? Ninguém deseja acabar com os amigos. O que está em jogo, porém, é o limite da amizade e das suas implicações na cultura brasileira.”

- Acho tudo isso um exagero...

- “Max Weber” - retrucou Dick - “dizia que fazer sociologia é exagerar.”

- “Deixe-me mencionar mais uma perplexidade”, solicitou Moneygrand, dando uma golada no meu parco uísque.

- “Assusta-me testemunhar a facilidade com a qual alguns dos vossos candidatos solucionam o ‘Brasil’. Não é um milagre da retórica política que o papel de candidato revele enfaticamente somente o seu lado messiânico? E que nenhum fale em dificuldades, obstáculos e resistências? Soluções fáceis não seriam sintomas de promessas que vocês gostam de ouvir para, em seguida, vê-las desfeitas por administrações execráveis?”

- “Até onde vocês vão continuar entregando o Brasil a ‘políticos’ que vocês amam e odeiam, em vez de com eles governar? Acho que já é tempo de vocês compreenderem que democracia dá trabalho justamente porque ela renova seus governantes, temporariamente.” Falou o professor, liquidando meu uísque.”

-----------------
AGD comenta:

Sem comentários

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

A bandeira da ética





“A bandeira da ética
         
Por Ruy Altenfelder

As campanhas eleitorais estão nas ruas. A bandeira da ética volta a ganhar espaço nos programas dos candidatos, nas entrevistas e nos debates políticos. A ética passa a ser usada como arma contra os adversários. Embora a profusão de citações condene significativos vocábulos ao desgaste, a ética constitui um caso à parte, pois se torna cada vez mais referência importante na decisão do voto, passando a ser também baliza de comportamento no mundo corporativo, tanto na condução dos negócios quanto na atuação profissional e na relação com os consumidores.

A ética foi a poderosa bandeira que mobilizou a reação da sociedade à escalada da corrupção no setor público. São exemplares, como resultado da pressão social, dois avanços: a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010), que busca alijar das eleições candidatos corruptos, e a Lei Anticorrupção (Lei n.º 12.846), que pune empresas e seus dirigentes envolvidos em atos de corrupção.

Tais avanços sinalizam para o reconhecimento da ética como um dos pilares da construção da modernidade, com desenvolvimento sustentável e população beneficiada ao máximo pelo bom uso dos recursos públicos, com planejamento eficiente e gestão correta dos projetos e das políticas públicas.

Apesar dos retrocessos - decorrentes da multiplicidade de recursos propiciados por normas processuais obsoletas que persistem no País -, a nova postura cria condições para o fortalecimento de políticos e servidores públicos dispostos a privilegiar o interesse coletivo em detrimento do interesse pessoal ou da conquista do poder a qualquer preço.

A ética está ligada à cidadania e esta, por sua vez, decorre da boa educação, entendida em seu sentido mais amplo e nobre. O processo de formação cidadã pode - e deve - ter início na família, continuar na escola, invadir a trajetória profissional e prosseguir ao longo da vida.

A semente da cidadania brota da vinculação dos ensinamentos teóricos à pratica, em especial nas fases da vida em que as mentes estão mais abertas à aquisição de valores e princípios, isto é, na infância e na adolescência.

Para depurar largos segmentos da sociedade da inversão de valores ou do desencanto com corretas posturas sociais e individuais é preciso que quem respeita os códigos da ética continue e mesmo intensifique a pressão pelas mudanças de comportamento. A esses se pede que saiam da zona de conforto da omissão ou do simples protesto. Deles - candidatos ou eleitores - se espera uma ação mais assertiva já nas eleições de outubro, uns com a correta decisão de votos e outros com o compromisso de uma atuação pública de fato dedicada ao bem comum.

Vale sempre recordar a postura do Supremo Tribunal Federal (STF) no final de 2012, na Ação Penal 470 (o famoso mensalão), com a condenação da maioria dos denunciados, o que trouxe um alento aos milhões de cidadãos responsáveis que aspiram a viver num país sob o império da lei, e não num reino da impunidade.

Ficou evidenciada a necessidade da reforma modernizante do arcabouço jurídico da Nação. Para isso não basta uma limpeza das estruturas e dos dispositivos obsoletos que retardam os julgamentos, sem prejuízo do amplo direito de defesa. Será necessário também empreender ações que atenuem o ímpeto legiferante, que resulta em muitos projetos que, aprovados, ampliam a já confusa teia de leis, bom número das quais condenado ao lamentável fosso das “leis que não pegam” e, portanto, jamais serão cumpridas. Seja por serem inviáveis, seja por não encontrarem o respaldo da sociedade.

A análise detida e equilibrada da Ação Penal 470 serviu para mandar para a lata do lixo conceitos que, de tão aéticos, contribuem para denegrir a imagem do Brasil no cenário internacional e enfraquecer valores da cidadania, sem os quais não há desenvolvimento sustentável nem construção da paz e igualdade social.

Em artigo anterior publicado na página propus a seguinte reflexão: pode existir desenvolvimento econômico, social e político de uma nação sem obediência aos princípios éticos? Em outras palavras, é possível o desenvolvimento a qualquer custo? Apesar da disseminação da crença em contrário, a História mostra que a resposta é negativa, pois o desenvolvimento é impossível sem que dele participem cidadãos honestos, probos e comprometidos com os princípios éticos e morais, gerando um benefício em efeito cascata, que constitui, se não o único, ao menos o mais promissor caminho para corrigir as graves injustiças e atenuar as perigosas tensões entre as nações que marcam este início de século.

Espero, como milhões de brasileiros, que o histórico desfecho da Ação Penal 470 produza um benéfico efeito cascata contra a corrupção e contribua para sustentar a nova engenharia social, preconizada pelo desembargador Newton de Lucca, ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª. Região (TRF-3), em seu livro Da Ética Geral à Ética Empresarial.

A desideologizada atuação do STF no caso do mensalão resultou num momentoso resgate da confiança da sociedade no Poder Judiciário, outro fundamento do Estado do Direito, e de aperfeiçoamento da democracia. E se espera seja mantida nos julgamentos em curso com profunda repercussão na sustentação do Estado Democrático de Direito.

Eros Grau, ex-ministro do STF e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, em trabalho publicado na Revista do Advogado (Aasp) abordando o comportamento da chamada classe política, afirmou que a política com p minúsculo está aquém da ética; somente a Política com P maiúscula nela se compõe. E conclui: “O voto é a ferramenta do aperfeiçoamento da classe política e de que dispomos nas democracias. Refina tanto as virtudes de quem é votado quanto as virtudes dos eleitores”.”

--------------
AGD comenta:

Sem comentários

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

PSL: o liberal e o capitão





“PSL: o liberal e o capitão

POR MÍRIAM LEITÃO

A grande dúvida econômica em relação à campanha de Jair Bolsonaro é se as ideias liberais de Paulo Guedes entraram na cabeça do candidato do PSL à Presidência. “Não sabemos o quanto disso vai se converter em ideias liberais”, admitiu Guedes. “O economista vai propor coisas duras, o presidente vai dar uma amaciada, o Congresso vai dar outra amaciada, e vai sair de lá um negócio que não é o que o economista quis, mas também não é o que a turma queria.”

Qualquer processo de negociação altera o teor dos projetos, mas neste caso a dúvida é maior. Não há qualquer ponto de contato entre o liberal e o capitão. Ao longo da vida pública, o deputado Jair Bolsonaro votou contra todas as propostas de privatização, quebra de monopólio, previdência e até o Plano Real. Votou a favor de privilégios de parlamentares e entrou na carreira política em defesa do soldo de militares e policiais. Nada que nem remotamente lembre a pregação liberal de Paulo Guedes em toda a sua carreira de economista e empreendedor.

E o que está no programa, ou tem sido defendido por Paulo Guedes, é radical. Na entrevista que concedeu à Central das Eleições da Globonews, ele confirmou que calcula em R$ 2 trilhões o valor da venda de todas as participações do governo em estatais e de 700 mil imóveis da União. Na lista dos bens a serem privatizados está a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa. Tudo. A Eletrobras, também. “Vamos fazer o que o Temer está fazendo, só que mais rápido do que ele. A convicção vem de muito tempo.” A convicção de Paulo Guedes é da vida toda, mas a de Bolsonaro não se sabe se existe.

O mais relevante são as contradições no presente. O candidato Jair Bolsonaro, na entrevista que concedeu à Globonews, havia defendido a recuperação do valor das aposentadorias e pensões em salário mínimo. Nos governos Fernando Henrique e Lula, houve sempre aumentos reais do salário mínimo. Por isso, muitos que se aposentaram com um múltiplo do mínimo hoje recebem menos, nessa conta, ainda que tenham tido correção pela inflação. Se fossem reajustados agora, nova bomba explodiria sobre a Previdência. Perguntado sobre se isso seria adotado, Guedes admitiu que há divergências. Disse que haverá uma coalizão de centro-direita que vai tentar “convergir os sistemas”. E avisou: “Ninguém terá superpoderes, muito menos um economista.”

Guedes disse que um eventual governo Bolsonaro manterá o teto de gastos, mas avisou que o teto vai cair porque não há parede. Ou seja, sem a reforma da Previdência ele é inviável. Afirmou que o sistema previdenciário está falido e comparou-o a um avião que está ficando sem combustível e vai cair, “e nós estamos tentando colocar nossos filhos lá, isso é um crime.” Com essa imagem forte, o que ele quer dizer é que tem de ser criado outro sistema de capitalização, de contas individuais. Quanto custará? Se os jovens vão contribuir para uma nova previdência, o combustível no velho avião acaba mais rápido. O programa fala em um fundo, mas não informa de onde sairá o dinheiro.

Na área trabalhista, ele quer também um novo sistema. O programa defende uma carteira de trabalho “verde e amarela”, em vez da azul, que cria um regime de trabalho sem CLT. Nele, as normas seriam negociadas entre patrão e empregado. Perguntado sobre os subsídios à agricultura, disse que o setor ficará fora de sua alçada, mas que se depender dele não haverá. Bolsonaro tem buscado apoio no agronegócio.

O programa do PSL promete zerar em um ano o déficit público e para isso Guedes faz contas de pegar recursos que estariam disponíveis, como o que pode vir da cessão onerosa com a Petrobras, o fim do abono salarial, a devolução do BNDES, redução de isenções fiscais. Mas para os anos seguintes ele acredita que conseguirá privatizar “em um ataque frontal”. Imaginando que houvesse acordo para privatizar Petrobras e Banco do Brasil, levaria tempo para preparar o processo. Perguntado sobre isso, ele diz que está “fora da caixa”, ou seja, do pensamento convencional. O dinheiro seria usado para reduzir a dívida pública e diminuir o gasto com juros.

Guedes defende tirar da Constituição todas as vinculações constitucionais para que se possa fazer o orçamento a partir do zero, inclusive saúde e educação. Mesmo quem acha que rearrumar as contas públicas exige decisões radicais tem noção da extraordinária dificuldade de fazer isso. Quando perguntado sobre a distância entre ele e Bolsonaro, Guedes diz que “todo mundo muda devagar”. Mas afirma que o candidato tem aprendido mais rápido do que os economistas brasileiros.”

---------------
AGD comenta:

Sem comentário

terça-feira, 28 de agosto de 2018

O Brasil de De Gaulle





O Brasil de De Gaulle

Por Fernando Gabeira

Até hoje não se sabe ao certo se a frase foi dita ou não. Em 1962, no auge da guerra da lagosta, o general De Gaulle teria afirmado que o Brasil não é um pais sério. Não havia, na época, rede social como conhecemos hoje. Ainda assim, a frase foi tema de amplos debates.

Jamais conversei sobre o tema com o amigo Luís Edgar de Andrade, que teria enviado a notícia de Paris. Muita gente afirma que a frase de De Gaulle jamais foi dita. Vou tomá-la como verdadeira porque esta semana, ao ler “Lições dos mestres”, de George Steiner, creio que posso fazer uma nova leitura da frase.

A França foi humilhada em 1870 e 1871 pela derrota diante dos alemães. E o país se descobriu ávido de “seriedade”. A constatação mais importante: a vitória prussiana não dependeu de superioridade bélica, mas sim de uma escolaridade sistemática, que a colocava à frente em ideias científicas e humanísticas.

O Gymnasium alemão, as universidades depois das reformas de Humboldt, os padrões de qualidade das pesquisas e publicações eruditas deixaram expostos a frivolidade e o amadorismo francês. Alexandre Dumas, em 1873, escreveu: “já não se trata mais de ser espirituoso, leve, libertino, zombeteiro e alegremente inconsequente. A França deve agora haver-se com o ‘muito sério’. Caso contrario, sucumbirá.”

Evidentemente, a França conseguiu dar a volta por cima, na época, modernizando seu ensino. De Gaulle, como conhecedor profundo da história de seu país, possivelmente estaria pensando nessa definição de sério, quando se deparou com as vacilações burocráticas do governo brasileiro.

Mesmo que a frase não tenha sido dita e existam enormes diferenças entre a França do fim do século XIX e o Brasil de hoje, De Gaulle poderia ser reinterpretado na sua definição de país sério.

Não fomos derrotados pelos alemães, mas por nós mesmos. Mas, certamente, o caminho de nos tornarmos um “pais sério” passa pela educação.

Reconheço que a ideia de virar um “pais sério” assusta. Afinal, o Brasil é leve e alegre. Um candidato com esse objetivo estratégico tende a ser mal interpretado.

Há razões para isso. Costumo citar uma frase de Samuel Beckett: não se passa um dia sem que algo seja acrescido ao nosso saber. A Bíblia tem algo parecido no Eclesiastes 1:18: “aquele que aumenta o seu saber, aumenta o seu pesar.”

Mas creio que Beckett chegou à conclusão por conta própria. Como Freud, ao afirmar que civilização entristece porque depende da repressão aos instintos. Mas nada disso significa um elogio à ignorância. No caso brasileiro, o clima e a natureza são fatores que garantem uma dose de leveza e alegria.

Será que os candidatos querem mesmo fazer do Brasil um país sério? Não fomos arrasados por uma guerra, mas a confiança está num nível muito baixo.

Uma grande virada na educação, não apenas humanística, mas científica e tecnológica, pode ser o grande objetivo nacional. Enquanto isso não acontece, passaremos nossos dias sobressaltados com pesquisas eleitorais, tentando adivinhar de que lado virá o desastre.

Certamente, os candidatos falam no tema, têm planos. Mas se colocam como alguém que pretende trabalhar e têm, na ponta da língua, os principais tópicos de seu programa. Eles se apresentam como prestadores de serviço. Raramente, se colocam como líderes que vislumbram uma trilha e propõem conduzir a sociedade por ela.

Pelo menos, fica essa possível sugestão de De Gaulle, que já encontrou a França com o problema educacional resolvido, e a conduziu pelos difíceis caminhos na guerra e depois dela.

No sentido que dou à sua possível frase, não há nenhuma ofensa, nada que possa agitar nossas inquietas redes sociais. É apenas um rumo, direção para o esforço coletivo, uma constatação de que temos diante de nós um problema que pode nos fazer sucumbir, como dizia Dumas.

Apesar da enorme importância da infraestrutura, dos investimentos na saúde e na segurança pública, nada disso nos tira do pântano se não compreendermos que o Brasil precisa se tornar um país sério, reconhecer a educação como a sua grande derrota.

Não faltou quem se lembrasse disso ao longo dos anos. Ouvimos, concordamos, mas, no calor da história, simplesmente deixamos de lado.

---------------
AGD comenta:

Sem comentário

segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Pacaraima, América do Sul





“Pacaraima, América do Sul
        
POR JOSÉ SERRA

Sexta-feira, 17 de agosto, Pacaraima, Roraima. O comerciante Raimundo Nonato de Oliveira é atacado a pauladas, supostamente por quatro venezuelanos. No dia seguinte, em represália, brasileiros atacam um acampamento de refugiados, pondo fogo em barracas e outros pertences. Centenas de venezuelanos fogem de volta. As forças de segurança intervêm e controlam a situação.

Esse relato seria visto como uma típica ficção de realismo fantástico até há pouco tempo. A verdade é que a crise na Venezuela ameaça transbordar e, com isso, criar tensões geopolíticas inéditas na América do Sul.

A fuga em massa de venezuelanos aumentou nos últimos meses – não só para o Brasil, mas também para Colômbia, Equador e Peru. A economia da Venezuela entrou numa espiral de desintegração, agravada pela sucessão de trapalhadas – cada vez maiores – de seus dirigentes políticos.

Os números a respeito chegam a ser assustadores. A produção de petróleo caiu de 2,7 milhões de barris diários em 2015 para 1,5 milhão em abril deste ano. De 2013 a 2018, segundo dados do FMI, a economia da Venezuela ter-se-á reduzido quase à metade – uma queda de 45% em cinco anos. Segundo o professor Steve Hanke, da John Hopkins University, o país entrou em processo de hiperinflação em 2018. Pela variação do dólar no mercado paralelo, a inflação saltou de cerca de 1.000% anuais em julho de 2017 para 43.000% ao ano em junho de 2018.

A devastação institucional acompanha a econômica. O governo de Nicolás Maduro – seguindo o estilo do seu predecessor, Hugo Chávez – anulou atributos indispensáveis ao Estado de Direito por meio de manipulações na Constituição; destruiu a independência do Judiciário; perseguiu a oposição, impedindo sua participação no jogo político; incentivou o surgimento de milícias políticas que garantem a manutenção do poder a despeito de toda a deterioração econômica.

Na semana passada, Maduro anunciou um estranho coquetel de medidas econômicas. A moeda venezuelana, o bolívar, sofreu redução de cinco zeros. Uma enigmática moeda digital, chamada petro, cujo funcionamento não foi ainda bem definido, lhe servirá de âncora e terá cotação equivalente a um barril de petróleo, aproximadamente US$ 60. O salário mínimo, que foi nominalmente aumentado em 30 vezes, equivalerá a US$ 30.

Não se sabe ao certo o que ocorrerá na vigência das novas medidas. O governo anunciou que seu “detalhamento” será divulgado no correr dos próximos dias, passando a sensação de total improvisação. Pequenos empresários venezuelanos não sabem como pagarão os aumentos nominais dos salários e o governo promete que a diferença de custos será coberta por ele próprio – sabe-se lá como. A oposição convocou uma greve geral. Essa tentativa atropelada e desesperada de controle da inflação poderá redundar no desaparecimento da moeda nacional – que, de certa forma, é o fim inelutável dos processos de hiperinflação.

A tragédia venezuelana impõe algumas reflexões. Primeiro lembremos que, no Brasil, toda a trajetória de ruína imposta à Venezuela por Chávez e Maduro contou ora com o entusiasmo, ora com a condescendência dos governos petistas. As demais agremiações de esquerda, como o PCdoB e o PSOL, tiveram e têm a mesma posição, coerentes com o seu irremediável anacronismo. Segundo, à medida que a situação se deteriora na Venezuela, a tragédia humanitária se aprofunda e, dadas sua extensão e sua gravidade, pode levar a desdobramentos geopolíticos graves na região. A leniência em relação à ditadura de Maduro passa a ser, a cada dia, menos racional e mais temerária.

No Brasil, autoridades locais, diante da dificuldade de lidar com a chegada de um número crescente de refugiados, recorrem à União para que a fronteira seja fechada ou que os refugiados sejam levados para outros Estados. Quanto mais o tempo passa, maior a possibilidade de conflitos que podem escapar ao controle.

Não obstante, às vésperas das eleições de outubro, a maioria dos partidos tem se esquivado de precisar quais medidas e rumos o nosso país deve tomar a partir de 2019 em relação à Venezuela.

Vale notar que nossa economia segue em lenta convalescença, depois de uma das mais prolongadas e complexas recessões da História republicana. A campanha eleitoral deve permitir que criemos um antídoto contra as tentativas de relançar o Brasil no abismo populista. É preciso mostrar que o populismo lulopetista, apesar de ser mais moderado do que o bolivariano, se baseou em expansão creditícia desordenada, subsídios pouco criteriosos, investimentos mal programados, consumismo insustentável e expansão da dívida pública.

A profundidade das distorções a que foi submetida a economia brasileira não comporta soluções imediatas e impõe concertação e pragmatismo. Entretanto, com poucas exceções, o canto da sereia populista é o que mais se ouve. São campanhas de ideias vagas, temperadas pelo velho e ardiloso “sou contra tudo isso que aí está”, pelo menos até agora.

Diga-se que, em face das dificuldades políticas, a ação do atual governo tem sido positiva, com inflação controlada e algum crescimento econômico. Surpreendentemente, as turbulências econômicas recentes, como a desvalorização acelerada das moedas de países emergentes, até agora não nos têm trazido grandes perturbações. Mas esse cenário pode mudar se o governo a ser eleito não impulsionar com determinação e rapidez as chamadas reformas estruturais – como a da Previdência e a contenção (e revisão) dos chamados gastos obrigatórios. São medidas dependentes de reformas constitucionais, que exigem maioria no Congresso e, acima de tudo, clareza e determinação política.

Os eventos de Pacaraima são um sintoma e um aviso dos males que o populismo de estilo chavista traz a toda a América do Sul. É hora de superá-lo no continente e de mantê-lo bem distante de nós.”

-------------
AGD comenta:

Sem comentário

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

O imenso rombo potencial do Fies





“O imenso rombo potencial do Fies

POR MÍRIAM LEITÃO

O potencial de perdas de receitas com o Fies, com os financiamentos concedidos entre 2010 e 2016, é de impressionantes R$ 116 bilhões. Crédito educativo é bom, mas o programa foi mal desenhado, sua expansão teve inúmeras distorções e ele foi usado eleitoralmente em 2014 quando teve o recorde de novos contratos. Em tempos de promessas de candidatos, e de verdades contadas pela metade, é importante olhar o caso de um bom projeto que ficou insustentável pelos erros no desenho e gerenciamento.

A forte elevação do programa no governo Dilma teve relação direta com a campanha da reeleição. Os novos contratos estavam entre 30 mil ou 70 mil ao ano. Na primeira administração Dilma entraram numa escalada que levou a dar um salto de 10 vezes. Foi de 76 mil novos contratos no último ano Lula para 733 mil em 2014, ano eleitoral. Em 2015, ainda no governo da ex-presidente, caiu para 287 mil. Em 2017, o governo Temer o reformulou depois de um amplo estudo feito pelo Ministério da Fazenda que mostrou os erros.

Em 2010, foi criado o fundo garantidor e com base nisso o programa cresceu. O problema é que o fundo foi criado com a premissa errada. De que haveria uma taxa de inadimplência de 10%. No mundo inteiro é de 30%. No Brasil, se estima que os atrasos nos pagamentos dos empréstimos, entre 2010 e 2016, estejam entre 40% e 50%. Outro erro é que o calote era todo bancado pelo governo.

E, de novo, em vez de ser um programa para os pobres, incluiu não pobres e virou uma fonte garantida de receita para as universidades privadas. Os grupos maiores passaram a incentivar os alunos a procurar financiamento, porque achavam que isso reduziria o risco de não pagamento de mensalidades. Muito mais garantido era tudo ser pago por um fundo bancado pelo governo. Fizeram mais: aumentaram as mensalidades, cobrando mais dos beneficiários do programa. Virou uma bola de neve.

O número de alunos era de 200 mil entre 2002 e 2010. Pulou para quase dois milhões. Desses, 733 mil a mais só em 2014, não por acaso um ano eleitoral, em que este assunto foi objeto da campanha da reeleição. Os dados mostram que houve uma substituição de alunos pagantes por alunos financiados.

São vários os custos do Fies. Ele é 100% financiado com emissão de dívida pública. Quando o financiamento não é pago, vira despesa primária do Tesouro. E tem o custo financeiro do diferencial de juros. O orçamento do programa saiu de R$ 1,3 bilhão em 2010 para R$ 19 bilhões. O rombo potencial, se as projeções do calote se confirmarem, dá aquele valor escrito acima: R$ 116 bilhões.

O estouro do Fies aconteceu no início do segundo mandato, por isso começou a cair o número de novos financiados a partir de 2015. Em 2016, já no governo Temer, o Ministério da Fazenda fez um amplo estudo do programa. O desafio era como manter e fazê-lo sustentável. Foi criado um grupo de trabalho e durante seis meses foram chamados representantes das universidades privadas. Em seguida, ele foi alterado.

O Fundo Garantidor do Crédito Estudantil agora é bancado pelos dois lados. O governo fará um aporte único de R$ 2 bilhões, e daí para diante as universidades privadas terão que pôr dinheiro, e as que tiverem mais taxa de inadimplência farão aportes maiores. Isso as obriga a melhorar a capacidade de empregabilidade dos estudantes. Na contratação do empréstimo, a universidade tem que dizer quanto ele vai custar e qual será o indexador. Isso proíbe o aumento desordenado das mensalidades. E não poderá cobrar mais do aluno financiado que dos demais alunos. Além disso, foi colocado um teto no valor que pode ser cobrado A concessão nova caiu para 170 mil em 2017. Ainda há um passivo a ser digerido, mas o programa entrou em nova rota. A lição que fica é que a demagogia e o uso político transformam um bom programa numa bomba fiscal.”

-------------
AGD comenta:

Sem comentários

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Bom senso





“Bom senso
        
POR DENIS LERRER ROSENFIELD

Há fenômenos, como os naturais, sobre os quais os discursos nada podem, como furacões e tsunamis. Ocorre, porém, que, no que diz respeito aos fenômenos sociais, há tentativas constantes de ocultamento como se narrativas políticas fictícias facultassem não reconhecê-los.

O Brasil aproxima-se de um tsunami em suas contas públicas, se nada for feito no que concerne à reforma da Previdência. Os números não fecham, além de serem profundamente injustos relativamente às aposentadorias e pensões dos servidores públicos e dos demais trabalhadores brasileiros.

No entanto, a campanha eleitoral está se desenvolvendo como se não fosse este um problema maior do País, que deverá ser enfrentado pelo(a) próximo(a) presidente, queira ele(a) ou não. De nada servirá a demagogia, salvo se a alternativa for conduzir o Brasil para uma ruptura institucional e à insolvência fiscal.

Os números são aterradores. Em 2017, o déficit da Previdência foi de R$ 268,79 bilhões (INSS e Regimes Próprios dos Servidores Públicos – RPPS da União), configurando o maior da série histórica, superior em 18,5% ao de 2016. Se nada for feito, os seus efeitos serão avassaladores. Para ter uma ideia do que é gasto, a despesa total eleva-se a R$ 700,6 bilhões. São recursos que certamente faltarão para a saúde, a educação, a habitação e a infraestrutura. Não há governo que possa se sustentar no médio e no longo prazos.

Ademais, o rombo da Previdência é desproporcional, constituindo uma intolerável injustiça entre o despendido com os servidores públicos e os outros cidadãos brasileiros. É como se houvesse cidadãos de primeira e de segunda classes, os privilegiados e os demais. A União gasta R$ 92,9 bilhões com as despesas previdenciárias dos seus servidores, beneficiando – pasmem! – apenas 980 mil pessoas. As despesas do INSS, por sua vez, remontam a R$ 90,3 bilhões beneficiando 32,7 milhões de pessoas. A injustiça é gritante!

As contas previdenciárias equivalem a um furacão se aproximando. Ao contrário, contudo, dos fenômenos naturais, este pode ser evitado. Isso se prevalecer o bom senso na troca de governo que se avizinha.

Os candidatos têm evitado via de regra este tema, por medo de perderem eleitores. Estão prisioneiros da oposição ao governo Temer, que tornou vitoriosa a narrativa de que tal reforma tiraria direitos, prejudicando os mais necessitados. A narrativa, embora falsa, foi comprada, quando na verdade ela visava precisamente a corrigir toda uma situação de injustiça social e de privilégios. De fato, a esquerda, capitaneada pelo PT, defende os privilégios de 980 mil pessoas contra a maioria da população, constituída por 32,7 milhões de pessoas. Marx estaria se revolvendo na tumba!

Poderíamos, no que toca a esta questão, estabelecer a seguinte linha divisória. De um lado, estariam candidatos como Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Henrique Meirelles, João Amoêdo e talvez Marina Silva, que poderiam vir a encarar esta questão de frente. Há, evidentemente, distinções importantes entre eles, uns sendo mais assertivos, outros preferindo a imprecisão e a névoa de propostas. Em todo caso, a realidade terminaria, de uma ou outra maneira, se impondo.

De outro lado, teríamos os candidatos da dita esquerda, Lula/Haddad, Ciro Gomes e Guilherme Boulos, que preferem antecipar a vinda do furacão, lançando o Brasil na incerteza, na desordem e na insolvência. Seus discursos respectivos são os de encobrimento do que existe e os da defesa da atual condição de injustiça em relação à imensa maioria dos trabalhadores.

Há, todavia, uma data-limite. E essa se situa quando da declaração do vencedor ou da vencedora do pleito eleitoral de outubro, seja no primeiro, seja no segundo turno. Neste momento, a realidade não poderá ser escamoteada e deverá ser encarada de frente. De nada adiantará a mistificação das narrativas. Se essas porventura prevalecerem, o resultado se traduzirá por menores investimentos, mais desemprego e menor renda. As consequências sociais serão elas também duras.

Urge que haja uma negociação entre o(a) candidato(a) vitorioso(a)e o atual presidente logo após a eleição. O Brasil não pode mais esperar. Quanto mais tempo se perca, pior será para todos. E, quando digo negociação, refiro-me à necessidade de que a reforma da Previdência seja ainda aprovada no atual governo, nos meses de novembro e dezembro.

Há, hoje, um impedimento constitucional que diz respeito à intervenção federal do Rio de Janeiro. Nada impede que ela seja levantada, com o acordo inclusive dos militares, que não a consideram uma função sua, a policial no caso, num Estado completamente desorganizado em suas finanças, instituições e, particularmente, na área de segurança pública.

O problema é essencialmente político. O atual presidente e o(a) próximo(a) deveriam unir esforços em prol do Brasil. Cada um ganharia com isso, sendo o País o maior beneficiário. O presidente Michel Temer terminaria o seu ciclo de reformas, sendo, então, reconhecido por isso. O(a) novo(a) presidente começaria o seu mandato sem este ônus que pesará sobre si, podendo pensar em seus próprios projetos. Poderia, mesmo, fazer com o devido tempo uma segunda etapa de reforma previdenciária, se esta se revelar provavelmente necessária. Haveria um clima de confiança, gerando novos investimentos, emprego e renda para todos. O Brasil poderia ver o seu futuro imediato com a esperança de inaugurar um novo círculo virtuoso, o do bem-estar material, da segurança jurídica e do crescimento econômico.

O Brasil é maior do que seus governantes, é maior do que todos nós. Alguns denominam isso de patriotismo, outros de primado do bem coletivo. Em todo caso, não podemos ficar reféns de um furacão que se aproxima perigosamente. Mais do que nunca, torna-se necessário abandonar os interesses menores pelos maiores do País.”

------------
AGD comenta:

Sem comentário

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Não faça o que faço





“Não faça o que faço

POR MERVAL PEREIRA

A reação dos petistas à recomendação do Comitê de Direitos Humanos da ONU relativa à candidatura de Lula nas próximas eleições é exemplar do dito popular “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.

Enquanto neste momento há um movimento articulado para espalhar que o governo brasileiro é obrigado a cumpri-la, liberando Lula para ser candidato à presidência da República, em outros o governo petista agiu justamente ao contrário, alegando que comitês tanto da ONU quanto da OEA não têm capacidade de intervenção em questões internas do país.

Assim como hoje, chefiado pelo tucano Aloysio Nunes Ferreira, o Itamaraty no tempo de Lula ou Dilma afirmava que “as conclusões do comitê têm caráter de recomendação e não possuem efeito juridicamente vinculante”.

Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) recomendou a suspensão imediata da Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, alegando irregularidades no processo de licenciamento ambiental, atendendo a uma medida cautelar de entidades indígenas que questionaram o empreendimento.

O então ministro da Defesa, Nelson Jobim, criticou a solicitação, e sugeriu que a Organização dos Estados Americanos (OEA) fosse “cuidar de outro assunto”. Mais, o governo da presidente Dilma, em retaliação ao que considerou uma intromissão em assuntos internos, suspendeu o repasse de verba à entidade, de US$ 800 mil.

 A diplomacia brasileira classificou a medida de “precipitada e injustificável”, e ainda chamou o embaixador brasileiro de volta, o que, em linguagem diplomática, significa um protesto em nível máximo.

Em outra ocasião, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o estado brasileiro pelos “graves crimes” cometidos no regime militar, e declarou sem efeitos jurídicos a Lei de Anistia. Embora petistas tenham gostado da decisão, inclusive o então ministro dos Direitos Humanos Paulo Vanucchi, nada foi feito, por impossibilidade jurídica.

A recomendação de organismos internacionais sobre direitos humanos, base da recomendação atual sobre a candidatura de Lula, sempre foi desprezada pelos governos petistas, que chegaram a fazer uma proposta oficial para que a ONU passasse a tratar os países que violam os direitos humanos com mais condescendência, evitando críticas públicas aos regimes autoritários.

Muito mais que decisões pragmáticas, se abster em votações contra Cuba com relação à violação dos direitos humanos, ou mesmo votar contra uma condenação do governo do Sudão sobre Darfur, onde um conflito étnico matou mais de 200 mil pessoas, fazia parte de uma política de Estado que o governo Lula adotou.

A ONG Conectas Direitos Humanos denunciou na ocasião a alteração no padrão de votação do governo brasileiro no Conselho de Direitos Humanos da ONU, seguindo geralmente interesses políticos e comerciais. Da abstenção em 2001 e 2002, o governo brasileiro passou a votar explicitamente contra a condenação da Rússia em 2003 e 2004. O padrão de votação parecia seguir o interesse geopolítico e comercial do governo brasileiro, e não tem relação direta com o conceito de direitos humanos em si.

Além de criticar a conduta como ineficaz, o governo brasileiro considerava, embora informalmente, que o Conselho de Direitos Humanos da ONU estava muito politizado, controlado pelos EUA.

A nota da ONU, destacada por Carlos Alberto Sardenberg em artigo, ressalva que “é importante notar que esta informação, embora seja emitida pelo Escritório das Nações Unidas para Direitos Humanos, é uma decisão do Comitê de Direitos Humanos, formado por especialistas independentes. (Logo) esta informação deve ser atribuída ao Comitê de Direitos Humanos”. Por isso, o Itamaraty do governo Temer, assim como os dos governos Lula e Dilma, considera o comitê que supervisiona o Pacto de Direitos Civis e Políticos, simplesmente isso, um órgão que não tem poder de sanção.”

---------------
AGD comenta:

Sem comentário

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Não foi ninguém





Por Elena Landau

Escrevo de Copenhagen, onde passo por um choque civilizatório. Todo mundo para no sinal, até os passantes. Não se ouve barulho de buzinas. Bicicletas, carros e pedestres convivem de forma harmônica. Muito respeito e gentileza entre as pessoas. País conhecido pelo bem-estar social e pouca corrupção, e uma grande confiança da sociedade nas instituições e seus instrumentos. A Dinamarca supera a média de países da OCDE, em itens como conexões sociais, engajamento cívico, educação e habilidades. A carga tributária é elevada, mas a sociedade sente que recebe de volta os impostos pagos. Impossível não pensar no Brasil, no contraste com nossa realidade.

Me veio à cabeça um extraordinário artigo de João Moreira Sales (1) em que ele descreve com maestria a situação que vivemos hoje. O texto fala das pichações nos muros cariocas com os dizeres “Não fui eu” e de seu significado: “A culpa não é minha”. Eu não tenho sentimento de responsabilidade. Eu não ajudei a cavar o buraco. Se os outros fazem, eu também posso. Posso parar em fila dupla, avançar sinal, não pagar impostos, sentar em lugares reservados para grávidas e idosos. Um erro é justificado pelo erro dos outros. E no final estão todos insatisfeitos. Por aqui, percebe-se o oposto; um senso de comunidade e de pertencimento. Todos são responsáveis.

Como quebrar esse equilíbrio ruim que vivemos no Brasil? Como chegar num ambiente institucional que inverta a lógica? Se ninguém fecha o cruzamento, também não fecharei é obviamente um equilíbrio superior.

Não há muitas opções. Ou isso acontece culturalmente, educando a sociedade, fortalecendo instituições, integrando o cidadão, crescendo e reduzindo a desigualdade, um percurso longo e lento. Ou pelo caminho da punição. Há candidatos à Presidência que escolheram a segunda via, que em nada contribuirá para uma mudança cultural. Mas é compreensível o apoio de parte dos eleitores a propostas de repressão. Estão com medo e apreensivos quanto ao seu futuro, num presente marcado pelo desemprego e pela violência. E pior, sem esperanças. Não têm a quem recorrer. Interesses corporativos se sobrepõem ao interesse difuso da sociedade. E as instituições que deveriam zelar pelo bem comum estão cada dia mais voltadas para seu próprio bem-estar. A defesa de privilégios inconcebíveis num país marcado pela desigualdade não enrubesce ninguém.

Os três Poderes estão em desordem, sem credibilidade, não oferecem rumo ao País, se boicotam e não assumem responsabilidades. Recentemente, o STF se autoconcedeu um reajuste de 16,38%, enquanto 13 milhões de desempregados não têm aumentos sobre os seus não salários. Farinha pouca, meu pirão primeiro, não é exatamente o comportamento que se espera da Corte nesta crise.

O Supremo sabe que há um efeito cascata sobre outras carreiras, federais e estaduais, como já deixou claro o Ministério Público (MP). Tremenda irresponsabilidade. No melhor estilo “não fui eu”, os que defendem o reajuste alegam que o impacto sobre as contas é pequeno e que pode ser financiado com remanejamento de gastos. Por que não economizaram antes, é o que me pergunto. Uns querem até usar os recursos recuperados na Lava Jato como uma forma de bonificação, quando estavam simplesmente cumprindo as funções do cargo que lutaram para exercer.

O aumento dos salários dos ministros do STF ainda tem de ser aprovado pelo Congresso. O Congresso terá apetite para vetar? É o mesmo Congresso que aprovou o aumento dos servidores na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019. E que cedeu ao lobby das corporações, especialmente do MP, e engavetou a reforma da Previdência.

O Executivo, por sua vez, perdido entre denúncias de corrupção, vai assistindo, sem credibilidade para intervir, a deterioração das contas públicas e a redução de espaço para fazer política social. Se arrasta para o fim do mandato agarrado como um afogado na regra que impõe um teto aos gastos para evitar o descontrole total e a volta da inflação, que como sabemos “resolve” os conflitos distributivos da pior maneira possível. E o sentimento de pertencimento e responsabilidade que percebi nesses poucos dias por aqui vai ficando mais distante.

E todos seguimos com a consciência tranquila, afinal, não foi ninguém.

(     (1)    Anotações sobre uma pichação, João Moreira Salles, Piauí, abril de 2018


-------------
AGD comenta

Sem comentários

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Decepção: o Supremo e sua pauta-bomba




        
POR ROBERTO MACEDO

Como outras no Congresso Nacional, uma pauta-bomba surgiu no Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 8 de agosto, ele aprovou reajuste de 16,38% dos salários de seus ministros. A proposta passará para o Congresso, onde a tradição é aprovar coisas do tipo, e desse tipo em particular, pois também serviria de pretexto para ampliar ganhos de deputados e senadores.

Se ali aprovada, é caso para veto presidencial. Seja pelo presidente de saída, para melhorar sua má imagem pública, ou pelo(a) novo(a) presidente, que, se aceitasse o reajuste, já estaria no caminho de um mau governo, pois agravaria ainda mais seu principal problema: a enorme crise fiscal que cairá em seu colo na posse.

Tenho insistido em apontar essa crise como um seriíssimo problema sem solução, e em pregar que esta seja tomada com urgência. Às vezes dá vontade de jogar a toalha, como ao ver o STF, que deveria primar pela sabedoria e pelos bons modos, optar por mais um petardo dirigido às contas públicas.

Contudo, animaram-me a ir em frente os paupérrimos argumentos brandidos por ministros do STF em defesa de sua lamentável decisão. E também o placar da decisão, 7 votos a 4, longe de um humilhante 10 a 1 ou 11 a zero.

Aliás, comparado ao de um jogo de futebol, esse placar se distingue porque os gols da vitória foram contra. Contra quem? Os quase 210 milhões de brasileiros, dos quais apenas alguns milhares foram favorecidos. A favor dessas centenas de milhões vieram os gols dos derrotados, infelizmente insuficientes para a vitória, mas com responsabilidade e espírito público.

Marcaram contra os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Surpreendi-me só com o gol do último, pois esperava um a favor, como os de Cármen Lúcia, Celso de Mello, Rosa Weber e Edson Fachin. As únicas mulheres do STF brilharam mais uma vez.

Passando aos paupérrimos argumentos dos vencedores, o ministro Toffoli alegou que o reajuste não provocará aumento de despesas. Textualmente: “Não se está encaminhando para o Congresso um acréscimo no orçamento do Supremo, não se está tirando dinheiro da saúde, educação, se está tirando das nossas despesas correntes, dos nossos custeios” (Estadão, 9/8). Ora, se é possível tirar dinheiro dessas despesas, é porque são irrelevantes e já deveriam ter sido cortadas, com repasse do montante ao Executivo, carente crônico de recursos para despesas com educação e saúde, entre outras sob aperto pela crise fiscal em andamento. Ademais, o ministro ignorou os efeitos em cascata dos reajustes nos seus impactos sobre outros orçamentos públicos, como nos Estados. Conforme cálculo das consultorias de Orçamento da Câmara e do Senado, em face desses efeitos o custo do reajuste anual total foi estimado em R$ 4 bilhões (!), cerca de cinco vezes (!) os R$ 717,2 milhões (!) previstos para o Poder Judiciário federal.

O ministro Lewandowski argumentou que o reajuste recuperaria parcialmente perdas de salário real em razão da inflação e, com base no segundo número citado, provocaria impacto inferior ao valor de R$ 1 bilhão que recentemente a Operação Lava Jato devolveu aos cofres da Petrobrás. Ora, o que uma coisa tem que ver com a outra? É um raciocínio estrambótico. Louve-se a Operação Lava Jato, mas não tem sentido tratar esse dinheiro como justificativa de reajustes salariais no setor público. É o caso de perguntar ao ministro: dentro de seu estranho raciocínio, como custear o reajuste nos anos seguintes se a Lava Jato não transferisse mais dinheiro para a Petrobrás? E como esta passaria dinheiro para o governo?

A Constituição exige que os ministros do STF tenham reputação ilibada e notável saber jurídico, e este deveria incluir uma boa noção de como funcionam as contas públicas. Alguns também não parecem preocupados com sua reputação.

A discussão do assunto deve focar em quatro pontos: 1) a magnitude do reajuste e sua abrangência; 2) a justiça dele em si mesmo, relativamente aos beneficiados e aos excluídos de algo semelhante; 3) quem vai pagar a conta; e 4) o estado das contas públicas em sua capacidade de suportá-lo, que não vejo.

São elementos para avaliar a ética da decisão, que tem como parâmetro sua relação com o bem comum à sociedade, se alcançado ou não. Não me meto a avaliar a decisão em sua moral, pois cada um tem a sua, algo pessoal e normativo. Em particular, entre juristas, como são todos os ministros do STF, costuma-se tomar a legalidade como sinônimo de moralidade.

A magnitude do reajuste é alta e alcança salários que estão entre os maiores do poder público federal e do País como um todo. Há categorias de servidores com salários muito menores e sem reajustes de mesma magnitude. E há os efeitos em cascata, como nos Estados, que prejudicarão não só servidores sem reajuste há muito tempo, mas também poderão agravar atrasos de pagamentos, que ocorrem nos Estados de Minas, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Quem vai pagar a conta é o povão, via impostos ou mais dívida pública. E decisões como esta agravam ainda mais a desconfiança dos agentes econômicos quanto ao futuro das contas públicas. Entre esses agentes se destacam empresários e consumidores, que assim restringem suas decisões de investir e consumir, prejudicando o crescimento econômico e a arrecadação de impostos.

Trata-se, portanto, de decisão aética, pois compromete o bem comum. Quanto a isso, digno de registro foi o desabafo da ex-presidente do STF ministra Cármen Lúcia, após a decisão: “Fui contra devido ao momento do Brasil. Grave do ponto de vista econômico e fiscal, com uma sociedade que está penando muito pelas condições que estamos vivendo, com mais de 13 milhões de desempregados. Então eu acho que, se o sacrifício é de todo mundo, tem de ser nosso também”.

---------------
AGD comenta

Sem comentários

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

A ficção conveniente (*)





“A ficção conveniente

POR MÍRIAM LEITÃO

Um político muito popular, que está na frente nas pesquisas, é preso em ano eleitoral, em uma conspiração da direita para que ele não volte ao poder. Para quem vê a cena de longe, parece mesmo ser essa a realidade brasileira, descrita pelo ex-presidente Lula ontem ao “New York Times”. O problema são os detalhes que ele esqueceu deliberadamente. Dois grandes escândalos de corrupção ocorreram em seus mandatos e nos de sua sucessora. Políticos da sua base e da oposição também têm sido investigados, julgados e condenados. As decisões do juiz que o condenou foram confirmadas em todas as instâncias superiores.

Lula diz que “forças de direita tomaram o poder no Brasil”. Deixou de dizer contudo que governou com essas mesmas forças e que o atual mandatário foi vice-presidente da chapa na qual sua sucessora ganhou duas vezes as eleições.

O artigo de Lula publicado pelo jornal americano começa dizendo que há 16 anos o Brasil estava em crise, com seus sonhos em perigo, e o PT trouxe a esperança. Há 16 anos o Brasil tinha, na verdade, vencido a mais difícil das mazelas econômicas, a hiperinflação, tinha feito uma série de reformas e implantado uma política econômica que estabilizou a economia. A volatilidade do dólar na época foi causada pelo temor de que Lula implantasse o programa que o partido sempre defendera. Foi o compromisso, cumprido no primeiro mandato, de seguir com a mesma política econômica do governo anterior, que permitiu superar a onda de desconfiança e colher os frutos dos avanços conquistados no governo anterior.

Seu governo trouxe de fato prosperidade e algumas de suas políticas foram fundamentais para reduzir a pobreza e a extrema pobreza no Brasil. Mas parte desse legado foi destruído pela administração desastrosa da economia, iniciada em seu segundo mandato e mantida nos governos da sua sucessora, que deixou o Planalto com o país em recessão, escalada de desemprego e ruína fiscal.

Lula defende a tese de que o país vive um “golpe de Estado em câmera lenta”, no qual a sua prisão é a última fase. Diz que sua condenação se baseia apenas no depoimento de uma testemunha que recebeu redução da pena pelo que disse sobre ele. Foram vários os que falaram das vantagens oferecidas e aceitas por ele, pelo partido e por sua base. A lista é longa, mas nela estão empreiteiros que privavam da intimidade do ex-presidente como Léo Pinheiro, Marcelo e Emílio Odebrecht.

Segundo Lula, o juiz Sérgio Moro se tornou um intocável graças à blindagem da imprensa de direita. Esqueceu de dizer que as decisões de Moro foram confirmadas por um tribunal de segunda instância e têm sido mantidas em todos os recursos à terceira instância e à Suprema Corte. E que no Supremo a maioria dos ministros foi indicada em governos do PT, e inclusive um deles foi advogado do partido.

Essa divisão do mundo entre esquerda que quer combater as desigualdades e direita que conspira contra o progresso social, e por isso está dando um golpe, é uma simplificação que convence estrangeiros. Confirma o estereótipo que se tem das repúblicas latino-americanas. Mas a verdade é um pouco mais complexa. Nos governos de Lula e Dilma subiu de 3% para 4,5% do PIB as transferências de recursos públicos para os grupos empresariais. O BNDES escolheu setores e empresas nos quais despejou dinheiro subsidiado. O custo dos repasses para os ricos foi 10 vezes maior do que o Bolsa Família.

Lula e Dilma governaram com a maioria das forças que estão no poder agora. O atual presidente também está sendo investigado pela mesma Polícia Federal que conduziu Lula à prisão. No primeiro escândalo, o mensalão, pessoas fortes no seu governo foram presas. No segundo, a Lava-Jato descobriu um vasto esquema, montado em seu mandato, de saque à maior empresa estatal do país, e parte do dinheiro desviado por antigos dirigentes da empresa, escolhidos por Lula e Dilma, está sendo devolvido à Petrobras.

Há muito que não foi dito no artigo, inclusive alguns detalhes que favoreceriam, em outras circunstâncias, a administração de Lula, como a de que a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis condenados em segunda instância, foi defendida pelo seu partido e em seu governo foi promulgada. Para seu próprio futuro, o PT precisa encarar a realidade da corrupção que houve em seus governos. Tem sido mais fácil contar a ficção conveniente.”

-------------
AGD comenta:

Sem comentários
-----------

(*) Ver carta do Lula no link:

 https://www.facebook.com/zecarlos.cordeiro/posts/2018758048188161


quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Bolsonaro pelas bordas





“Bolsonaro pelas bordas
         
Por Eliane Cantanhêde

A Região Sudeste, com seus 43,4% dos votos, é uma incógnita, com São Paulo dividido, Rio uma bagunça e Minas, imprevisível. O Sul briga com sua tradição tucana, o Nordeste espera a ordem unida do ex-presidente Lula e Norte e Centro-Oeste podem dar soma zero: cada um tem em torno de 7,5% de votos e eles se compensam, ou se anulam.

Com 33 milhões de eleitores, São Paulo já começa com duas surpresas. Governado pelo PSDB há 25 anos e respirando sem aparelhos, enquanto Rio, Minas, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte afundam, o Estado está dando uma canseira nos tucanos: empate técnico de Jair Bolsonaro (PSL) com Geraldo Alckmin para a Presidência e de Paulo Skaf (MDB) com João Doria para o Bandeirantes.

Eleição após eleição, a campanha sempre começa com o discurso da “fadiga de material” dos tucanos em São Paulo, mas eles acabam ganhando. Na última vez, para a Prefeitura da capital (9 milhões de eleitores), com um troféu: apadrinhado por Alckmin, Doria ganhou em primeiro turno.

E agora? A tal “fadiga de material” deixou de ser só lenga-lenga? E pode até estar sendo ampliada pelo surgimento de Bolsonaro? Ele não é “novo”, depois de 27 anos de Congresso e com a filharada toda na política, mas se contrapõe a nomes considerados óbvios, como o próprio Alckmin, Marina Silva e Ciro Gomes, além de se colocar como o maior adversário do PT.

No caso de Doria, contam os acertos e a perseverança de Skaf, que construiu na Fiesp boa plataforma para o governo, na capital e no interior. E contam os erros e a precipitação de Doria, que, mal assumiu a principal prefeitura do País, saiu em campo tentando disputar a candidatura presidencial com Alckmin e, no fim, trocou o mandato pela eleição ao governo. O “povo” não esquece essas coisas facilmente.

No Rio, tudo pode acontecer e o melhor exemplo foi Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus, contra Marcelo Freixo, do PSOL – ¬ extrema-direita versus a extrema-esquerda para a prefeitura. Estado destruído, MDB desmontado, o ex-governador Sérgio Cabral na cadeia por bom tempo e, mesmo não sendo “chapa militar”, Bolsonaro deve colher votos de militares da reserva, fortes no Rio, enquanto o ex-prefeito Eduardo Paes (ex-DEM, ex-MDB, novamente DEM) tem fôlego para o governo.

E Minas? O ex-governador Antonio Anastasia está conseguindo se desvencilhar da forte ligação com Aécio Neves (agora candidato à Câmara) e lidera para o governo, mas a ex-presidente Dilma Rousseff não só manteve a elegibilidade como tenta usar o impeachment a seu favor para o Senado. PSDB lidera para o governo, PT para o Senado, enquanto Bolsonaro vai se afirmando no Estado e lucrando com a briga renhida entre PT e PSDB.

O Nordeste, com 26,6% do eleitorado, é Lula, tanto que os adversários do PT desistiram de dar tiro n’água com vice nordestino. A dúvida é se, com tão pouco tempo, basta Lula estalar os dedos para todo mundo votar em Fernando Haddad. Será? A esta altura, a região conhece Bolsonaro, mas não faz ideia de quem é esse tal Haddad. Como no Norte (7,8% dos votos).

Com 14,5% dos eleitores, o Sul costumava equilibrar o lulismo do Nordeste com uma tendência para o PSDB, como no Centro-Oeste (7,3%). Desta vez, há Alvaro Dias (Podemos) tirando casquinha dos problemas tucanos e Bolsonaro comendo pelas bordas.

A polaridade PT-PSDB, que dividia o País entre Nordeste e Sul, mudou muito de figura, com Bolsonaro enraizado no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste e ainda na expectativa de lucrar uns bons votinhos petistas no Nordeste e no Norte quando a Justiça Eleitoral acabar com a candidatura fake de Lula. Eleição não é razão. A razão só chega depois, quando o eleito tira a fantasia de candidato para governar. Acaba a festa, fica o medo.”

-------------
AGD comenta:

Sem comentários

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Um voto irracional





“Um voto irracional
        
O Estado de S.Paulo

Uma parte da elite empresarial do País começa a declarar publicamente sua intenção de voto em Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República. O que antes era um apoio silencioso e um tanto envergonhado vai ganhando porta-vozes desinibidos. A unir esses empresários está não o liberalismo postiço de Bolsonaro, inventado somente para tornar menos difícil declarar voto em quem é tão identificado com o estatismo, o nacionalismo e a repressão que marcaram a ditadura militar, mas a presunção de que o ex-capitão, por ser quem é, será capaz de implodir o atual sistema político.

Para os empresários que se dizem bolsonaristas, é preciso acabar com o presidencialismo de coalizão, em que o presidente precisa fazer acordos muitas vezes fisiológicos com diversos partidos para conseguir votos. Fosse o candidato do PSL capaz desta proeza, mereceria o apoio dos brasileiros de boa-fé.

Que o deplorável presidencialismo de coalizão é o sintoma mais evidente da submissão da política a interesses paroquiais não se discute. A distribuição de verbas e cargos para angariar apoio no Congresso torna praticamente impossível que o Executivo forme um Ministério com os melhores nomes possíveis, devido ao loteamento entre os apaniguados de partidos aliados. Ademais, a governabilidade fica sempre na dependência da habilidade do presidente de manter a capacidade de barganha.

Não admira que esse sistema, levado a extremos nos governos do PT, cujos escândalos do mensalão e do petrolão foram seu corolário, tenha causado tanta revolta - especialmente entre os que trabalham e pagam impostos. O processo que levou ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, embora baseado nas criminosas “pedaladas fiscais”, foi politicamente impulsionado pela sensação, compartilhada por milhões de brasileiros que foram às ruas protestar, de que o País estava sendo tomado de assalto por uma quadrilha política.

O afastamento da petista acendeu a esperança de que o sistema fosse afinal se regenerar, mas, para uma parte considerável da opinião pública - na qual se encontram os empresários bolsonaristas -, os desdobramentos foram frustrantes. Generalizou-se a sensação de que todos os políticos são corruptos, entre outros fatores, pela imprudência de alguns dos integrantes da Operação Lava Jato, que trataram tênues suspeitas como provas cabais, e pela lamentável atuação da Procuradoria-Geral da República especialmente no caso das denúncias ineptas, porém escandalosas, contra o presidente Michel Temer.

Diante da percepção de que o sistema é de difícil regeneração - pois exige uma ampla reforma política que, entra ano, sai ano, ninguém consegue fazer -, gente como Bolsonaro passou a ser vista a sério como opção, por ser identificado como alguém avesso a fazer os conchavos políticos que a maioria da população não compreende e repudia. Sua candidatura desligada dos grandes partidos e relacionada a uma nostalgia da ditadura - idealizada como um tempo de “ordem” garantida por militares incorruptíveis - ganhou ares de alternativa viável para os que consideram que o sistema é irremediavelmente corrupto e indiferente ao destino do País.

O trágico é que alguns desses empresários que declaram voto em Bolsonaro admitem que o ex-capitão não tem mesmo capacidade para ser presidente da República. Mas, para eles, isso não é importante. O importante é que a eventual vitória de Bolsonaro representaria a ruptura com “o modelo que está aí”, nas palavras de um dos empresários desse movimento, cuja crescente mobilização foi noticiada pelo Estado.

Até onde se tem conhecimento, nenhum desses empresários parece saber ao certo o que virá depois dessa projetada ruptura. Mas não é difícil imaginar. Sem partido, com um discurso desagregador e antidemocrático, adepto de soluções que privilegiam a violência e - o que ele mesmo admite - um rematado ignorante dos principais problemas econômicos do País, Bolsonaro criaria tal confusão e tensão que o ambiente de negócios, já muito difícil, se tornaria totalmente hostil. Donde se conclui que esse movimento de empresários em favor de tal ruptura carece absolutamente de racionalidade. Pois Bolsonaro não tem como fazer a reforma política e muito menos como sanear as finanças públicas e reativar a economia.”

-------------
AGD comenta:

Sem comentários