Em manutenção!!!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Nosso Brasil





“Nosso Brasil
        
Por Monica De Bolle

“O Brasil é nosso. Nós somos diferentes deles”. Nós e eles. Eles e nós. Nós não somos eles, eles não são como nós. Nós somos diferentes, e ser diferente significa ser melhor, naturalmente. Mas, quem são eles? E quem diz agora que nós somos diferentes deles, ou que eles são diferentes de nós? Mais fácil responder a segunda pergunta do que a primeira. Dessa vez, quem disse “nós somos diferentes deles”, quem deu ar de novidade à velha ladainha do “nós” e “eles” cuja história é tão rica em Nosso Brasil foi Jair Bolsonaro.

Cabe digressão exploratória e explanatória. O interesse geral pelo termo “populismo” jamais esteve tão alto, a julgar pelos dados do Google Books NGram Viewer, que compila as menções do termo em publicações desde o ano 1900. Isso mesmo, desde o início do século passado. Nas publicações em língua inglesa, espanhola e portuguesa o aumento das citações de “populismo” é espantoso. Em razão disso, cientistas políticos, economistas, sociólogos, e outros pesquisadores da área de ciências sociais têm se dedicado a destrinchar o que, afinal, é populismo. Não é fácil chegar a um consenso sobre o que significa, já que de Hugo Chávez a Viktor Órban, de Donald Trump a Recep Erdogan, da direita à esquerda, há populistas para todos os gostos.

Jan-Werner Müller da Universidade da Pennsylvania, define populismo a partir de alguns ingredientes: trata-se de uma visão antielitista e antipluralista. O aspecto antipluralista é o mais importante. De acordo com a sua definição, o antipluralismo é a postulação moral de que um grupo representa “nós”, o “povo”, e não permite que qualquer outro grupo da sociedade faça a mesma postulação, os “eles”. Os “eles” são imorais e corruptos. A oposição não é legítima, pois quem não apoia os populistas não é parte do “povo”, não está entre “nós”. Opositores políticos, muitas vezes, são tachados de inimigos do “povo”.

O corolário do que está descrito acima é que o populismo é espécie de política identitária excludente, ou, tribal. Outro renomado cientista político e professor da Universidade da Georgia nos EUA, Cas Mudde, define populismo assim: “O populismo é uma ideologia superficial que separa a sociedade em dois grupos antagonistas – as pessoas “puras” e as pessoas “corruptas” – e afirma que a política deve ser a expressão da vontade geral do “povo”.” Contudo, como na definição de Müller, o povo não inclui toda a sociedade, mas apenas aqueles que se autoproclamam seus verdadeiros representantes.

Fim da digressão. “Este é o dia em que o povo começou a se libertar do socialismo, da inversão de valores, do politicamente correto, do gigantismo estatal”. “Esta é a nossa bandeira, que jamais será vermelha, só será vermelha se for do nosso sangue derramado para a manter verde e amarela”. Essas duas frases foram proferidas por Bolsonaro em seu discurso de posse. Examinadas sob a ótica das definições acima, entender quem representa “nós” e quem representa “eles”, uma das perguntas do início desse artigo, fica mais fácil.

“Nós” são todos aqueles que não criticam o novo governo, ainda que as críticas possam ser construtivas. “Eles”, o resto, são “comunistas”, “socialistas”, “vermelhos”, e todos esses termos estão inequivocamente associados a gente corrupta, sem escrúpulos, ou que apoia gente corrupta e sem escrúpulos. O bolsonarismo que se instala no País e se manifesta nas redes sociais incansavelmente é identitário e excludente, suas táticas não são apenas semelhantes às táticas do petismo. São as mesmas táticas já que a retórica petista sempre foi populista, ao menos de acordo com a definição atual do termo que nada tem de suas origens no século 19, quando despontou nos EUA. O bolsonarismo é o petismo no espelho com o sinal trocado – não fosse assim, as eleições de 2018 teriam sido diferentes.

Nosso Brasil passou por um ciclo populista “de esquerda” e agora passará por um ciclo populista “de direita”. Dessa frase, a única expressão que importa é “ciclo populista”, pois para populistas de linhagem, “direita” e “esquerda” são apenas acessórios descartáveis a depender da conveniência. Nosso Brasil, ainda que com “Deus acima de todos”, nada tem de acolhedor.”

--------------
AGD comenta:

Sem comentário

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

A hora do safanão





“A hora do safanão
        
POR FERNÃO LARA MESQUITA

No início, fresco ainda dos seus 28 anos de lobby para obter vantagens para militares e policiais no Congresso, Jair Bolsonaro não sabia se jogava no ataque ou na defesa na questão da previdência. O assunto foi cuidadosamente evitado na campanha. Ficou soterrado nas emoções do debate comportamental, na cumplicidade entre a direita, a esquerda e o centro contra a reforma e na inapetência da imprensa pelo tema.

Brumadinho, “rachid”, privilégios. Qualquer tapete levantado revela um monte de sujeira; qualquer arranhão olhado com lente confirma extensa infecção. Quem quiser focar nas diferenças entre a “esquerda” e a “direita” brasileira desta boca de 3.º milênio, que as há, tem todo o direito. Mas o País só apontará para o fim do túnel quando focar no que há nelas de idêntico e partir para a reforma democrática (a política) que porá o povo no poder.

Por enquanto vamos de previdência sem o rearranjo da qual não sobrará nada para ser reconstruído adiante.

O “governo de transição” é uma avalanche de números que faz qualquer sonhador despencar até do céu que protege Brasília para uma aterrissagem de emergência na calamidade geral que governadores e prefeitos estão encontrando. A verdade foi aos poucos contaminando o governo e, por meio dele, extravasando para a imprensa e dela para o País. A fase de alienação teve um ponto final quando Paulo Guedes encerrou “o baile” que a parcela Brasília do governo Bolsonaro ameaçou dar-lhe em público. Ali o presidente teve a primeira oportunidade de provar o quanto se comove com fatos, coisa a que o país das “narrativas” há muito tempo se desacostumara. E confirmou: a melhor qualidade de Jair Bolsonaro é sua capacidade de voltar atrás e corrigir o rumo. A ficha caiu com tanta clareza que os militares, sempre os primeiros a incluir-se fora de toda e qualquer tentativa de reforma anterior, espicaçados nos brios diretamente pelo comandante-em-chefe, declararam sua disposição de contribuir com um sacrifício para o esforço de salvação nacional.

É a primeira vez nos 519 anos de Brasil que alguma corporação da privilegiatura se dispõe a dar um passo atrás, gesto que pode ter consequências telúricas. Mas o problema para desencadear o terremoto ainda é a conclusão do despertar do presidente. Bolsonaro saiu do Congresso, mas o Congresso ainda não saiu de Bolsonaro. Ele continua se dirigindo tão somente ao País oficial para tudo quanto extrapola as picuinhas da turma do excesso de salivação com escassez de raciocínio das redes sociais. Apesar da firmeza com que corroborou a ordem para o realinhamento do governo à Prioridade Zero da previdência, ele ainda subestima a capacidade de discernimento do povo. Segue dimensionando sua reforma pela expectativa da sua receptividade pelo Congresso, e não pela real necessidade do País ou interesse do povo.

O Congresso não tem de ser o primeiro, deve ser o último a ser consultado. Ele pode tudo, até derrubar governos “inderrubáveis”, mas só faz isso quando o impulso vem da rua. Para levar os políticos a atos como esse, que não são de coragem, são de sobrevivência, é preciso que a população passe antes pelo mesmo banho de informação que fez o próprio governo mudar de atitude. Dar à privilegiatura o conforto de uma negociação anônima, de bastidores, para, no final, apresentar como sua uma reforma que dê conforto a ela seria uma grossa traição aos 58 milhões de votos recebidos. É o contrário. Os mais altos representantes da privilegiatura têm de ser convocados todos à boca do palco, com o resto da Nação, colocados de frente para os números pelos quais cada corporação é responsável – Judiciário, Ministério Publico, Legislativo e o resto –, e então serem instados a se manifestar encarando o público como os militares já se manifestaram. Tem de ser um ônus para quem quiser assumi-lo recusar contribuir ou impedir a aprovação de alguma coisa que o País inteiro estará perfeitamente consciente de que se não for feita nos mata.

O Congresso, assim como toda instituição encarnada em seres humanos, age sempre em função dos imperativos de sobrevivência dos congressistas. Por isso mesmo é que a democracia, depois de alguns ensaios românticos fracassados, foi redesenhada para pôr diretamente nas mãos do povo a condição de sobrevivência dos congressistas. Mas como aqui falta entregar o cetro ao povo, é ao presidente que, por exclusão, cabe essa função.

Esse roteiro não precisa ser encenado em tom de confronto. Convocar a Nação para apresentar-lhe a verdade dos fatos, medir as consequências de cada alternativa e pedir humildemente que ela indique a direção a seguir é a função por excelência do governante democrático. E cabe firmeza nisso. O general De Gaulle, que mais de uma vez ergueu do chão o orgulho nacional francês em frangalhos, disse numa dessas ocasiões o seguinte: “A democracia exige que a gente convença as pessoas. Quando as circunstâncias permitem, essa é a forma preferencial de agir. Então deve-se trabalhar para fazer evoluir as consciências. Mas há circunstâncias em que não é possível dar-se esse luxo e então é preciso comandar. É como na educação das crianças. Se a gente tem tempo o melhor é argumentar. Mas se não tem, para o bem delas, a gente vai lá e dá um safanão”.

A reforma da previdência – que vai definir o que será do governo Bolsonaro, do Brasil e dos brasileiros nos próximos 30 anos – está, obviamente, precisando desse “safanão”.

-------------
AGD comenta:

Sem comentário

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Estreia e reprises





“Estreia e reprises

POR FERNANDO GABEIRA

A ida de Bolsonaro a Davos é parte da aposta maior de seu governo: reformas e retomada da economia. A reforma da Previdência, por exemplo, não será tão consensual como Paulo Guedes afirmou. No entanto, tem chance de ser realizada.

Concordo com a tese geral de que um passo correto na economia fortalecerá seu governo. Discordo, entretanto, de quem acha que a economia neutraliza todos os outros problemas.

Não tem sido assim. No passado discutia com simpatizantes do PT o mesmo tema. Argumentavam que o importante era crescimento e renda e a corrupção seria apenas uma nota de pé de página na História do período. Teoricamente, acho que as dimensões econômica e política se interpenetram e, em certos momentos, uma delas pode ser a determinante.

O período de democratização revelou para mim que existe uma grande demanda de valores na vida pública. Na primeira eleição direta, Collor era o caçador de marajás; Lula, o que traria a ética para a política. Na verdade, era uma demanda já na eleição do período anterior, em que Jânio venceu esgrimindo uma vassoura.

O governo Bolsonaro surge com uma demanda maior, potencializada pelas redes sociais e diante de um País bastante severo e conhecedor das táticas evasivas dos políticos. Por isso vejo com a apreensão o episódio envolvendo o senador Flávio Bolsonaro. Os elementos que existem ainda não nos permitem concluir sobre o conteúdo. Mas é possível ter uma opinião sobre como as pessoas reagem quando estão sob suspeita – o comportamento acaba revelando mais do que a própria denúncia.

Quando Flávio Bolsonaro pediu ao Supremo que suspendesse as investigações, usando o foro privilegiado, alguns analistas concluíram que tinha tomado um elevador para o inferno. No primeiro andar já encontrou uma fogueira. Durante a campanha, Jair Bolsonaro, ao lado de Flávio, condenou o foro privilegiado.

Novas revelações – é sempre assim – surgiram e as explicações foram ficando mais difíceis e complicadas.

Surge um novo elemento com a prisão do Escritório do Crime, uma organização criminosa. Nova fogueira pelo caminho. Um dos milicianos teve a mãe e a mulher empregadas no gabinete de Flávio, então deputado estadual. Flávio disse que a responsabilidade da contratação era de Fabrício Queiroz, o motorista que já o enredara nas transações bancárias, levantadas pelo Coaf. Acontece que é muito difícil um deputado não conhecer perfeitamente seus assessores.

Além do mais, Flávio tem uma visão de que as milícias são um mal menor, porque expulsam os traficantes. E achava razoável que fossem financiadas pela comunidade.

São posições muito delicadas porque se aproximam da apologia do crime, na medida em que ignoram que as milícias vendem gás, controlam parte do mercado imobiliário, do transporte alternativo e em certos lugares elas próprias até assumem o tráfico de drogas.

Bolsonaro elegeu-se repetindo a frase “conhecereis a verdade e ela vos libertará”. Ele se vê agora diante do desafio de João: divulgar a verdade e esperar que ela o liberte.

É apenas uma suposição que o caso de Flávio não atinja o governo. Qualquer observador pode constatar nas redes sociais o desgaste entre os próprios apoiadores do governo. Foi uma campanha feita com explicações diretas pela rede. Os seguidores estão perplexos, pois as explicações agora são em entrevistas escolhidas.

Como o governo Bolsonaro tem bastante popularidade, as perdas talvez sejam subestimadas. Mas em política sabemos que não é bom sangrar.

Na verdade, quem acompanha os debates na direita observa que já existem conflitos abertos, alguns preocupantes. A viagem de um grupo de parlamentares do PSL à China produziu um grande debate interno. Isso tudo se passa na internet, mas a sensação é de que foi uma viagem sem briefing do Itamaraty, sem visão dos limites.

Segundo Olavo de Carvalho, os deputados foram conhecer um sistema de monitoramento facial da Huawei, empresa chinesa acusada de espionagem e que é um dos temas da guerra comercial EUA x China. De modo geral, somos muito sensíveis a sistemas de monitoramentos. Lembro-me do Sivam, fizemos muito barulho em torno dos equipamentos que iriam monitorar a Amazônia. Talvez o barulho tenha sido excessivo, o problema maior é usar todo o potencial do sistema. Isso apenas para dizer que não é uma tarefa de deputados recém-eleitos discutir essa questão na China. Envolve outras dimensões de governo.

O mais desolador é o nível do debate entre eles na redes sociais. Revela, para mim, uma das grandes distorções do presidencialismo no Brasil. Um presidente popular arrasta consigo dezenas de parlamentares. Na verdade, muitos deles são bombas de efeito retardado.

É possível que com eles, ou apesar deles, as primeiras batalhas da economia sejam vencidas. Mas de novo coloco a questão política e cultural: a direita tem consistência para dirigir um país tão diverso?

Outra dimensão preocupante é a questão ambiental. É uma ilusão ver isso com lentes ideológicas. Não é possível que considerem o tema uma trama marxista. O próprio organizador do Fórum de Davos, Klaus Schwab, questionou Bolsonaro sobre isso. Não parecia um marxista.

Antes de partir para Davos, o governo designou para o Serviço Florestal um deputado que é autor de uma lei autorizando a caça de animais silvestres. Pode argumentar que ela existe nos EUA. Eles têm um sistema de controle maior e, além do mais, por que se inspirar nos EUA nesse caso? Não há espaço para essa lei no Brasil. Nem para os setores que querem avançar sobre a floresta para criar gado, liberando carbono e toda a flatulência.

Economia à parte, os passos do governo nas dimensões político-culturais me deixam em dúvida se estou vendo estreia ou versão de um antigo filme.”

--------------
AGD comenta:

Sem comentários

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

O vento do Poder





“O vento do Poder

POR MERVAL PEREIRA

A impressionante deterioração do prestígio do presidente Jair Bolsonaro, a menos de um mês de ter sido empossado , está provocando um rebuliço no Congresso, onde lideranças que negociam a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado recuam e avançam, na tentativa de entender para que lado o vento do poder está soprando.

Já houve momento em que ser o candidato do governo valia ponto, e o senador Renan Calheiros se apressou a anunciar que “o novo Renan” queria negociar com o governo Bolsonaro. Também Rodrigo Maia, tentando a reeleição, foi visto ao lado do presidente, todo sorridente, depois de ter sua recandidatura não rejeitada pela cúpula do novo governo.

Em poucos dias, porém, o vento mudou de rumo. Os escândalos envolvendo o filho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro, estão indicando que talvez Bolsonaro não chegue ao dia 1º de fevereiro, dia da eleição, com essa bola toda.

 É hora de demonstrar independência, de vender a idéia de que, nesta hora, o Congresso pode tomar as rédeas da política e tem, pela primeira vez, desde o governo Fernando Henrique a bordo do Plano Real, a chance de ser o protagonista da História, conduzindo o governo em vez de ser conduzido por ele.

A partir do Plano Real, o Congresso, na análise de lideranças partidárias que buscam equilibrar-se na corda bamba em que se transformou o momento político, o Executivo, que sempre teve muitos poderes, emparedou o Congresso devido à popularidade de seus eleitos.

Antes, Collor conseguiu passar até mesmo o bloqueio generalizado das contas bancárias e investimentos, Lula até conseguiu eleger Dilma. Nos dois casos, os presidentes que tinham, por razões diversas, chegado ao poder com prestígio que fazia o Congresso se dobrar à sua vontade, acabaram impedidos em processos político-administrativos por terem se isolado nas relações com o Congresso.

Collor considerava-se acima dos partidos, pois chegara ao poder sem necessidade deles. E Dilma tinha em Lula sua garantia política, e por isso não dava bola para o Congresso, que se vingou dos dois, quando perderam a popularidade.

Collor mais rapidamente, cerca de três anos depois de ser eleito. Dilma depois do primeiro mandato, num processo que teve início em dezembro de 2015 e se encerrou em agosto do ano seguinte.

A eleição de Jair Bolsonaro, provocando uma verdadeira revolução política no país, fazia prever que sua popularidade, juntamente com o uso eficiente das redes sociais, legalmente ou ilegalmente, o tornaria um daqueles líderes a que o Congresso tem que se curvar.

Alguns membros do governo expressaram essa certeza, como o todo-poderoso ministro da Economia Paulo Guedes, que chegou a dizer que era preciso “dar uma prensa” no Congresso. O governo que não negociou com os partidos a formação do ministério tem sinais de que confia na capacidade de pressão da opinião pública para fazer aprovar reformas, mesmo as impopulares, como a da Previdência.

Essa situação não estava fora da realidade, até que o filho 01 levou para dentro do Palácio do Planalto escândalos que insinuam uso de dinheiro público ilegalmente, lavagem de dinheiro, corrupção e, o mais grave, ligações perigosas da família Bolsonaro com milicianos.

Não é apenas a proximidade de idéias e comportamento, mas há dinheiro envolvido nessa relação. O presidente, eleito principalmente para combater a corrupção, que demonizava a velha política e se propunha a renovar os métodos de negociação parlamentar, de repente vê-se em meio a uma rede de intrigas e ilegalidades que só faz corroer sua credibilidade junto à parte do eleitorado que acreditou que ele seria o salvador da pátria.

Esse desgaste está apenas começando, e as lideranças políticas no Congresso já começam a se convencer de que o enfraquecimento precoce do presidente favorece uma reação política. É de se prever que a agenda do ministro Sérgio Moro de combate à corrupção na política sofrerá abalos, tendo dificuldades para aprová-la.

 A reforma da Previdência, uma necessidade, pode ser aprovada, mas os congressistas estão dispostos a fazer bondades para amenizar a impopularidade que ela traá.

Os políticos que sobreviveram ao tsunami Bolsonaro disseminam a tese de que quem enfraqueceu a classe parlamentar foi a Operação Lava-Jato, que demonizou a atividade política, e não seus próprios atos. E estão dispostos a dar o troco.”

----------------
AGD comenta:

Sem comentário

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Estreia cautelosa





“Estreia cautelosa
        
Por William Waack

Jair Bolsonaro tentou lentamente desconstruir em Davos, na Suíça, no World Economic Forum, uma imagem que ele mesmo passou décadas para criar. Ao estrear de fato na cena internacional (e uma de considerável relevância), o presidente brasileiro parecia empenhado em fugir da caricatura cujos principais elementos – truculência, destempero verbal, radicalismo – vive de elementos fornecidos pelo candidato.

Bolsonaro não empolgou no discurso pois, de fato, não empolga ninguém quando discursa formalmente. O forte dele como figura política está na rapidez e “gaiatice” de algumas respostas – como a que resumiu a condição de seu adversário nas últimas eleições ao mencionar a razão de não topar duelos verbais: “quem conversa com poste é bêbado”. Mas nada disso no discurso formal, que parece melhor lido do que ouvido.

No que ele não disse, ou não se referiu diretamente, vislumbra-se o reconhecimento de alguns dados da realidade. O primeiro é o fato de que o público clássico de Davos (justamente os tais “globalistas” apegados à globalização que Bolsonaro tanto detesta) pouco se deixa levar por histrionismos, piadas, frases de efeito e oratória exacerbada. Quer linhas mestras – de preferência, com detalhes que, no caso, o presidente brasileiro não tinha para fornecer ou não achou necessário.

Bolsonaro falou dos grandes temas caros para esse público (que é o público que, mal ou bem, comanda a ampla agenda internacional): meio ambiente, segurança jurídica, abertura da economia, desregulação, diminuição de carga tributária, combate à corrupção. Falou talvez para o público interno quando se referiu à defesa dos “verdadeiros direitos humanos”. Os estrangeiros não devem ter entendido: lá fora o conceito de direitos humanos é um só.

Outro reconhecimento implícito, no tom (e também na forma do discurso) cordato, morno, pausado, é o de que a eleição de Bolsonaro foi um fato que uniu boa parte da imprensa internacional em severas críticas ao personagem político, e não estamos falando de órgãos da mídia claramente com posturas editoriais de esquerda. Esse é um dado concreto da realidade: nenhum governo brasileiro recente assumiu com uma imagem lá fora tão avariada como o de Bolsonaro. Marcar e desmarcar coletivas, com queixas fundamentadas ou não sobre o comportamento da imprensa, só vai piorar um quadro ruim.

O abandono de algumas posturas que costumam gerar muitos aplausos nas redes de apoio bolsonaristas – principalmente ligada a costumes e combate ao crime – indica também a admissão de que essas posturas (a “lacração” na internet) não são conteúdo capaz de gerar simpatias internacionais que ele, implicitamente, pareceu empenhado em conquistar. E há o reconhecimento explícito que o conjunto de regras multilaterais do comércio merece ser reformado para coibir “práticas desleais” (o velho protecionismo aplicado sem dó e defendido hoje sobretudo por Trump, que Bolsonaro tanto admira).

Bolsonaro passou ao largo ou foi genérico em relação às principais questões internacionais mais relevantes (como a crescente tensão geopolítica entre Estados Unidos e China, por exemplo), mas indicou que o Brasil pretende entrar para o clube da OCDE – o seleto grupo de economias que prosperou e parece razoavelmente interessado na tal “ordem liberal internacional” tão criticada por inspiradores de discursos do presidente.

No fundo, o que o estilo dessa estreia internacional traduz é o mais importante reconhecimento de um fato fundamental para esse novo governo. Bolsonaro deve se sentir aliviado constatando que será julgado não pelo que disser, mas pelo que fizer.”

----------------
AGD comenta:

Sem comentário

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Seria o Gato Leon o Flávio Bolsonaro?





“É hora de Bolsonaro exercer seu pátrio poder

POR JOSÉ NÊUMANNE

Em 6 de dezembro passado, reportagem de Fábio Serapião, da sucursal do Estado em Brasília, revelou que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), hoje da alçada do Ministério da Justiça de Sergio Moro, constatou movimentações financeiras de R$ 1,2 milhão na conta do PM Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado estadual Flávio Bolsonaro. Senador eleito com expressiva votação e, sobretudo, filho do presidente Jair Bolsonaro, ele passou a protagonizar um caso, no mínimo, difícil de explicar. E que desde então tem ficado mais complicado para o chefe do governo, escolhido para, em nome da nova política, isenta de corrupção, sepultar a velha, corrupta por definição.

A notícia bateu à porta do Palácio da Alvorada porque foi constatado um cheque depositado na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Mas o mais grave é que os depósitos em cheques feitos pelo ex-motorista e segurança do ainda deputado estadual na agência bancária da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) fazem emergir a hipótese de um crime corriqueiro na gestão pública nacional. Ou seja, o achaque praticado por parlamentares municipais, estaduais e federais, acusados de receberem de funcionários bem remunerados, mas que não trabalham, quase a totalidade de seus vencimentos.

Reportagem de Carla Bridi e Paulo Beraldo publicada na página A4 do Estado de domingo 20/1 revela que assembleias de 16 Estados são alvo de investigações desse tipo de peculato – que atende pela alcunha de “rachid” (referência a rachar, compartilhar) – pelo Ministério Público (MP). Mais da metade dos parlamentares estaduais responde por suspeita desse e de outros tipos de irregularidades. A saber: a contratação de funcionários fantasmas (dispensados do trabalho), empréstimos de chefe a subordinado para este abrir conta avulsa para movimentação paralela e transferência de parte dos benefícios do servidor exonerado para o empregador. A prática é geral: multipartidária e pluri-ideológica.

O valor movimentado pelo sargento PM aposentado Queiroz está entre os mais modestos de todos: a movimentação do gabinete do presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), de R$ 49 milhões, é 41 vezes maior que a dele.

Isso não impede, contudo, que os petistas cobrem nas redes sociais, veículos de comunicação preferidos da família presidencial, a quebra do compromisso de senador eleito, pai e irmãos com o combate prioritário e rigoroso à corrupção. Essa pregação foi um Leitmotiv dos mais populares dos quase 58 milhões de votos que deram ao capitão reformado do Exército uma vitória espetacular sobre seu principal adversário, Lula, do PT, encarnado por Fernando Haddad.

Em teoria, então, esta seria uma oportunidade rara para combater um dos crimes mais comuns e onerosos para o cidadão e contribuinte da História da gestão pública no Brasil. Como relatam Bridi e Beraldo, pelas vias da Justiça não tem sido fácil. “É muito difícil provar. Tem que pedir quebra de sigilo bancário. Às vezes, nem isso adianta”, disse-lhes a promotora Daniela Thomé, do Ministério Público do Paraná. “Muitas vezes não conseguimos traçar o caminho do dinheiro”, informou Sílvio Marques, colega dela da área do patrimônio público do MP de São Paulo.

A deputada estadual paulista Janaína Paschoal (PSL) contou no Twitter que ouviu de um corregedor da Assembleia Legislativa de São Paulo uma explicação para essa dificuldade. Ela relatou que os servidores lesados, quando denunciam os parlamentares, perdem o emprego e ainda têm de devolver os vencimentos integrais que receberam.

A reportagem dá conta de mandados de prisão expedidos por operações como Canastra Real e Dama de Espadas, em 2015, no Rio Grande do Norte, e Rescisória, em 2016, no Amapá. O deputado estadual paraibano Manuel Ludgério (PSD) lesou sua doméstica.

Esses casos esporádicos são, contudo, gotas num mar de lama imenso e indevassável, a exigir uma operação maior do que a Lava Jato. Um desafio gigantesco para o herói Sergio Moro no Ministério da Justiça e num sistema judiciário apodrecido a ponto de tornar inviável a contratação de um advogado por Sérgio Cabral para negociar sua delação premiada, por esta ameaçar figurões de todas as instâncias da Justiça.

O fio da meada puxada pelo Coaf, citado no primeiro parágrafo, tem muitos nós, um deles no lar, doce lar do chefe de Moro. O vice Mourão e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, sacaram a arma retórica para inocentar o primogênito do chefe. Este não é acusado na área penal, mas conseguiu a benemerência da suspensão de investigação de seu ex-assessor por Luiz Fux, plantonista no Supremo Tribunal Federal, que o irmão dele, Eduardo, reeleito deputado federal pelo PSL em São Paulo, ameaçou fechar, bastando para tanto “chamar um cabo e um soldado”.

Não será possível deter o desgaste político do governo se não for dada uma explicação “plausível” para o que foi noticiado sobre Flávio, principalmente depois da publicação pelo Globo de que abrigou em seu gabinete a mãe e a mulher do foragido Adriano Magalhães da Nóbrega, capitão PM acusado de ser o homem forte da organização criminosa Escritório do Crime, acusada de ter participado da cruel execução da vereadora Marielle Franco.

Até viajar para Davos com o filho Eduardo, Bolsonaro teve a companhia permanente de outro filho, Carlos, no gabinete. A partir de fevereiro, poderá recorrer apenas ao pátrio poder para domar o triunvirato familiar, que não contribui para sua paz, governabilidade e simpatia popular. Eduardo poderá ser útil num trabalho de formiguinha para evitar pautas-bomba na Câmara de Rodrigo Maia. Flávio também será providencial se conseguir impedir punhaladas de Renan Calheiros no Senado. E Carlos tem de cumprir o seu dever de vereador no Rio conflagrado.”

-------------

AGD comenta:


Seria o Gato Leon o Flávio Bolsonaro?


Desde muitos dias o assunto da imprensa, entre o encontro de Davos e a liberação de armas, é o Flávio Bolsonaro, o senador da República. Por que? Segundo o José Nêumanne, em texto abaixo transcrito, o filho 01 do Capitão Presidente foi flagrado em investigações do MP carioca como tendo um motorista, o Fabrício Queiroz, que era um participante ativo do “rachid” . Quando eu pensei que isto era uma boate carioca que conheci lá no Largo do Machado, quando lá morei, então o jornalista explica que não era isto. Era sim, um esquema em que estavam envolvidas as assembleias de 16 Estados da Federação e, eu suponho, não só elas, no qual, os deputados contratavam assessores, cujo trabalho era receber o dinheiro do salário no final do mês e repassá-lo (todo ou em parte) para o seu empregador, que se tornava o “rachador” do nosso dinheirinho de cada dia. Para os detalhes mais sórdidos leiam o texto abaixo transcrito.

Aqui, o nosso ponto para comentário é a papel da imprensa em geral e em particular a Rede Globo, que não consigo deixar de ver porque sou viciado, no plim-plim, desde épocas imemoriais. Bem, todos os veículos de comunicação tentaram mostrar os fatos, principalmente, aqueles, dentro do esquema que envolviam o Flávio Bolsonaro, eleito senador. Até aí, tudo bem. Afinal de contas, não é todo dia que se flagra um filho de presidente envolvido em malfeitos, mesmo, que estes possam ter acontecido ou não. O que mais me chamou a atenção no entanto foi o que fez e está fazendo a Globo, que, em seus telejornais e mesmos outros programas, deve perguntar aos seus produtores: “Já falaram do caso Flávio Bolsonaro hoje?”. Penso que se responderem ‘não’, vão trabalhar em Malhação. Deixaram até o filho do General Mourão de lado, quando este passou a ganhar 3 vezes mais no novo posto no Banco do Brasil. Consequentemente, o filho 01 do Capitão é hoje o nome mais conhecido da República, talvez, mesmo mais do que o pai.

A pergunta é: Será que o caso é tão importante para dar-lhe tanta importância? Penso que o culpado de tudo isto é do pai. Quem mandou andar dizendo que a Globo e outros veículos da imprensa vão ter seus contratos com o poder público revistos? Bem, é apenas uma hipótese como qualquer outra, para explicar a mim mesmo porque espero, toda vez que vejo uma novela atual, fico pensando que o gato Leon, vai ser, no final, o Flávio Bolsonaro? Digo isto aqui apenas para os viciados, como eu, em só dormir depois de ver uma novela bem irrealista. Portanto, pessoas sadias não precisam entender, nem mesmo o título que dei a este nariz de cera que chamam de ‘introito’ com muito boa vontade.

Fiquem com o Nêumanne e meditem se realmente vai ser necessário o Jair Bolsonaro atirar o pau no gato. Eu acho que, pelo menos umas palmadinhas na bunda ele deveria levar.

Nota: Escrito com introdução ao texto acima no Facebook.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

'California dreamin'





“California dreamin’

POR FERNÃO LARA MESQUITA

Queixam-se do Congresso, mas o nosso maior problema está no pedir, e não no que nos é entregue. A falta de qualquer referência não europeia nos põe mais longe da saída que todos os outros percalços somados.

A relação interpessoal proporcionada pela internet, lamentava-se o franco-uspiano Fernando Henrique Cardoso num programa que comparava os fenômenos Trump e Bolsonaro na TV na virada do ano, bagunçou um coreto que foi armado para e pela intermediação dos partidos (sustentados pelo governo), através das TVs (outorgadas pelo governo), da imprensa e do resto desse nosso “sistema de representação do povo” sem povo. Do outro lado da mesa esbravejava um representante da outra corrente europeia com que nos alternamos quando a terceira, a abertamente antidemocrática, dá folga. “Prendam todos! Não deixem nenhum à solta”! A provocação era trancafiar FHC também, mas essas duas faces da nossa “persona” europeia se odeiam, mas são gêmeas. Para uma, “o sistema” é bom, o que falta é só política. Para a outra, “o sistema” é bom, o que falta é só polícia. Nutrem ambas um mal confessado horror à falta de glamour e refinamento da igualdade não intermediada. À vida regida pela base da sociedade, e não pela “autoridade dos melhores” (aristo-kratia). Ao império sem filtro da lei, à meritocracia e à destruição criativa.

Mas nós falamos, afinal, do “pior dos regimes políticos, excluídos todos os outros”. E é aí que encaixo Roberto DaMatta relatando sua própria experiência de brazuca emigrado para os Estados Unidos no artigo Encruzilhadas, publicado neste jornal nesta quarta-feira, 16, em que escrevo. “Passar da desigualdade para o igualitarismo requer acrobacias sociopsicológicas (...) impossíveis de praticar sem um exame aprofundado (...) de quem fomos e de quem somos porque os costumes são tão coercitivos quanto as leis”. Não temos conserto dentro desse “passado aristocrático absolutamente eurocentrado de imperadores (...) e a massa negra escravizada (...) que nossos pensadores viam (e inconfessadamente continuam vendo até hoje) como natural.”

“A reforma previdenciária”, resumia DaMatta, “tem de fazer parte de um movimento arrebatador. Trata-se, no fundo, de uma guerra do Brasil contra o seu lado equivocado.”

Os Estados Unidos menos americanos, o federal, estão à beira da disrupção como farsa pela mão de Donald Trump, O Tapeador, mestre da manipulação das redes. Já a Europa saiu do feudalismo, mas o feudalismo nunca saiu da Europa. De lá vieram e nos foram impostos “os costumes tão coercitivos quanto leis” que estão aí até hoje, mas nós já nem sentimos. O Brasil pós-Tiradentes passou a censurar com fúria a nossa americanidade essencial de povo até então sem rei e nunca mais parou. E quanto mais privilégios os nossos “representantes do povo” independentes do povo “adquirem” e transformam em lei, mais se inverte e perverte a hierarquia povo-governo que a democracia nasceu para estabelecer até transformar-se nesse esdrúxulo feudalismo constitucional a que acabamos por nos acostumar.

Para termos democracia será preciso, antes de mais nada, aprendermos a identificá-la. “Esse sistema sempre em débito consigo mesmo, inacabado e caracterizado por permanentes ajustes”, na descrição de DaMatta, define-se essencialmente pela quantidade de poder que o eleitor tem antes e depois do momento da eleição para levar adiante esses ajustes. E o brasileiro não tem nenhum.

É essa a doença. Corrupção é só ausência de democracia e não vai acabar apenas com polícia. Não é da Europa que a resposta virá. A democracia real é a anti-Europa. Nasce em função da ausência do rei e caminha de oeste para leste. Da América impôs-se à Europa. Da Costa Oeste impôs-se à Costa Leste dos Estados Unidos. No Brasil será parecido. O último a entrar será o da praia.

Nos primeiros dias deste ano a Califórnia, que ainda no século 19 começou a revogar o modelo estático que nos oprime, contabilizava a safra de democracia dos 12 meses de 2018. Que Trump, que nada! 726 leis de iniciativa popular, referendos de leis dos Legislativos, votações de retomada de mandatos (recall), eleições de retenção de juízes e outras decisões foram diretamente votadas pelos californianos nas nove “eleições especiais” convocadas para esse fim, além da nacional de 6 de novembro.

Dentro do sistema distrital puro, começando pela célula do bairro que elege o board de pais de alunos que vai gerir a escola pública local e seguindo pelos distritos eleitorais municipais (uma soma dos de bairros), estaduais (uma soma dos municipais) e federais, cada pedacinho do país elege apenas um representante para cada instância de governo. Como o que define o distrito é o endereço do eleitor, todo mundo sabe exatamente quem representa quem. E sendo a identificação tão clara ele retém o direito de cassar o mandato do seu representante a qualquer momento mediante a coleta de assinaturas e a convocação de “eleições especiais” só no distrito afetado para decidir essas e outras questões.

As que envolvem impostos não têm exceção. Nenhum nasce ou se mexe sem voto. As que ordenam obras públicas e decidem como serão financiadas, idem. Os futuros usuários decidem se as querem ou não no modelo e pelo preço proposto e estabelecem, uma por uma, quem, como e quando vai pagar por elas. Valor do IPTU, construção ou não de uma ponte, valor do salário mínimo local, reajuste de planos de saúde, liberação ou não da maconha, normas para compra e uso de armas, tudo é decidido no voto em cada distrito eleitoral municipal, estadual ou federal somente por quem vai usar cada bem, pagar por ele ou ser obrigado a se submeter à lei em exame.

Olhado a partir da meca planetária da inovação política, que não por acaso é também a meca planetária da inovação tecnológica, o mundo não parece, portanto, tão disfuncional quanto Fernando Henrique o vê. Essa democracia e as redes têm tudo a ver. Nós é que, desde 1808, andamos com a cabeça sabe-se lá onde.

Mudar o País de dono, vulgo democracia, é o que cura o Brasil.”

--------------
AGD comenta:

Sem comentário

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Armas e direitos





“Armas e direitos
        
POR DENIS LERRER ROSENFIELD

Quem é contra o direito à legítima defesa? Não, certamente, a imensa maioria dos brasileiros que votaram no hoje presidente Jair Bolsonaro. Tiveram consciência da necessidade de resgate de um direito republicano que fora usurpado por sucessivos governos, com base em posições de esquerda e no politicamente correto. Saliente-se, aliás, que boa parte dos que são contra esse direito vive em condomínios com forte segurança e circula em carros blindados. É a elite, embora seu discurso seja supostamente antielitista!

O novo governo, em seu decreto, foi extremamente sensato, regrando objetivamente a posse de armas, deixando pouca margem para interpretações subjetivas ou politicamente corretas. Disciplinou a posse em domicílios e estabelecimentos comerciais de tal modo que cada pessoa possa ter quatro armas. Aliás, nem muito é, pois se uma família possuir duas ou três casas e igual número de negócios, sua cota já estará preenchida. Trata-se, diria, de um direito primeiro, o de a pessoa poder, em seus lugares próprios, usufruir sua vida, defendendo seu corpo, sua família e seu patrimônio.

Sem isso o cidadão fica claramente desprotegido, à mercê de qualquer ameaça. Quem se beneficia dessa situação são os bandidos, os criminosos, que podem invadir qualquer domicílio e estabelecimento sem medo algum. Meliantes têm “direito” à violência e à apropriação de corpos e bens alheios!

O Estatuto do Desarmamento cometeu a proeza de desarmar as pessoas de bem, deixando os criminosos à vontade, esses se armam a seu bel-prazer. Isso quando não são auxiliados por esses representantes do politicamente correto, que correm em seu apoio toda vez que são mortos, feridos ou presos. Quando um policial morre, silêncio absoluto; quando um criminoso sofre o mesmo destino, surge imediatamente uma imensa barulheira, como se seus supostos direitos não tivessem sido observados. É um mundo invertido!

Os politicamente corretos adoram estatísticas, sobretudo para triturá-las e enganar os incautos. O fracasso do Estatuto do Desarmamento é patente. Temos 15 anos de sua vigência e a taxa de homicídios ultrapassa 60 mil por ano. Mais do que o número de soldados americanos mortos no Vietnã! Falar que a nova política governamental vai piorar a situação soa risível!

A ideia de que povo armado piora o índice de homicídios é outra falácia desarmamentista. Segundo dados do site GunPolicy.Org, estima-se que existam entre 2 milhões e 3 milhões de armas de fogo em mãos civis na Suíça, cuja população é de pouco mais de 8 milhões de pessoas. Proporcionalmente, esse país é um dos cinco mais armados do mundo. Pois bem, em 2015 a Suíça registrou apenas 18 homicídios por arma de fogo.

No caso do Paraguai, país vizinho, os números são igualmente importantes. O país tem quase 7 milhões de pessoas e mais de 1 milhão de armas de fogo em mãos civis. Em 2014 o Paraguai registrou 318 mortes por armas de fogo. Proporcionalmente, há mais armas de fogo em mãos civis no Paraguai do que no Brasil, porém há muito mais mortes por armas de fogo no Brasil do que no Paraguai. A taxa de mortes por armas de fogo no Brasil foi de 21,2 por 100 mil em 2014; no Paraguai, 4,7 por 100 mil também em 2014. Interessante, não?

Os desarmamentistas costumam argumentar que após o Estatuto do Desarmamento houve significativa queda na taxa de crescimento de homicídios por armas de fogo. Ou seja, ainda que as taxas tenham mantido a tendência de crescimento, teria havido expressiva desaceleração, o que não deixaria de ser, em todo caso, paradoxal!

Acontece que essa desaceleração só é percebida quando se observam os dados nacionais, em que o Estado de São Paulo, onde as mortes por armas de fogo desabaram no período, ajuda a derrubar o índice nacional. E desabaram por uma política de Estado, centrada principalmente na inteligência e na repressão ao crime. Agiram contra os criminosos, e não contra as pessoas de bem!

Há, porém, muitos Estados onde os homicídios por armas de fogo aumentaram vertiginosamente em plena vigência do estatuto e desse Zeitgeist desarmanentista. Vejamos: de acordo com o Mapa da Violência, em 2004 a Bahia tinha 11,7 homicídios por 100 mil habitantes. Em 2008 o índice subiu para 26,4. Em 2010 alcançou 32,4. O Estatuto do Desarmamento é de dezembro de 2013, promulgado pelo ex-presidente Lula, hoje condenado e na cadeia.

Estados como Rio Grande do Norte e Maranhão registraram aumento de homicídios por armas de fogo de, pela ordem, 379,8% e 300% no período de 2004-2014. Também houve crescimento expressivo no Pará, 96,9%; em Goiás, 70,6%; e no Rio Grande do Sul, 38,6%.

Logo, a diminuição no estoque de armas não causou a diminuição dos homicídios. Tampouco o lema “mais armas, mais mortes”, frequentemente enunciado pelos defensores do desarmamento, é verdadeiro. O Brasil possui muito menos armas em mãos de civis na comparação com os EUA, mas quase seis vezes mais homicídios por armas de fogo. Diz-se que nos EUA existem mais de 350 milhões de armas. Fosse o lema verdadeiro, os EUA seriam o pior lugar para viver no planeta!

Por último, há uma questão moral em jogo. Instrumento não mata! Quem mata é quem o manuseia. Há mais mortes por automóveis do que por armas de fogo! Vamos bani-los? O que se faz? Estabelecem-se regras para a direção de veículos, da mesma maneira que se passa a fazer, agora, com a flexibilização do Estatuto do Desarmamento! Facas tornaram-se, nestes últimos anos, um instrumento usado para assassinatos. Alguém pensa em suprimi-las? Imagine-se cozinhar sem facas!

Pessoas que fazem mau uso de suas armas, assim como de seus veículos ou de suas facas, devem ser responsabilizadas por suas ações. É o processo de escolha em ato. Cada um deve assumir o que faz. Não cabe ao Estado tutelar o comportamento individual!”

--------------
AGD comenta:

Sem comentário

segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Filho do Mourão? Problema maior é no BB





“Filho do Mourão? Problema maior é no BB

Por Roberto Macedo

Tenho grande apreço pelo Banco do Brasil (BB), pois ele foi muito importante na definição do rumo da minha vida. Quando concluí o ensino médio trabalhava noutro banco, em Belo Horizonte, e procurava realizar um sonho na época típico de mineiro, o de ser funcionário do BB. Um concurso foi aberto e me inscrevi. Fiz o mesmo no vestibular para a Faculdade de Economia da UFMG, passei e comecei o curso. Depois veio a aprovação no concurso do BB, mas ser nomeado para Belo Horizonte era muito difícil, pois no banco havia muitos mineiros funcionários de carreira que pleiteavam remoção para essa cidade.

Pedi então ao BB a nomeação para qualquer cidade com faculdade de Economia. Consegui uma entrevista com o chefe de pessoal do banco, cuja sede ficava no Rio de Janeiro. Ele me levou à janela da sua sala, apontou o prédio do Ministério da Educação (MEC) e me orientou a ir lá e obter uma relação de cidades com faculdade dessa área. Chegando ao MEC, fui atendido por um funcionário da portaria. Ele ficava atrás de um balcão, curvou-se, pegou e me entregou um livreto com estatísticas sobre o ensino superior onde havia a informação desejada. Voltei ao BB e o referido chefe me disse: “Vou ver o que posso fazer por você”. Uma semana depois recebi um telegrama do banco dizendo que me apresentasse na sua agência Centro, em São Paulo, para começar a trabalhar.

Sorte enorme! Eu teria ido para qualquer cidade com a faculdade desejada, mas creio que noutras cidades, até mesmo na capital mineira, eu não teria as mesmas oportunidades de ascensão educacional, profissional e social que encontrei em São Paulo.

Transferi-me da UFMG para a USP, mas o primeiro dia de trabalho no BB freou um pouco o meu entusiasmo. Fui designado para trabalhar com um líder sindical, de nome Odilon. Quando soube de meu passado como bancário, disse: “Então, você é um bancário reincidente”. E mais: “Você chegou atrasado. Hoje a única coisa que presta aqui é a aposentadoria”.

Decidi pelo vou ficar para ver como é que fica. Na USP optei pelo curso noturno e no Banco do Brasil, pelo regime de seis horas diárias. Como tinha as manhãs livres para estudar em casa, tive um desempenho muito bom. No meio do curso, tornei-me estagiário de um ótimo professor, hoje muito conhecido, o Affonso Celso Pastore, que foi presidente do Banco Central. Com ele passei a entender melhor o trabalho de um economista pesquisador, e gostei tanto que meu desempenho no curso foi ainda melhor. No final dele fui convidado para ser professor assistente da mesma cadeira em que trabalhava o Pastore. Depois vieram a pós-graduação, a bolsa para doutorado nos Estados Unidos e a admissão na Universidade Harvard. Então pedi demissão do banco, optando pela carreira acadêmica na USP. Meu pai, que também foi bancário, sempre achou que eu deveria ter ficado no BB.

Tenho, assim, uma dívida com esse banco, pois acrescentou vários degraus no avanço da minha carreira educacional e profissional, com o que passei também pelo que os sociólogos chamam de ascensão social. E não fui o único. Conheci vários outros ex-funcionários do BB que também seguiram caminho similar, como o jornalista Alexandre Garcia, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega e o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto.

Nunca fechei minha conta no BB, já fui um microacionista dele e sempre me interessei pelo noticiário a seu respeito. A última notícia que vi, entretanto, causou-me grande espanto. Foi a de que um filho do general Mourão (vice-presidente da República), funcionário do Banco do Brasil, de nome Antonio H. R. Mourão, que ali ganhava R$ 12 mil por mês como assessor empresarial, fora promovido a assessor especial do novo presidente do BB, Rubem Novais, passando a receber R$ 36 mil (!) por mês. E mais: segundo o site O Antagonista, esse funcionário também “(...) ingressará no famoso Programa de Alternativas para Executivos em Transição (Paet), que garante bônus de ‘saideira’ para quem ocupou cargo no banco por dois anos. O valor desse benefício é de 2 milhões de reais, em média”.

Minha primeira reação foi também de dúvida: será que o meu pai não estava certo? Em vez de optar pela USP, não teria sido melhor ir para Brasília e no BB buscar algo lá no topo? Mas logo caí na real: como é que o Banco do Brasil se dispõe a pagar a um consultor esse salário, muito perto do de um ministro do Supremo Tribunal, que passou a R$ 39.300 com o último reajuste? Pelo que sei de remunerações do mercado de trabalho, por metade desse valor esse consultor já seria muito bem pago. E o Paet? Acho que é de fazer inveja até mesmo a altos executivos de bancos privados, mas é problema de seus acionistas se neles houver algo do tipo ou coisa melhor.

O noticiário sobre ao assunto focou mais no pai do que no filho, aquele procurando justificar a nomeação, mas também reconhecendo que o salário é muito alto, conforme matéria no mesmo site. Como o acionista controlador do BB é o governo federal, ele não pode permitir desatinos desse tipo. Assim, o problema maior está no BB. Soube de funcionários do banco que com a ascensão do PT ao poder a corporação de funcionários ganhou maior força, outorgando-se uma série de vantagens que não se coadunam com a gestão ética de um banco dessa natureza. Soube também que, além do alto salário e do Paet, Antonio Mourão terá direito à participação nos lucros atribuídos à diretoria a que está ligado.

Mantenho a esperança de que Bolsonaro poderá fazer um bom governo. Mas para merecer essa avaliação a posteriori ele não poderá deixar de realizar uma profunda revisão e reforma da gestão de recursos humanos (RH) das várias instituições governamentais. Não será surpresa se encontrar outros disparates nas remunerações depois de quase 14 anos de gestões petistas.”

---------------
AGD comenta:

Sem comentário

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Gradualmente, e aí, de repente





“Gradualmente, e aí, de repente

 Por Silvio Meira

Tim O’Reilly abre um de seus textos com um personagem de Hemingway respondendo como faliu: “gradualmente e, aí, de repente”. É também uma descrição de como o futuro aparece. Ele chega “gradualmente (por muito tempo, quase sempre) e, aí, acontece de repente”. É por isso mesmo que quem não presta atenção em sinais fracos acha que o futuro, qualquer um, chega de uma hora pra outra.

Não foi num só dia que os pagamentos móveis na China saíram do zero para US$30 trilhões por ano. Não é observando os EUA, onde o mesmo tipo de transação está nas dezenas de bilhões por ano, que se vai entender o futuro deste mercado. O futuro não é só um tempo, é um contexto, que envolve lugares, suas regras e possibilidades, suas fundações e potencial. Por isso que, mesmo surgindo na África nos anos 2000, o formato africano de “dinheiro digital móvel” não se tornou global.

Não acho que muita gente duvide, hoje, que os veículos do futuro serão autônomos. Também não conheço quem acredita que eles serão ubíquos de uma hora pra outra. Porque ainda há muita coisa pra acontecer antes de haver carros sem motorista rodando em Taperoá, na Paraíba. Isso vai ocorrer muito mais rapidamente nuns lugares do que noutros; o futuro, mesmo quando chega de repente, não chega em todo canto ao mesmo tempo, nem pra todo mundo.

Mesmo quando se considera serviços públicos, que deveriam ser universais, o tempo é um problema: a rede elétrica começou em 1881 no Reino Unido e serve 86.8% da população mundial. Mais de 130 anos depois, há 13% da população sem acesso a eletricidade. Por quê? Contexto – ou falta dele. A internet comercial apareceu há 25 anos e atende 51.3% da população mundial. Em que futuro será universal? Com as taxas de adesão à rede caindo como estão, não será antes de 2050. Danado.

Mas o futuro não é só “gradual e de repente...” quando em tecnologias e seus usos. O trabalho, em transições provocadas pelas transformações tecnológicas, muda lenta e, aí, radicalmente. E isso está ocorrendo agora, com muitas empresas sem saber o que está acontecendo e, entre as que imaginam que sabem, como tratar o futuro do trabalho e as pessoas que são responsáveis por ele. Porque empresas são abstrações; os negócios que elas fazem são redes de pessoas, que trabalham.

O trabalho gasta 100 mil horas de uma vida e seu presente e futuro já passam por mudanças rápidas e radicais. Isso levou a NASA a criar um arcabouço para que suas pessoas se tornem adaptáveis, resilientes, produtivas e ousadas, para enfrentar o “de repente, todo dia”. Nem todos os negócios têm que pensar da mesma forma que a NASA, claro, mas todos têm que redesenhar seus processos e métodos, suas arquiteturas de criação e entrega de valor, no contexto do presente e futuro do trabalho das suas pessoas. Bem, nem todos: só os que – de repente – querem ter algum futuro...”

---------------
AGD comenta:

Sem comentários

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

A Reforma da Previdência e os milagres da Constituição





A Reforma da Previdência e os milagres da Constituição

Por Zé Carlos

Eu não sou e nunca fui um especialista em Previdência Social. No começo da vida profissional, num trabalho escolar aqui outro ali, tentei estudá-lo, o que, penso, fez também o Ministro da Economia, Paulo Guedes, que foi meu colega de classe (não, não sou íntimo dele; deve fazer uns 40 anos que não nos vemos), e hoje tem a chance de salvar o Brasil propondo uma Reforma para este setor, que foi esculhambado pela nossa Constituição Cidadã, sendo a única no mundo que promete a felicidade para todos, com trabalho ou sem trabalho.

Veio a calhar, o texto que reproduzo abaixo, do Fernão Lara Mesquita, que detalha alguns aspectos do que vivemos atualmente, com o início de um novo governo, que, para ou bem ou para o mal (espero que para o bem) descobriu que sem uma mexida na Previdência Social, não iremos muito longe.

No entanto, muitos (o PT não conta porque nunca prestou atenção e nem fez nada para resolver o problema), acham ainda que o importante é cumprir nossa Constituição, mesmo que isto nos leve à insolvência fiscal e consequentemente ao desastre econômico e social. O que tenho medo, neste governo, é que o Bolsonaro tome ao pé da letra o seu dito “... e Deus acima de todos!”, e fique esperando um milagre do João de Deus, quando o Paulo Guedes já demonstrou que  “almoço grátis” Deus só oferecia no Paraíso. O lema nesta terra cruel está mais para “Quem não trabalha não come!”, que nossa Constituição revogou.

Eu diria que, sempre na “mediocridade” dos ditos populares que “vão-se os anéis e ficam os dedos”. E os dedos ainda podem ser salvos, mas, os anéis o PT levou, enganando o povo, ao dizer que os estava trocando por outros mais bonitos, como se fosse milagre. Infelizmente, o Padre Quevedo morreu e não pôde acompanhar a descoberta das mutretas atrás destes pseudos-milagres. Esta é a tarefa do Capitão, que tem a chance de mostrar a fraude desta “justiça social” de fancaria. E, como diz o articulista abaixo, sem a ajuda do Guedes e uma reforma da previdência que puna os privilégios das corporações, estaremos fritos.

Fiquem então com o Fernão e meditem sobre se é possível a vida fora do Paraíso criado pela nossa Constituição Cidadã:



----------------------



“O que falta para salvar a pátria
        
Por Fernão Lara Mesquita

Não há quem no serviço público brasileiro não tenha sido tocado ao menos pela corrupção institucionalizada, aquela que oficialmente não é tida como o que é porque a lei é o seu instrumento de ação. Nem mesmo os militares passaram incólumes por essas três décadas de elevação da cultura do privilégio à força em torno da qual tudo o mais gravita no País oficial desde a Constituição de 88. Mas se havia qualquer dúvida sobre o valor da reserva moral que lhes restou, ela acabou com os fatos que se seguiram ao primeiro embate de 2019 entre Brasília e o Brasil.

Como acontece sempre na formação de qualquer governo, a “área econômica” é a única que chega ao dia da posse com todas as suas referências fincadas exclusivamente no País real. Brasília, de onde, com as regras eleitorais vigentes, obrigatoriamente sai o núcleo dos grupos que se substituem no poder, não sente o Brasil. Lá os salários sobem e as carreiras progridem por decurso de prazo tão certo quanto que o sol nascerá amanhã. Nunca aconteceu com seus familiares, nunca aconteceu com seus amigos, nunca aconteceu com seus colegas de trabalho, nunca aconteceu com eles próprios: a figura do “andar para trás” simplesmente não existe no modelo cognitivo do típico cortesão de Brasília nem como exercício abstrato de antecipação de uma possibilidade, simplesmente porque essa possibilidade não existe.

Não é de surpreender, portanto, que para todos quantos a cada nova conta a ser paga corresponde um novo “auxílio” arrancado ao favelão nacional o “modelo de capitalização” na Previdência – que em português plebeu quer dizer pagar por aquilo que se vai consumir – pareça uma inominável maldade. Essa relação, para eles, nunca foi obrigatória.

Mas agora a realidade está aí nua e crua. Financiar os 30-40 anos de ócio que o brasiliense aposentado típico vem colhendo sem nunca ter plantado custou ao Brasil passar da economia que mais crescia para a economia que mais decresce no mundo hoje, mas Brasília nem percebeu. Brasília “cresce” sempre, chova ou faça sol, por “pétrea” determinação constitucional. E, na dúvida, lá vem o cala-boca: “A Constituição não se discute, a Constituição cumpre-se”.

Só que não.

Agora, à beira do precipício, até Brasília já sente a vertigem. O inchaço do funcionalismo nos 13 anos de PT transbordando em progressão geométrica para as aposentadorias na flor da idade que congelam os salários públicos no tope de cada carreira por quase meio século mergulhou essa previdência sem poupança num processo de metástase. Com quase 40% do PIB entrando, já não sobra sequer para pagar aos aposentados mais os seus substitutos com o salário de entrada. E como quando falta dinheiro para pagar a funcionário no Brasil é porque já faltou antes para tudo o mais – hospitais, escolas, segurança pública, infraestrutura –, não há mais como não agir.

Velhos hábitos demoram para morrer, mas os embates da primeira semana de governo deram indicações animadoras da força da humildade de Jair Bolsonaro. Ele vacilou quando se calou diante do sindicalista Lewandowski infiltrado no STF. Ele vacilou quando recusou vetar o aumento dos incentivos para a Sudam e a Sudene. Ele tem vacilado diante dos “quiéquiéisso companheiro” dos amigos da vida inteira das corporações militar e política, de que faz parte. Ele vacilou, até, diante do “fogo amigo” contra Paulo Guedes. Mas Paulo Guedes é um homem de contas. A transição e os primeiros dias de governo têm sido uma avalanche de números. E com números não se discute. Assim que Guedes se decidiu a dar o limite dos “bailes” que estava disposto a levar de Brasília parece ter caído a ficha e o presidente teve a nobreza de rever sua posição. Realinhou o governo inteiro à Prioridade Zero de deter a hemorragia previdenciária e o Brasil entrou em festa para deixar bem clara a fundamental importância que essa atitude teve.

Brasília pode reagir a Onix Lorenzoni, mas o Brasil reage a Paulo Guedes. E se confundir essas prioridades o governo comete suicídio e nos leva junto. Não haverá segunda chance. Não há tempo. Privatizações e descomplicações liberalizantes da vida produtiva poderão acelerar o processo. Mas o que dirá se haverá ou não processo a ser acelerado é o desenho da reforma da Previdência. E o lucro ou o prejuízo serão colhidos inteiros a partir do momento em que esse desenho for conhecido.

Tudo isso parece ter-se tornado subitamente claro para o governo. Tocados nos brios, os militares, que estão longe de desfrutar os maiores entre os privilégios do Brasil com privilégios, embora vivam no que para o País real não entra nem em sonho, declaram-se dispostos a puxar a fila dos sacrifícios para dar o exemplo. É um gesto inédito na História do Brasil e absolutamente decisivo. Se confirmado, cala para todo o sempre a boca dos detratores da instituição. Já o campo do Legislativo reflete, para bem e para mal, a diversidade do País. Mas quando chamado ao sacrifício com o devido empenho, no governo Temer, prontificou-se a responder majoritariamente a favor do Brasil. Foi detido pelo golpe Janot-Joesley que abortou a votação decisiva na véspera de acontecer. Desde então, sentindo espaço, suas piores figuras voltaram a dominar a cena. Mas um novo Congresso vem aí e, no extremo, Poder eleito que é, ele sempre faz o que o Brasil diz que quer que ele faça.

Falta, agora, o movimento da inefável Versailles da privilegiatura que tem sido o Poder Judiciário. Não haverá avanço na segurança pública se não houver avanço na economia. E não haverá avanço na economia se não houver avanço na Previdência. Sem ambos, não haverá pacote de leis nem articulação de forças de repressão capaz de deter a quase guerra civil contra o crime organizado que vivemos. Mas se o ministro Sergio Moro e seus fiéis escudeiros do Ministério Público, seguindo o exemplo dos militares, liderassem o movimento de devolução de privilégios que suas corporações há muito devem ao Brasil, a pátria com toda a certeza estaria salva.”