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sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Feliz Natal e Próspero Ano Novo



Desejamos a todos nossos leitores um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo!


A GAZETA DIGITAL

(AGD)





Nota: Voltaremos no próximo ano, ou a qualquer momento em edição extraordinária!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

STF reforça um vazio





“STF reforça um vazio
         
Por William Waack

A bagunça criada pelo STF é perigosa, não só pelo que possa significar para os destinos políticos deste ou daquele (no caso, Lula), mas, sim, pela destrutiva força que dali emana de insegurança jurídica. Faz tempo que o STF deixou de ser um colegiado para se transformar num ajuntamento de 11 indivíduos, cada um com suas ideias próprias do que seja a aplicação do texto constitucional. E, sem liderança, papel que seu decano não quer ou não foi capaz de assumir.

Transformado, às vezes, numa espécie de assembleia constituinte, dadas as interpretações capazes de inverter o sentido de preceitos constitucionais, o Supremo é o espelho exato do que se chamava antigamente de judicialização da política (já que o sistema político não resolve, as decisões acabam caindo no colo de juízes, que não são competentes para isso nem foram eleitos). O que existe hoje é a perigosa politização da Justiça, entendida como tomada de decisões que tem como cálculo atuar na política ou reagir ao que integrantes do Supremo possam considerar que seja “clamor popular”.

Com algum atraso – felizmente, depois das eleições – cumpriu-se um dos cenários mais temidos pelos integrantes das Forças Armadas, que pularam para o lado de Jair Bolsonaro. Com uma “canetada”, acaba sendo produzida uma surpresa de imprevisíveis consequências políticas. A de Marco Aurélio só não se tornou pior, pois o processo político já levou à diplomação de um novo presidente. Mesmo assim, a “surpresa” da decisão monocrática é que fará com que alguns desses altos oficiais, sintam agora cheios de razão: era necessário, na visão deles, frear de alguma maneira a bagunça política que, junto do esgarçamento do tecido social, ameaçava criar condições dificilmente controláveis.

Episódio ainda pouco contado em detalhes foi o temor do escorregão rumo à bagunça política que levou o ainda nem empossado atual presidente do Supremo, Dias Toffoli, a combinar com o alto-comando do Exército uma garantia contra “surpresas” (leia-se canetada monocrática). Foi a nomeação do então chefe do Estado-Maior (e agora nomeado ministro da Defesa), general Fernando Azevedo, como assessor especial do chefe do Poder Judiciário, o próprio Toffoli. Pode-se dar a isso a designação de “tutela”, mas seria um exagero. O que aconteceu, no fundo, foi a compreensão, por parte de uma série de agentes políticos, de que era necessário articular algum tipo de garantia contra “surpresas” jurídicas de consequências políticas incalculáveis.

Foi exatamente essa garantia que Toffoli deu aos militares – mas a garantia não se estendia a seus colegas de ajuntamento de integrantes do STF. As causas jurídicas mais distantes da insegurança que emana do STF não cabem neste curto espaço. Um breve resumo, as localiza exatamente na politização da Justiça – o STF, por exemplo, protelou uma decisão final sobre o artigo da Constituição que trata da prisão após condenação em segunda instância, pois alguns de seus integrantes achavam que se formaria uma maioria “beneficiando” Lula.

Como instituição, o STF sofre hoje do pior dos males, que é o descrédito – seja por decisões que inevitavelmente serão consideradas como “políticas” (e, de fato, muitas são) e, portanto, destinadas a favorecer uns e prejudicar outros. Seja por ser identificado não mais como “garantidor” dos preceitos constitucionais, mas, sobretudo, de vantagens auferidas por integrantes do Judiciário. Qualquer que seja o destino de Lula, o papel desempenhado pelo STF reforça um vazio institucional.”

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quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O custo impagável da desigualdade





“O custo impagável da desigualdade
        
Por José Nêumanne

No fim de semana de 8 e 9 de dezembro os meios de comunicação publicaram e repercutiram notícias que aparentemente nada têm que ver uma com a outra, mas no fundo têm tudo que ver. Associadas, mostram como será difícil enfrentar o custo impagável da desigualdade cobrado pelo estroina Estado brasileiro. Em artigo publicado no sábado 8, neste mesmo espaço, o maior especialista brasileiro em combate à corrupção, o professor de Direito Modesto Carvalhosa, revelou a face cruel da apropriação do patrimônio pessoal dos brasileiros pela voraz máquina pública. No mesmo dia o Jornal Nacional, da Globo, noticiou uma frondosa árvore genealógica dependurada no erário de um policial militar (PM), Fabrício de Queiroz, amigo pessoal do presidente eleito, Jair Bolsonaro, e ex-assessor do filho dele, Flávio, deputado estadual na Alerj e futuro senador da República.

No título de seu texto, desenvolvido com a lógica implacável e a elegância estilística de hábito, o jurista celebrou uma efeméride, o Dia Mundial de Combate à Corrupção, e revelou uma conexão inusitada entre o furto criminoso do erário em propinas pagas por fornecedores do Estado e os privilégios garantidos pela Constituição e pelas leis a gestores dos altos escalões. Essa conexão dá uma explicação “plausível” - para usar o termo do ex-chefe para definir o relato do ex-assessor, desde já a promessa de um enredo capaz de pôr a Sheherazade de As Mil e Uma Noites no chinelo - para uma contradição evidente. Qual seja: por que a população brasileira aplaude com tanto fervor o trabalho da Operação Lava Jato, tornando o juiz Sergio Moro um herói, mercê do êxito do combate exercido por eles à rapina de verbas públicas, ao mesmo tempo que rebaixa o Brasil da 79.ª para a 96.ª posição no ranking mundial de países que lutam contra isso?

Para responder a essa questão convém utilizar o conceito do jurista para o mal que nos aflige. Este acontece sempre que boa parte do patrimônio público, da cidadania, é transferida só para alguns cidadãos.

Desde 2011, com o julgamento da Ação Penal n.º 470, vulgo mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e mais ainda desde 2014, quando a sociedade tomou conhecimento da devassa inusitada do maior assalto aos cofres públicos da História, no escândalo que se conhece como petrolão, o brasileiro acompanha e aplaude a guerra contra a impunidade. Ou seja, as devassas policiais, as denúncias do Ministério Público Federal (MPF) e as condenações por alguns juízes federais tornaram o crime visível para a grande massa da população. Uma jovem e bem preparada geração de policiais, procuradores e magistrados, servidores da União, revelou, processou e prendeu empresários e políticos da nata da elite.

Por causa dessa investida, gente do naipe do empreiteiro mais rico do País, Marcelo Odebrecht, e do político mais poderoso e popular dos séculos 20 e 21, Luiz Inácio Lula da Silva, deram entrada no inferno prisional, ao qual antes só desciam pobres, pretos e prostitutas. Isso é tão importante que se tornou o apelo mais poderoso entre os que elegeram presidente da República o capitão reformado e deputado do baixíssimo clero Jair Bolsonaro.

Mas a devolução aos cofres públicos das fortunas pessoais amealhadas na base de propinas não bastará para equilibrar as contas públicas, depauperadas não apenas pelo crime, mas também pelas leis do Estado de Direito vigente. Em seu artigo antológico, Carvalhosa lembra um absurdo inserido na Constituição. Dentro de seu ramo, o autor aponta para o fato de o artigo 37, inciso XI, da dita Carta Magna limitar vencimentos do funcionalismo aos subsídios dos ministros do STF. No entanto, o artigo 11 do mesmo texto constitucional autoriza a falta de teto para tais desembolsos do erário por uma brecha abissal intitulada “verbas indenizatórias”. São o que se convencionou chamar de “penduricalhos”. E estes custam bilhões!

Em seu vade-mécum da corrupção, Carvalhosa refere-se a leis que beneficiam apenas os mui amigos do rei com renúncia fiscal. É o caso da Rota 2030, que Temer acabou de assinar, reduzindo impostos das montadoras de automóveis, benefício que data da instalação da indústria automobilística, na era JK, e cujo mau uso mantém o lobista Mauro Marcondes na cadeia, em Brasília. O citado Lula é réu em processo judicial que apura e pune recebimento ilícito de vantagens em medida provisória similar. Mas, fora a parte do crime, a prática transfere renda de pobre para saldo de empresas arquibilionárias. Ou seja, como registra o articulista, “além da corrupção criminalizada, mediante tipos penais definidos, há a corrupção constitucionalizada, a legalizada e a judicializada. Todas levam ao mesmo efeito criminoso: a apropriação privada de recursos públicos”.

No fim de semana em que o artigo do jurista iluminou as causas da insensata marcha das contas públicas para a total incapacidade de cobrir as despesas do Estado Leviatã, a família Bolsonaro, parentes e apaniguados foram postos na defensiva pelas consequências da apuração, pedida ao Coaf pela Operação Furna da Onça, das investigações de devassa da corrupção. Enquanto o dublê de PM e motorista não contar sua história “plausível”, os novos donos do poder receberão dos antigos lições de como será difícil adequar o sigilo da Justiça ao tempo da política. Manter a Nação desinformada sobre o relato do ex-assessor será um erro pelo qual todos pagaremos: o lar e os futuros comensais do banquete do poder ao lado do presidente eleito, a família Queiroz (marido, mulher e duas filhas, passando de um gabinete para outro) e os contribuintes, que os mantêm.

A Nação conta com Sergio Moro e Bolsonaro para a Operação Lava Jato enquadrar na lei os corruptos que receberam propina. Para equilibrar as contas públicas, contudo, terá de ser feita uma faxina geral na Constituição e em todas as leis que tornam o custo dessa apropriação legalizada impagável.”

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terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Risco de isolamento





“Risco de isolamento
        
Por Eliane Cantanhêde

Se há três áreas em que o Brasil tem protagonismo consolidado nos foros internacionais, essas áreas são meio ambiente, direitos humanos e migração. O temor é o Brasil encolher e retroceder justamente nas três, não só pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, mas também pelo futuro chanceler Ernesto Araújo e suas ideias extravagantes.

Qualquer um que tenha participado de grandes encontros sobre meio ambiente sabe, viu, constatou como a voz do Brasil é relevante, não só pela Amazônia, mas pela grande biodiversidade brasileira. Como “Deus é brasileiro”, não temos tsunamis nem terremotos, mas, sim, sol o ano inteiro, água doce e salgada, florestas variadas, combustível fóssil e renovável, solo fértil, vento e chuva. E uma das leis mais modernas na área.

O Brasil também pode se orgulhar de, depois de vinte anos, ter feito a transição do regime militar para a democracia sem um único tiro, uma única gota de sangue, e assim passou a ser uma voz ouvida e respeitada na área de direitos humanos – apesar de tudo, principalmente do horror medieval nas penitenciárias e cadeias comuns.

Por fim, o povo brasileiro é uma síntese de todas as etnias e dos mais variados sobrenomes do mundo todo. O nosso País é lindamente multiétnico e acolhedor. Isso tem enorme valor, atrai respeito, admiração e espaço nos grandes debates sobre migração, como na construção do Pacto Global de Migração, que reúne 160 países.

É surpreendente, portanto, a forma como o futuro chanceler (faltam alguns dias...) Ernesto Araújo puxou o tapete do atual, Aloysio Nunes Ferreira. Em Marrakesh, o ainda chanceler subscrevia o pacto em nome do Brasil. Em Brasília, seu quase sucessor anunciava, simultaneamente, que o Brasil vai sair do pacto. Nada poderia ser mais antidiplomático.

“Foi mais do que surpreendente, foi chocante”, disse Nunes Ferreira por telefone, depois de ter reagido a Ernesto Araújo pelo mesmo veículo que ele usara para negar o pacto de migração: o Twitter. Novos tempos.

São sinais preocupantes da política externa, já rechaçados pela China, pelo Egito, agora pela Alemanha, que põe o pé no freio no acordo União Europeia-Mercosul, e pela Liga Árabe, que acaba de entregar uma carta no Itamaraty questionando a mudança da embaixada brasileira, de Tel-Aviv para Jerusalém, o que agrada a Israel e irrita todo o mundo árabe.

Essas manifestações e ações de Araújo – logo, de Bolsonaro – seguem um único mentor, Donald Trump, e uma ideologia, o antimultilateralismo. Sai a adesão aos órgãos multilaterais ou regionais, como ONU, OMC, Mercosul, e entra em cena um nacionalismo a la Trump: voltado para dentro, voluntarioso, arrogante, de confronto.

Todas as sinalizações externas do governo Bolsonaro replicam, sem tirar nem por, as posições de Trump: contra o Acordo de Paris, contra o Pacto de Migração, beligerância com a China, alinhamento explícito a Israel, implicância com a ONU e a OMC... Só que, assim como o Brasil não são os EUA, Bolsonaro não é Trump. E nem tudo o que é bom para os EUA é bom para o Brasil.

Se as exportações, a agricultura, a pecuária, os minérios e os programas de cooperação passarem a ser afetados, a coisa pode deixar de ser só pitoresca e ficar séria. Até por isso, já começa o recuo na resistência à China.

Não falta quem questione o próprio papel do deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, e suas credenciais para ser a voz e a cara do Brasil no exterior. Sabatinar o futuro chanceler?! Falar pelo Brasil nos EUA sem passar pela embaixada ou pelos consulados?!

Se o PT rachou o Itamaraty, essa postura e essas ingerências também vão rachar. A tendência é virar uma guerra e guerras nunca são boas.”

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segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Notas de um velho marinheiro





“Notas de um velho marinheiro
        
Por Fernando Gabeira

Este é o meu último artigo do período de transição. No ano que vem a coisa começa. É hora de a onça beber água, a cobra fumar, o tatu sair da toca. Termina uma longa experiência em que predominaram ideias de esquerda, começa uma experiência liberal conservadora, de certa forma inédita, pois sempre se definiu assim, sem subterfúgios.

Um dos truísmos mais presentes na política é afirmar que nem sempre as coisas acontecem como planejado por seus atores. Em alguns casos podem até se transformar no oposto do desejado.

O projeto político iniciado em princípio de 2003, com a vitória de Lula, pretendia levar o Brasil a um novo patamar de liberdade e justiça social. Terminou em crise econômica, milhões de desempregados e alguns atores, o principal incluído, atrás das grades.

Durante muitos anos estudei o marxismo e constatei, na prática, a inadequação de suas teses. Talvez por temperamento, desde a juventude sempre tive um pé atrás com a ideia de que a História é regida por leis inflexíveis e obedece a um script inevitável.

Quando ouvia as pessoas repetirem o slogan cubano “até a vitória sempre”, costumava responder: sempre que possível.

Era uma abertura para o inesperado, no fundo uma rebeldia contra um mundo pré-desenhado, um cemitério da criatividade humana. Minhas críticas e revisões das ideias de esquerda me valeram algumas antipatias. Nada de grave. Foi possível continuar pensando e escrevendo num clima quase razoável.

Possivelmente, em alguns momentos, vou desagradar aos liberais conservadores. Mas o que fazer? A alternativa seria concordar com uma euforia que a longa experiência não autoriza.

De modo geral, faço perguntas, não acusações. Uma das perguntas-chave que faço aos conservadores que chegam ao poder com a esperança de propagar sua fé cristã é: não estão chegando tarde demais a um mundo secularizado, onde a tradição e a cultura não podem ser apoiadas numa fé transcendental compartilhada?

Uma das referências que tenho é a passagem de Margaret Thatcher pelo governo inglês. Além de sua firme decisão de enfrentar corporativismos, ela manifestou muita simpatia pela moral vitoriana, tempos mais íntegros e felizes, segundo ela. Ao deixar o poder, Thatcher deixou também uma Inglaterra bem mais permissiva do que encontrou.

Aos conservadores brasileiros, para quem o bolo dos costumes desandou, deverá ficar claro que é difícil cozinhá-lo de novo, restando apenas cuidar do que existe, olhando para o futuro. Dito assim, parece complicado. Mas, na prática, é o que está acontecendo. A ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, parece ter adotado esse caminho ao afirmar que a união civil gay é um direito adquirido e não vai questioná-la.

Depois de passar muitos anos criticando a miopia marxista diante das questões ambientais, terei a irônica tarefa de demonstrar aos conservadores que a preservação é uma ideia deles que foi introduzida de contrabando no marxismo. Karl Marx sempre partilhou com alguns pensadores burgueses a ideia de um progresso infinito, sem limites objetivos. Se saímos do árido campo das ideias e vamos de novo à prática, basta observar a catástrofe ambiental que foi o socialismo no Leste Europeu, a degradação da atmosfera nas cidades chinesas.

O PT em 2002 ainda acreditava, como os partidos comunistas da esfera soviética, que o principal problema era crescer, dar empregos, melhorar o padrão de vida dos trabalhadores. Estava aí, ainda que incipiente, a raiz das nossas principais divergências.

Compreendo que forças emergentes tenham uma linguagem de sonho, que no fundo almejem a felicidade de seus governados. Mas a História tem mostrado, exceto pelo idealismo do rei do Butão, que dificilmente a felicidade se conquista pela ação de governos.

Tudo o que se pode fazer é minorar suas dificuldades, ajudá-los a conviver, como diz o poema de Yeats, com a desolação da realidade.

Quando jovem de esquerda, alguns me irritavam por sua dose de realismo: Raymond Aron, Isaiah Berlin, George Steiner. Eles despiam a revolução de seus figurinos românticos e me deixavam só e desesperançado.

Neste momento em que o Brasil se prepara para viver uma experiência em que a religião tem grande peso, é necessário em primeiro lugar reconhecer a importância dos cristãos em nossa vida e cultura. Mas, ao mesmo tempo, questionar suas certezas políticas, como fazia com os slogans marxistas.

De novo um exemplo para atenuar a aridez. Por que mudar a Embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém? O quase consenso internacional reconhece que ainda é uma cidade dividida.

Não foram grandes formulações de política externa que levaram Bolsonaro a essa saída. Há uma pressão evangélica, natural, válida, mas inadequada para comandar uma decisão nacional nesse campo. Para os evangélicos americanos e brasileiros, a extrema direita em Israel tem grande importância.

Os evangélicos não leem a Bíblia apenas como um documento sobre o passado. Confiam também em suas profecias, no seu roteiro para o futuro. E essas profecias dizem que uma das condições para a volta de Cristo é a recuperação pelos judeus da Terra Sagrada.

Não se trata de afirmar que isso seja um delírio, mesmo porque não tenho preconceitos contra delírios. Muitas de nossas políticas são um delírio. No entanto, quando se trata de política externa, é necessário, pelo menos, um delírio consensual.

A ideia de conformar o mundo à nossa fé cristã é de natureza diferente da criação de internacionais socialistas, Ursais e o escambau. Mas pode sofrer o mesmo destino melancólico das religiões laicas num mundo - até certo ponto, irreversivelmente - desencantado.

De qualquer forma, a aspereza do ano que vem vai nos levar a preocupações mais concretas do que as do período transitório, fluido por definição.”

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sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Sem intermediação?





“Sem intermediação?
        
Por Eliane Cantanhêde

Presidir o País é tomar decisões muitas vezes duras, desagradar a interesses e mediar conflitos, ciúmes e invejas na própria equipe, o que exige força popular e política. Logo, é preciso ter uma excelente comunicação com a sociedade e uma negociação azeitada com o Congresso.

É estranho, portanto, que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tenha usado sua diplomação para dar uma canelada desnecessária na mídia. No “novo tempo”, segundo ele, “o poder popular não precisa mais de intermediação”. E fez questão de especificar que falava das “novas mídias, que permitiram uma relação direta entre eleitor e seus representantes”.

Jornais, revistas, rádios e TVs são canais não só tradicionais, mas também legítimos e de grande alcance para a mediação entre poderosos e sociedade, eleitos e eleitores. Dispensá-los, ou desdenhá-los, é apostar numa anarquia na comunicação entres os três Poderes e os cidadãos e cidadãs.

As “novas mídias” são importantes e vieram para ficar, mas carregam um perigo: a difusão rápida e irresponsável, muitas vezes paga, de mentiras, manipulações e falsificação grosseira dos fatos, tanto a favor quanto contra. O efeito é deletério e isso pode virar uma guerra sangrenta, num mundo paralelo de verdades e mentiras. O “novo tempo” não pode se transformar no “paraíso das fake news”, nem na propaganda acrítica de governos.

Bolsonaro também está dando sinais confusos nas relações com o Congresso, essencial para sua agenda de reformas e seu plano de governo. Ok, é compreensível que bata de frente com Renan Calheiros e tente bombardear sua volta à presidência do Senado, porque o senador, apesar de muito experiente e implacável, é campeão de processos no Supremo e ele se elegeu para “mudar tudo”. Ninguém muda nada com Renan Calheiros numa posição tão estratégica em Brasília.

Mas e Rodrigo Maia? Por que trabalhar contra a reeleição dele à presidência da Câmara e ainda por cima alardear publicamente? Maia é do DEM que, dos partidos médios a grandes, é o que saiu menos chamuscado da Lava Jato. Basta comparar com o MDB de Renan, o PT, o PP, o PTB, o PSDB... Até por isso, emplacou a Casa Civil e os ministérios da Agricultura e da Saúde. Não por pressão ou reivindicação, mas porque o partido tem bons quadros.

Além de a sigla ser muito conveniente, ninguém como Rodrigo Maia reúne tantas condições para ser uma mão na roda para o futuro governo no Congresso. Já está no cargo, negocia bem com esquerda, centro e direita, conhece o regimento e, principalmente, é um economista identificado com a agenda, as reformas e a equipe de Paulo Guedes. Quem melhor do que ele para tocar a reforma da Previdência?

Entre os erros políticos de Bolsonaro, está desperdiçar a oferta de Michel Temer para aprovar em dezembro a primeira fase da reforma previdenciária. Jogou fora essa chance de dividir o ônus e ficar com todo o bônus, está descartando Rodrigo Maia e ainda não providenciou um adversário à altura de Renan no Senado.

A reforma da Previdência não é só a primeira nem só a mais importante. Ela é “A” reforma. Os investidores internacionais olham para o Brasil com lupa e com a caneta na mão. Mas só vão usá-la se essa reforma passar, sinalizando ajuste fiscal e enxugamento do Estado. É o desafio mais dramático do novo governo, do “novo tempo”, do “novo Congresso” e das “novas mídias”. Desprezar intermediação e negociação pode ser uma péssima ideia.”

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quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Um conto chinês





“Um conto chinês

Por Monica De Bolle

Quando se trata da China, o que se destaca na América Latina são os lados positivos de relação por vezes tão disparatada quanto a cena de abertura do filme de Sebastián Borensztein: uma vaca cai do céu matando uma jovem – após a cena inicial, lê-se “baseado em fatos reais”. Os fatos reais geralmente destacados são a maior integração comercial entre a China e a região, a realidade de que a China já ultrapassa os EUA – em alguns casos – no peso que tem na América Latina, os volumosos investimentos chineses. Segundo dados compilados pelo Inter-American Dialogue, o banco de desenvolvimento da China (China Development Bank, CDB) e o China Ex-Im Bank, duas das maiores instituições financeiras do país, têm sido responsáveis pelo envio de recursos para conjunto seleto de países desde 2005. São eles: Argentina, Brasil, Equador e Venezuela.

Do que é possível saber – transparência não é o forte dos investimentos chineses – a China fez 17 empréstimos para a Venezuela, totalizando cerca de US$ 63 bilhões. Para o Brasil, foram 12 empréstimos no montante de US$ 42 bilhões. Para a Argentina, US$ 18 bilhões por meio de 11 empréstimos. Os dados provavelmente subestimam a presença do investimento chinês na região, sobretudo na Venezuela, onde os arranjos entre os dois governos estão encobertos por véu de mistério. 

O que se sabe é que a China, transacional e pragmática, não está mais dando dinheiro ao regime de Nicolás Maduro. Ao contrário, os chineses andam mais preocupados em receber o que lhes é devido, seja na forma de pagamentos diretos, seja por meio de barris de petróleo. Apesar da queda sistemática da produção de petróleo, o regime de Maduro tem sido capaz de se sustentar. O PIB em queda livre e a hiperinflação que engoliu a Venezuela não prenunciam o fim da ditadura.

Mas este não é mais um artigo sobre a Venezuela. Este é um artigo sobre a atuação da China na Venezuela para além do comércio, dos investimentos e das transações opacas entre o país asiático e a PDVSA, a empresa de petróleo venezuelana. Dia desses, assisti a um dos vídeos mais perturbadores que já havia visto sobre a atuação dos chineses na Venezuela. Tratava-se de uma reportagem investigativa do New York Times sobre o que a China anda fazendo na região. Intitulado “O Equipamento Antiprotesto que os Déspotas Amam” (“The Anti-Protest Gear that Despots Love”) e disponível no YouTube, a reportagem mostra como os imensos protestos que tomaram as ruas de Caracas em abril e maio de 2017 foram eliminados. Reparem: não há mais protestos daquela magnitude desde então, ainda que a situação de penúria, miséria, tragédia em que vive a população só tenha piorado. Por quê?

Norinco, a empresa estatal chinesa especializada em equipamentos militares, vendeu para o governo Maduro tanques e veículos desenhados para montar barreiras e arremessar mísseis de gás lacrimogêneo e canhões de água nas multidões. As mortes – muitas não reportadas – e os milhares de feridos nos protestos do ano passado resultaram do uso do aparato antiprotestos fabricado e vendido pelos chineses. O sumiço das multidões desde então deve-se ao medo de ser vítima de um sofisticado equipamento para suprimir demonstrações legítimas e pacíficas. Como soube disso? Não por meio dos jornais, ou por ampla divulgação da reportagem do New York Times pela mídia. Soube diretamente de um jovem político venezuelano hoje exilado aqui em Washington que teve a sorte de escapar – pela fronteira entre o Brasil e a Venezuela – das garras de Maduro. Ele estava lá, nos protestos de 2017. Enfrentou os tanques e foi derrotado por eles.

Esse é apenas um dos relatos chocantes sobre a atuação da China na Venezuela. O outro diz respeito à empresa de tecnologia ZTE, alvo de sanções dos EUA, que vendeu para Maduro os chips da nova carteira de identidade anunciada em novembro. Para ter acesso a medicamentos, comida, aposentadorias, venezuelanos têm de adquirir a nova carteira, cuja tecnologia permite que cidadãos sejam rastreados e monitorados todo o tempo pela ditadura homicida. Qualquer semelhança com Orwell é mais do que mera coincidência. É a implantação da mais perversa distopia debaixo dos narizes de todos. Onde estão as denúncias?”

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terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Quebra-cabeça





“Quebra-cabeça
        
POR DENIS LERRER ROSENFIELD

10 Dezembro 2018 | 03h00

Ideias que levam um candidato a conquistar a Presidência da República não são necessariamente as que o levam a governar. Conquistar o apoio da população pressupõe ganhar a opinião pública por meios retóricos, que não são os que podem ajudar a resolver os problemas mais urgentes do País. Um candidato deve, muitas vezes, escolher entre dizer a verdade sobre a situação econômica ou ocultá-la, esperando, entrementes, ganhar os corações.

Acontece que a conquista dos corações pode ou não coincidir com escolhas racionais, baseadas em argumentos para transformar o País. É muito mais fácil eleitoralmente prometer empregos, como se fosse possível criá-los por passe de mágica, do que produzir riquezas, pressupondo contas públicas saneadas e assumindo a responsabilidade fiscal. Pouco foi dito, afora generalidades, sobre a necessidade de uma reforma da Previdência como condição para que o Brasil volte a crescer de forma sustentável.

O discurso do candidato Jair Bolsonaro foi, sobretudo, baseado na luta contra a corrupção, o resgate de valores conservadores e o combate ao petismo. Suas tiradas foram muito pertinentes e ele soube fazer excelente uso das redes sociais. No que toca a esses pontos, pode-se dizer que a formação de sua equipe é coerente com o que foi proposto eleitoralmente.

Todavia as ideias de combate à corrupção e os valores morais e religiosos não são de nenhuma valia para a condução da economia de um país, salvo a honestidade no tratamento dos negócios públicos. Nada nos dizem sobre a necessidade, inelutável, de uma reforma da Previdência para o saneamento das contas públicas e a redução da dívida pública. Se nada for feito rapidamente, é o destino do Brasil e do próprio governo que estará em jogo. Aqui, a retórica e a demagogia terão alcance muito limitado. A verdade aparecerá logo ali, dentro de um ano ou, no máximo, dois.

O novo governo não está, porém, dando nenhum sinal apaziguador. Presidente, vice-presidente e ministros dão indicações contraditórias. Uns, responsavelmente, apregoam uma rápida reforma da Previdência, aproveitando o projeto, pronto para ser votado, do atual governo. Outros pretendem um projeto totalmente novo, que seria feito lentamente, ao longo de todo o mandato. A bateção de cabeças é enorme. E o Brasil não pode esperar.

O projeto do atual governo já passou por todas as comissões. Não é certamente o ideal, até porque foi desidratado ao longo de todo o seu percurso legislativo. Não se pense que um novo projeto não sofrerá o mesmo destino. Deverá ser negociado, como o atual o foi. Mais valeria votar logo o que está aí no início da nova legislatura, enquanto um mais completo é elaborado e submetido, a seu tempo, a nova votação. Trata-se de um imperativo da realidade!

Pense-se no tempo que tomaria recomeçar todo o processo, em longas negociações e passando por novas comissões, cada uma vivendo a sua própria agonia. O mês de fevereiro será gasto com a eleição dos novos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, assim como de suas respectivas comissões. As negociações partidárias serão árduas. E em março teremos o carnaval. Qualquer novo projeto de emenda constitucional muito provavelmente só começaria a tramitar na segunda quinzena de março, supondo que o novo governo já tenha até lá um projeto único, e não vários, como está sendo ainda discutido. Facilmente já estaremos no segundo semestre do próximo ano. Vale a pena perder tanto tempo?

Além do mais, o novo governo não pode repetir os erros do atual. Deve ter uma estratégia pronta de comunicação social, visando, precisamente, ao convencimento da sociedade. Só dessa maneira os parlamentares se sentirão pressionados. E deverá levar em consideração a atuação organizada dos privilegiados dos estamentos estatais, que resistem a qualquer mudança que lhes retire benefícios. Os não privilegiados, por desinformação e falta de convencimento, terminam por apoiá-los ao se tornarem reféns da demagogia dos que sabem utilizar elementos adequados de comunicação.

Ora, o novo governo não conseguiu ainda estabelecer uma estratégia de comunicação, principalmente para a área digital. A utilização pelo novo presidente das redes sociais para a sua eleição pode ser um bom prenúncio, sempre e quando venha acompanhada por uma estratégia de comunicação digital institucional. A complementaridade das duas pode ser uma condição do sucesso ou do fracasso do futuro governo. Nada disso, porém, foi até agora implementado. A aprovação da reforma da Previdência passa necessariamente por uma eficaz comunicação social, sem a qual os cidadãos podem cair nas armadilhas dos privilegiados.

Outra condição essencial consiste no convencimento e nas negociações com os parlamentares e os partidos políticos. Os sinais do atual governo, nesse sentido, não são alvissareiros. Ministros batem cabeça entre si. Ora um ministro é encarregado dessa função, ora outro, ora ambos, e assim por diante. Nem a interlocução está decidida. Com quem os parlamentares e os partidos deverão negociar? O que um diz será referendado pelo outro?

Como se não bastasse, o novo governo está fazendo uma aposta arriscada. Preteriu os partidos em benefício das frentes parlamentares. O problema é que estas se unem em temas específicos, como os da agricultura e pecuária, e se dispersam em relação a outros temas. O mesmo vale para as outras frentes, como as de saúde, segurança, construção civil, materiais de construção e evangélicos. É totalmente aleatório que se unam em questões que fujam de suas respectivas áreas de atuação.

Por último, convém não esquecer que tanto a Câmara quanto o Senado funcionam com Mesas Diretoras, lideranças partidárias e consultas a presidentes de partidos. O espaço político das frentes parlamentares é, assim, reduzido.

O quebra-cabeça não se pode tornar uma bateção de cabeças.”

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segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Hora de pôr as cartas na mesa




“Hora de pôr as cartas na mesa
        
POR FERNÃO LARA MESQUITA

Vou lendo colunas e encontro o Brasil dando esbarrões animadores em velhas verdades. Mas são ainda apenas esbarrões. O foco continua concentrado no esforço de coibir a manifestação dos efeitos das nossas doenças, em vez de no tratamento das suas causas.

Na educação já se pode falar na ditadura que há, mas a aposta continua sendo de que tudo se resolva com a adoção de mais uma “política pública” elaborada por um par de “especialistas” que valerá para todo este quase continente... exatamente a distorção que criou a condição para a instalação da ditadura que se quer combater. A centralização é sempre o prelúdio do aparelhamento gramsciano. Os saxônicos vão, como sempre, de descentralização e democracia, com cada bairro elegendo entre pais de alunos o board da sua respectiva escola pública encarregado de contratar e cobrar resultado dos professores que melhor se adequarem às necessidades de seus filhos de modo a fazer, em cada cantinho do país e todos os dias um pouquinho, “a verdadeira revolução que abrange e chacoalha de alto abaixo o sistema em seus aspectos organizacionais e pedagógicos” com que sonham confusamente que lhes caia do céu os latinos.

A própria ideia de “debate” entre os latinos pressupõe uma disputa em que um lado ganha e o outro perde. Nada que ver com a ideia de convivência entre contrários que tem como corolário a de tolerância eventualmente elevada a valor inegociável, fazendo tudo desaguar na democracia vista como manual de navegação, e não como local precisamente identificado de destino.

Ainda havemos de chegar lá...

E na seara de Sergio Moro, teremos um Ministério da Segurança Pública ou um Ministério da Justiça? O plano do ex-juiz é inequívoco. Incrementar a integra”ção da Polícia Federal, com o Ministério Público Federal e unidades de inteligência financeira, em especial o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), para verificar o uso dos valores por organizações criminosas. Funciona, não há dúvida nenhuma. E como é de salvar vidas que estamos falando, não há como não comemorar.

Mas ainda é das pessoas e não do “sistema” que se trata. Este está mais amarrado ao conceito de justiça. Mas o que são os órgãos do Poder Judiciário hoje? Esse STF que cuida de trocar aumentos de salário por penduricalhos? São quase sindicatos; instrumentos de criação e “petrificação” de privilégios corporativos. Quem ou o que há por cima deles disposto a discipliná-los?

Jair Bolsonaro é que não é. Agora já são seis os militares no Ministério. Uma parte disso nos fala, digamos, da falta de diversidade da rede de relacionamentos do presidente eleito. E desde a nomeação de Carlos Alberto dos Santos Cruz, o general que a ONU encarregou de acabar com as guerrilhas do Congo, para a Secretaria de Governo, a outra instância da coordenação política com partidos e “bancadas”, uma dúvida, ao menos, se desfez. O presidente parece ter sentido a necessidade de instalar ouvidos menos sedados nesse departamento. Agora quem quiser que faça àquele arquétipo do “homem cordial” brasileiro as suas propostas indecentes.

Bom sinal. Mas sem grandes ilusões. O presidente eleito queimou seus navios ao pôr Sergio Moro onde está e agora está queimando pontes à medida que avança. É uma faca de dois gumes. Os militares não são a “reserva moral da Nação” porque sejam feitos de material diferente de nós, mas porque se têm mantido há 33 anos à distância dos focos mais notórios de contaminação. Aqueles entre eles que os tocaram não saíram incólumes, como é o caso seja dos que cederam à tentação na curta temporada da missão de combate direto ao crime organizado, seja dos que se mantiveram em funções por onde transitava muito dinheiro, como é o caso dos mais graduados até entre os feitos ministros que chegaram a ganhar menções em ações da Lava Jato. Alto lá, portanto, com esse negócio de querê-los “governando por 20 anos”.

Mas esses são só os casos extremos. Os militares mantiveram-se longe do poder, mas não tão longe quanto o resto do povo brasileiro. Menos que o Judiciário e que os políticos, mas mais que o que seria saudável. Como vamos confirmando pela persistência desse silêncio, as corporações militares também aprenderam a gostar dos direitos que “adquiriram”. Mas nem a obscenidade dos exageros da ponta de cima, que eles reconhecem e, menos vocalmente do que o caso pede, repudiam, suplanta a consciência de que o barco em que vão eles todos é o mesmo.

Estão certíssimos. Esse é mais um departamento onde não existe meia gravidez. Ou há igualdade perante a lei ou há privilégio. Como, portanto, não há solução fora da fórmula de Temer, que, na velocidade que for, e com as ressalvas que a razão admite, termina na igualdade entre nobres e plebeus, esse silêncio quanto a qual é a reforma da Previdência de Jair Bolsonaro se torna mais atroador a cada minuto que passa. Tão atroador quanto o dos jornalistas com raízes fincadas no mesmo maná “através de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive”, conforme reza a lei, que nos querem fazer crer que só o que falta ao Brasil é coibir a apropriação do “troco” que representa o que a “privilegiatura” nos toma por fora da lei que a estabeleceu como casta merecedora de mais, muito mais do que nós mortais merecemos.

O silêncio de Paulo Guedes e equipe a esse respeito é imposto, mas não pode mais ser admitido. Ele manteve da equipe de Temer os mais vocais entre os arautos da dimensão telúrica da explosão que vem vindo não por acaso. Mas todos estão, agora, igualmente reduzidos ao silêncio. A realidade obrigará Jair Bolsonaro a rompê-lo, mas a um custo impensável se ele o arrastar até depois do terremoto. A fábrica de misérias do Brasil continua aberta, e mais um pouco que demore o anúncio da data do cumprimento da sua sentença de morte e o mercado começa a trazer a valor presente o desastre que estão tentando tapar com uma peneira.

É hora de pôr as cartas na mesa.”

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domingo, 9 de dezembro de 2018

De quatro em quatro o STF enche a pança





“De quatro em quatro o STF enche a pança
        
Por José Nêumanne

Tentando justificar o injustificável reajuste de seus subsídios de R$ 33 mil para R$ 39 mil, o Supremo Tribunal Federal (STF) usou como pretexto o fato de seus membros não terem recebido aumento algum nos últimos quatro anos. Nenhuma evidência demoveu seus membros da premência de suas necessidades básicas, que teriam deixado de ser atendidas pela defasagem denunciada. Os vencimentos reajustados agravam a situação precária das contas públicas, que já assombram o distinto pagante com o fantasma de uma despesa em cascata de, no mínimo, R$ 4 bilhões até, no máximo, R$ 6 bilhões. Nem a obviedade de que a proximidade de inadimplência na Previdência e em outros setores do Estado, que pode levar à incapacidade de honrar os compromissos cada vez mais gravosos do Tesouro Nacional, nos enche de pavor neste momento em que 12 milhões de brasileiros estão desempregados. Nem a constatação de que quem tem o privilégio de um emprego seguro na economia real não sabe o que é um aumento desde o início da crise, em 2014.

Dourando a pílula do reajuste, o relator da ação de inconstitucionalidade (Adin) que contesta o privilégio do auxílio-moradia de juízes e procuradores no STF, ministro Luiz Fux, deu uma contrapartida duplamente cínica, ao proibi-lo autocraticamente, mas sem declarar que é inconstitucional. Com isso deu aos seus principais defensores no plenário da cúpula do Judiciário – o presidente Dias Toffoli e o ex-presidente Ricardo Lewandowski – o pretexto ao qual se agarraram para ludibriar os pagantes, por eles tratados como idiotas: o fim das despesas com o privilégio compensaria o rombo necessário para lhes atender os rogos.

A desfaçatez dupla foi construída em cima de falácias aritméticas. Por mais que seja absurdo, o auxílio-moradia não chega a representar um quarto do dinheiro necessário para cobrir o reajuste exigido em absurda chantagem de julgadores contra julgados (deputados, senadores e o presidente da República). A Câmara aprovou, o Senado também e, sem dar a mínima para o apelo de seu sucessor, Bolsonaro, eleito por mais de 57 milhões de votos em outubro, Temer sancionou a lei absurda. E o pior é que essa não foi a única mentira acrescida à chantagem. Toffoli, Lewandowski e outros pedintes garantiram que economias no orçamento na TV Justiça cobririam com folga o reajuste folgazão. Dois coelhos foram abatidos a golpes de uma só cajadada: orçamento menor na TV poderá bancar menos transmissões ao vivo do vexame que são as sessões de plenário transmitidas sempre no meio das semanas. E o argumento segundo o qual o custo orçado do Poder não aumentaria é outra patranha.

Quem duvidar pode consultar aqui mesmo, no Portal do Estadão, a notícia que serviu de manchete de primeira página à edição de domingo 2 de dezembro do jornal: Judiciário quadruplica gasto com pessoal em duas décadas. É de bom tom esclarecer ao preclaro leitor que essa conta – reproduzida na linha fina da reportagem publicada na página A4, de abertura da Editoria de Política, Em duas décadas. Na comparação com Executivo e Legislativo, Poder foi o que mais expandiu os gastos com a folha de pagamento de 1995 a 2017: um incremento de 297% – não inclui o impacto do reajuste cruel. Desta vez nem é preciso citar o cinismo dos “supremos”. Basta a boutade do presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mendes, segundo quem “Justiça não pode ser vista como custo”. A questão é se esse pretexto deve provocar risos ou urros de dor, superando qualquer piada que pudesse ter sido dita no STF.


Quando Lewandowski teve o topete de chamar de “modestíssimos” seus vencimentos e seu colega Dias Toffoli, presidente do egrégio tribunal, aventou a possibilidade de os 11 andarem com “pires na mão”, o repórter André Shalders, da BBC Brasil em São Paulo, publicou em seu site uma comparação entre os ministros brasileiros e os europeus. Segundo ele, “um estudo de 2016 da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (Cepej, na sigla em francês) mostra que, em 2014, um juiz da Suprema Corte dos países do bloco ganhava 4,5 vezes mais que a renda média de um trabalhador europeu. No Brasil, a realidade do salário do STF é ainda mais distante da média da população: o salário-base de R$ 33,7 mil do Supremo Tribunal Federal corresponde a 16 vezes a renda média de um trabalhador do País (que era de R$ 2.154 no fim de 2017)”. Em seguida, comparou: “Em 2014, um magistrado da Suprema Corte de um país da União Europeia recebia, em média, €$ 65,7 mil por ano. Ao câmbio atual, o valor equivaleria a cerca de R$ 287 mil – R$ 23,9 mil mensais”. Ou seja, dois terços dos atuais proventos dos brasileiros, antes de serem reajustados.

Outro texto da BBC Brasil em São Paulo, da lavra de Cláudia Wallins, tem sido citado a respeito dessa querela. Ela o começou com uma sentença indignada de Göran Lambertz, da Suprema Corte da Súécia: “Não almoço à custa do dinheiro do contribuinte”.

Segundo Wallins, “a pergunta que inflamou a reação do magistrado era se, assim como ocorre no Brasil, os juízes da instância máxima do Poder Judiciário sueco têm direito a carro oficial com motorista e benefícios extra-salariais como auxílio-saúde, auxílio-moradia, gratificação natalina, verbas de representação, auxílio-funeral, auxílio pré-escolar para cada filho, abonos de permanência e auxílio-alimentação. ‘Não consigo entender por que um ser humano gostaria de ter tais privilégios. Só vivemos uma vez e, portanto, penso que a vida deve ser vivida com bons padrões éticos. Não posso compreender um ser humano que tenta obter privilégios com o dinheiro público. Luxo pago com o dinheiro do contribuinte é imoral e antiético’”. Que ministro tem filho em pré-escola?

A sentença do juiz sueco poderia ser adotada como bordão por algum nobre colega de ofício dele ou mesmo qualquer servidor público. Deveria, por exemplo, ser adotado pelos membros do Ministério Público Federal, que têm atuado de forma destemida e competente no combate à corrupção em várias operações associadas com a Polícia Federal, sendo a Lava Jato a mais notória delas. No entanto, ao que parece, o bordão do escandinavo não agrada aos togados do STF nem serve de lema para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ela acaba de representar contra a extinção do auxílio-moradia para sua categoria, argumentando que o relator Fux não tem autoridade para tomar decisões do gênero. Se o Supremo não decide sobre procuradores, quem decidiria, então: o bei de Túnis ou a Santa Sé?

Pegando a iniciativa de dra. Dodge como gancho, convém lembrar que um Estado de Direito numa República – e assim o Brasil se propõe ser – segue o sistema da autonomia dos três Poderes, tal como previsto por Montesquieu e que pode ser definido no popular como “cada macaco no seu galho”. No Brasil todos os Poderes da República foram afetados pela corrupção, devassada pelas operações citadas. Membros do Congresso, Executivo e Justiça se meteram em ilícitos. E não dá para consertar esse imbróglio dando aos cardeais do Judiciário prerrogativas não previstas na Constituição sobre os outros dois Poderes. O Judiciário tem de olhar para trás e fazer justiça. O Legislativo age na política olhando para a frente ao legislar em nome do povo, de que emana todo o poder. O Executivo cuida do tempo presente, administrando e cumprindo as leis. Não é lícito nem lúcido tornar a Justiça palco de disputa política, tal como ocorre. Este é um erro que urge corrigir.”

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sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O teatro principal





“O teatro principal
        
Por William Waack

Bomba fiscal é bomba social. A do Brasil é monumental e o novo governo mal começou a lidar com ela. Depois de muito espremer as estatísticas, economistas da FGV-SP chegaram a um número de forte expressão simbólica, dada a questão social embutida na frase “atacar a questão fiscal”. De cada 1 real gasto pelos cofres públicos, 75 centavos vão para pagamento de previdência, programas assistenciais, transferências de benefícios.

Trata-se, na verdade, de uma gigantesca folha de pagamentos, dos quais dependem direta ou indiretamente cerca de 2/3 da população do País. Falar em “ajuste fiscal”, “atacar a questão dos gastos públicos” significa, portanto, lidar com um problema social de implicações políticas que o novo governo está começando a entender. Vai demandar um grau de capacidade de articulação e equilíbrio cuja ausência até aqui em governos anteriores foi compensada através da distribuição de benesses (de todos os tipos) e aumento de impostos – e não há mais espaço para nenhum deles.

A questão tributária e a quebradeira dos Estados têm de ser colocadas também nessa conta – que, insisto, é uma conta para a Política. Assim, os 308 votos necessários na Câmara dos Deputados em Brasília são apenas parte do desafio. A coesa e coerente equipe econômica sob Paulo Guedes e a estrutura de comando executiva composta ainda por vários militares de boa formação e cabeça aberta dispõe de qual “governabilidade” diante: a) do tamanho da bomba (que é uma corrida contra o tempo) e b) da óbvia falência de um sistema político que talvez esteja apenas iniciando um processo de recuperação?

Os sinais do período de transição indicam que Bolsonaro entendeu que a articulação política com o Congresso tem sentido mais amplo do que contar votos de deputados e isso não é tarefa para um homem só. Entendeu que política é negociação e compromisso e tanto é assim que encontrou um nome para o Ministério da Educação do agrado de um círculo político do qual ele, Bolsonaro, depende para apoios (evangélicos). Está apanhando ainda para perceber que propostas de palanques (e lacração em redes sociais) não são programa nem método de governo – quanto mais depressa Bolsonaro “institucionalizar”, melhor para ele mesmo.

A política trouxe do vocabulário militar expressões como “teatro principal de operações” e “teatro secundário de combate”. Há nos primeiros passos da transição iniciada pela onda política que varreu o País a clara evidência de confusão entre esses dois planos. É “normal” para a situação de um presidente empurrado aonde chegou por uma transformação política que se dá tanto em torno de “valores” quanto pelo desejo de ver a economia destravando e gerando prosperidade (portanto, de projetos e plataformas). O problema aqui é se concentrar no teatro principal e não gastar energias em ávidos debates secundários, cujo principal mérito é sobretudo produzir muita repercussão em redes sociais.

Diante do fato inconteste que o Brasil é fatiado em interesses corporativistas dos mais diversos, e muito bem organizados, ganhar a eleição foi o mais fácil e a verdadeira guerra começa agora. A tal da “governabilidade”, entendida como capacidade de levar adiante o que o governo acha que precisa fazer, depende diretamente da concentração de esforços no que realmente importa. O preço político a ser pago é enorme e difícil de ser calculado, mas provavelmente não conseguirá ser saldado se o emprego do capital trazido pela vitória eleitoral se dissipar em muitas frentes.”

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quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Relações alucinadas





“Relações alucinadas
        
Por Monica De Bolle

Às vésperas da reunião de cúpula do G-20 na próxima sexta-feira, o novo chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, escreveu para a Gazeta do Povo artigo em que explica a importância de ser Ernesto no atual momento. Dentre as razões listadas, diz ele que “algumas pessoas gostariam que o presidente eleito Jair Bolsonaro tivesse escolhido um chanceler que saísse pelo mundo pedindo desculpas”.

“Queriam uma espécie de ministro das Relações Envergonhadas”, diz ele, que pedisse desculpas a todos pela eleição de Bolsonaro. Alucinações exteriores à parte – que o dito artigo contém de sobra – o que me fez parar nesse parágrafo foi a incrível percepção distorcida da importância do Brasil no mundo. Sim, o noticiário internacional cobriu a eleição de Bolsonaro. Sim, a imprensa externa ficou abestalhada com as falas do ex-capitão sobre a democracia, a tortura, Augusto Pinochet, e tantas outras coisas mais. Mas daí a achar que o Brasil tem relevância geopolítica global a ponto de desculpas serem necessárias aos supostos parceiros é salto quântico do futuro ministro das Relações Exteriores.

O Brasil é uma das economias mais fechadas do planeta, está atrasadíssimo nos temas de convergência regulatória para o comércio e o investimento, não tem grande presença nos fóruns mundiais, o que ficará mais uma vez em evidência na reunião de Buenos Aires no dia 30 de novembro. Contudo, o novo chanceler julgou premente escrever um artigo cujo principal objetivo foi atacar de modo pueril os comentaristas da imprensa – aqueles que são “nutridos pela convivência com diplomatas pretensiosos”, ofendendo seus colegas de Itamaraty – e a ONU, deixando entrever o complexo de vira-lata que ainda está entranhado em algumas cabeças brasileiras. Afinal, se Trump ataca a ONU, o Brasil tem de atacar também. Se Trump ataca o New York Times, o Brasil tem de atacar também. Se Trump ataca a China...Sobre isso o futuro ministro resolveu não falar, por enquanto. As bravatas contra o jornal americano e a organização internacional são apenas isso – nem o New York Times, nem a ONU darão ouvidos à sinceridade de Ernesto. Mas a China, bem a China é diferente.

Na próxima reunião do G-20, estará exposta a rivalidade entre a China e os Estados Unidos. A América Latina como anfitriã do encontro, estará entre a cruz e a espada. Não têm condições os países latino americanos de escolher lado – os Estados Unidos têm grande importância para a região, mas hoje a China tem relevância maior. Após quase duas décadas de ausência de uma política externa que priorizasse a região, a China ocupou o vácuo com investimentos e parcerias crescentes para tudo que é lado. Quando Bolsonaro ensaiou retórica trumpista em relação à China, o Brasil levou um chega-pra-lá imediato. A deduzir da admiração intensa que têm Ernesto Araújo e Eduardo Bolsonaro – que por ora, passeia aqui por Washington a discorrer sobre a política externa do novo governo para variadas audiências – pelo governo Trump, é provável que o discurso anti-China volte com alguma força. Assim como é bastante possível que o governo Bolsonaro queira adotar o estilo linha-dura do assessor de Trump para assuntos de segurança nacional, John Bolton, com Cuba e Venezuela. Em tempo: o estilo linha-dura nada mais é do que um tanto de retórica inflamada misturada com ameaças de mais sanções financeiras na Venezuela e medidas semelhantes em relação a Cuba. Até o momento, as sanções tiveram pouca ou nenhuma eficácia no enfraquecimento do regime ditatorial de Maduro, que enxerga na beligerância a sua própria sobrevivência ao atacar os “imperialistas”. Se algum efeito tiveram as sanções, esse foi o de agravar a crise migratória venezuelana que atinge a Colômbia, o Brasil, o Peru, entre outros países latino americanos. Por fim, a China tem interesses econômicos tanto em Cuba, quanto na Venezuela. Difícil imaginar que ficarão quietos ante tentativas do governo Bolsonaro de comprar a briga ineficaz dos norte-americanos.

É difícil exagerar a importância de Ernesto ficar calado nesse momento tão delicado. Mas o novo chanceler, assim como o filho do presidente eleito que o entrevistou, tem sonhos de grandeza sincera. “Em matérias de grave importância, estilo, não sinceridade, é o que é vital”. Já dizia Oscar Wilde. Preparem-se para grandes alucinações externas e relações externas bastante alucinadas.”
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quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Página virada





“Página virada
        
POR ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

Acabamos de participar de disputa eleitoral encerrada com a derrota do radicalismo petista. Mais de 147 milhões se manifestaram em clima de franca liberdade. Por expressiva maioria o País aprovou a deposição de Dilma Rousseff, como ré de crime de responsabilidade, e apoiou a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sentenciado por corrupção passiva e ativa e recolhido à prisão em Curitiba. Foi a derradeira página do último capítulo da novela cujo fim só deverá ser conhecido dentro de quatro anos. Os grandes embates estão por acontecer.

A campanha adquiriu características de plebiscito nacional. A disputa ultrapassou os limites da Presidência da República. No flanco direito, Jair Bolsonaro procurou ser visto como representante do bem, da ordem, da legalidade; alguém, enfim, capaz de retirar o Brasil do purgatório. Na extremidade esquerda, Fernando Haddad foi apresentado como o político apto a cumprir a pesada tarefa de recuperar o Partido dos Trabalhadores (PT), tendo como meta remir Lula da cela onde cumpre pena.

Ambos os perfis não correspondiam à realidade. Jair Bolsonaro não deve alimentar a pretensão de ser o estadista dotado de poderes excepcionais que lhe permitam desagravar, com a rapidez desejada, prejuízos causados durante 13 anos e meio de petismo. Fernando Haddad, por outro lado, não estava à altura da tarefa que lhe foi entregue. Não nos esqueçamos do minguado resultado alcançado quando, há dois anos, perdeu a disputa pela reeleição como prefeito de São Paulo. Tentou, mas não conseguiu desempenhar o papel reservado a Lula, com resultados superiores, contudo, aos esperados.

Não surpreendeu a derrota do PT. Era inevitável. Para surpresa geral, entretanto, a votação superou a casa dos 47 milhões, ou 44,8% dos votos válidos. Como entendê-los após a cassação de Dilma, a condenação de Lula e de integrantes da cúpula do PT por desvios de dinheiro e crimes de corrupção ativa e passiva, cometidos com a cumplicidade de grandes empresários? É a pergunta que devemos fazer.

Reputo impossível que alguém dotado de razoável equilíbrio ponha em dúvida a idoneidade de sentenças de primeiro grau, confirmadas em segunda instância, em ações penais que obedeceram aos princípios constitucionais do devido processo legal e do amplo direito de defesa. Tomada por sentimento de perplexidade, a Nação observou Fernando Haddad alcançar o segundo turno, enquanto candidatos com apreciável currículo e boa reputação eram barrados no primeiro.

A elevada concentração de votos nas camadas pobres das Regiões Norte e Nordeste sugere forte influência de programas assistencialistas e do pagamento de Bolsa Família àqueles que nunca antes haviam conhecido a cédula de R$ 100. Li em algum lugar acerca da importância da memória do bolso na escolha do candidato e ouvi de alguém a respeito da inutilidade de argumentar, com a Constituição nas mãos, sobre democracia, honestidade, igualdade de direitos para quem está desempregado e cuja família passa necessidades.

Não são esses, porém, os aspectos mais preocupantes no sectarismo lulista. Não me surpreende, também, a presença do PT nos meios artísticos ou entre intelectuais de esquerda. Exige, todavia, particular atenção a crescente onda lulista em meio a estudantes de classe média alta nos cursos de nível médio e universitários, admiradores de Che Guevara. O lulismo parece-me carecedor de ideias consistentes e de bases doutrinárias. Tem, entretanto, distante parentesco com o marxismo-leninista. Ignora o que se passou com a extinta União Soviética, a dissolução do bloco comunista, o destino de Stalin, o fracasso da Alemanha Oriental, as ditaduras dos irmãos Castro, de Evo Morales, de Hugo Chávez, de Nicolás Maduro, a violência e a corrupção presentes em governos africanos admirados por Lula e Dilma.

Seria consequência da indignação provocada pelo fracasso de políticos surgidos durante o regime militar, os quais, nestes 30 anos de crise, espalharam desconfiança e decepção entre os jovens? Seria forma de protestar contra a onda recente de corrupção?

Convivi com Lula desde o início da década de 1970, quando comecei a trabalhar como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Defendi a entidade nas históricas greves de 1978, 1979, 1980, 1982. É indesmentível que a vida sindical passou por radical transformação sob a sua liderança. Após ter o mandato cassado em abril de 1980 por decisão arbitrária do Ministério do Trabalho, Lula não voltou ao emprego na Villares, onde teria breve período de estabilidade. Deixou de ser operário para enveredar pela política. Fundou o Partido dos Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Como escrevi anteriormente, a 2.ª edição do Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro (DHBB), publicada em 2001 pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em parceria com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), traz o verbete Lula no Volume III sem registros desabonadores (páginas 3.330-3.336). O que aconteceu nos anos que se seguiram? Essa é a pergunta que repetidamente ouço. Não me sinto em condições de responder. Aprendi, porém, com a vida, que cobiça é doença contagiosa, contra a qual muitos não conseguem proteger-se.

Com a experiência acumulada em anos de advocacia e de integrante do Tribunal Superior do Trabalho, posso afirmar que condenações em raríssimos casos surgirão do nada. Para belicosas legiões petistas, todavia, Lula é inatacável. Jair Bolsonaro que se acautele. Alimentadas pelas chamas dessa crença, persistirão pelejando com o objetivo de reaver, até 2022, o poder que o povo lhes arrebatou.”
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