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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

A chave da moderna democracia americana





“A chave da moderna democracia americana
        
Por Fernão Lara Mesquita

A chave para o entendimento do sistema institucional americano é a distinção que eles fazem entre “direito negativo” e “direito positivo”.

“Direito negativo” é o de não ser submetido à ação coercitiva de outra pessoa ou do governo. Eles o têm por um direito natural, também dito de primeira geração. Nasce com e pertence a todas as pessoas, e está garantido enquanto ninguém agir para violá-lo. A common law, o direito baseado na tradição que foi comum a toda a Europa, mas só sobreviveu na Inglaterra depois do advento do absolutismo monárquico que o nosso “direito romano” foi inventado para sustentar, fixa os círculos do espaço individual que as pessoas naturalmente sabem que não devem invadir: o do corpo, o do lar, o dos pertences, o da propriedade. Essa é a base do “direito negativo”. E desses círculos decorrem os seus desdobramentos civis e políticos, ditos de segunda geração, o direito à vida, à liberdade de expressão, à liberdade religiosa, à legítima defesa, ao habeas corpus, a um julgamento justo, etc.

Já os “direitos positivos”, ditos de terceira geração, são os que requerem a ação de uma terceira pessoa para serem exercidos por quem vai desfrutá-los. Enquanto um “direito negativo” proíbe alguém ou o governo de agir contra o seu beneficiário, um “direito positivo” obriga outras pessoas ou o governo a agirem em benefício do seu detentor. Incluem-se nesse departamento os direitos sociais e culturais, tais como à comida, à habitação, à educação, a um emprego, à saúde, à seguridade social, ao acesso à internet ou o que mais se quiser incluir na lista, que, no Brasil, por exemplo, é infindável.

Lá a Constituição da União, elaborada pelos “pais fundadores” iluministas, contempla exclusivamente os “direitos negativos”, o que, na medida em que ela subordina todas as outras leis, estabelece a prevalência destes sobre os “direitos positivos”. Diz, no preâmbulo, que todo o poder emana do povo, que o delega aos seus representantes eleitos por sufrágio universal e define nos seus sete artigos, pela ordem, o Congresso dos representantes do povo, a Presidência, o Judiciário, as relações entre os Estados e deles com a União e as regras para emendar a Constituição. As emendas da 1.ª à 8.ª garantem os já citados direitos de segunda geração que decorrem dos círculos de inviolabilidade do indivíduo. A 9.ª e a 10.ª (para encerrar a disputa de egos entre os convencionais de 1787, que queriam cada um enfiar um direito a mais) declaram que tudo o que não está formalmente proibido até ali “são direitos que pertencem ao povo ou aos Estados”. Todos os temas da alçada do “direito positivo” que recheiam de ponta a ponta a nossa Constituição federal lá ficam, portanto, restritos às Constituições estaduais e municipais.

E aí vem o pulo do gato.

Como todo “direito positivo” (artificialmente criado) implica uma violação do “direito negativo” (inato, natural) de não ser coagido a nada nem ter o que é seu apropriado pelos outros, eles só podem ser criados, nos países de common law, por contrato, isto é, se todas as partes envolvidas concordarem com isso numa votação. E como cada “direito positivo” tem um custo, o projeto que o propõe tem de incluir obrigatoriamente o seu esquema de financiamento: qual será a despesa, quem arcará com ela, como e quando ela será paga.

Ou seja, não existe a hipótese de se fazer caridade com dinheiro alheio. Quem se dispuser a tanto deve usar o seu próprio.

Correndo em paralelo com a diferenciação entre “direito negativo” e “direito positivo” está o princípio do federalismo, a mais forte garantia em países de dimensão continental e ampla diversidade de situações de que o sistema estará sempre voltado para servir ao indivíduo e jamais poderá acumular poder suficiente para voltar-se contra ele. Cada instância de governo - a municipal, a estadual e a federal - é definida em função do seu grau de proximidade do indivíduo e deve ser absolutamente soberana até o limite do alcance dele. Tudo o que diz respeito a uma única comunidade - a escolha do seu modelo de governo, policiamento local, saneamento, vias públicas, educação, saúde, proteção contra incêndios, normas de comércio, etc. - deve ser decidido e custeado por ela própria e mais ninguém, respeitadas as linhas básicas da Constituição. Só o que envolver mais de uma comunidade - estradas, transporte intermunicipal, circulação de bens, repressão ao crime, sistema penal, etc. - deve ficar a cargo dos governos estaduais. E somente o que não pode ser resolvido por um único governo estadual fica a cargo da União.

Acrescenta-se finalmente à fórmula um sistema preciso de representação dos eleitores em cada uma dessas instâncias de governo, o que se consegue com eleições distritais puras, em que cada distrito elege apenas um representante. Tudo começa pela eleição do conselho que vai dirigir cada escola pública entre os moradores de cada bairro do país. E daí vai subindo para os municípios, para os Estados, para a União. Sempre com cada representante, com base no endereço, sabendo exatamente quem é cada um dos seus eleitores. Sempre com cada representado guardando o poder de manter ou não o seu representante até o fim do mandato (recall ou retomada de mandatos), de obrigá-lo a tratar dos assuntos que ele indicar (leis de iniciativa popular), de impedi-lo de impor-lhe o que quer que seja (referendo das leis vindas de cima), de afastar juízes lenientes ou enviesados (com eleições periódicas de retenção ou substituição de juízes).

Com essas liberdade e flexibilidade, aos poucos o sistema foi evoluindo segundo a necessidade e a preferência de cada comunidade. O bairro vota - sim ou não - um melhoramento da escola a ser pago com um aumento temporário só do seu IPTU; a cidade, a contratação de mais policiais ou a construção de um novo hospital mediante um aumento temporário da taxa local de comércio; o Estado, uma nova estrada a ser paga pelos seus usuários mediante pedágio...

E fez-se a luz... sempre na medida e no preço exatamente desejados.”

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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Trump, os limites da democracia





“Trump, os limites da democracia

POR DEMÉTRIO MAGNOLI

Nos jornais e em ensaios acadêmicos, difunde-se a tese de que o “Estado profundo” enquadrou Donald Trump, neutralizando seus impulsos autoritários e assimilando-o ao sistema político americano. A ordem executiva de declaração de “emergência nacional”, supostamente destinada à construção do muro na fronteira com o México, evidencia as dimensões do equívoco. Por meio dela, o presidente circunda o Congresso, apropriando-se de prerrogativas constitucionais que não pertencem ao Executivo. O precedente busca destruir o mecanismo de contrapesos que garante o funcionamento normal da democracia americana.

Trump já corroeu a ordem internacional edificada pelos EUA no pós-guerra. A aliança transatlântica, corporificada pela Otan, cambaleia sob os golpes do ocupante da Casa Branca, que prefere a companhia da Rússia à da Europa. O sistema multilateral experimenta incontrolável hemorragia depois de sucessivas retiradas americanas (Acordo do Clima, acordo nuclear com o Irã, mudança da embaixada para Jerusalém, guerra tarifária com a China). No Oriente Médio, o isolacionismo trumpiano propiciou a expansão da influência russa e ameaça deflagrar uma corrida nuclear entre Arábia Saudita e Irã. Entretanto, a ordem democrática interna parecia preservada — até a edição da ordem executiva de 15 de fevereiro.

“Eu não precisava fazer isso”, respondeu Trump diante da indagação de um repórter. O ato falho diz tudo. O presidente qualificou o fluxo de migrantes na fronteira sul como “emergência nacional” por motivos exclusivamente político-partidários. Dois anos após a posse, a promessa nativista de construção do célebre muro dissolve-se no ar rarefeito das bravatas, especialmente após a reconquista de maioria na Câmara pelos democratas. Como explicou Gavin Newsom, governador da Califórnia, um presidente “constrangido” inventa uma falsa emergência para “alimentar sua base” com a ração da xenofobia. Nesse percurso, procura libertar o Executivo da rede de controles fabricada pelo sistema democrático.

Não há emergência imigratória. Graças à drástica redução do fluxo de mexicanos, a imigração nos EUA conhece forte redução depois do apogeu de 1995-2000. Nos dois anos iniciais do governo Trump, as detenções de migrantes na fronteira sul atingiram seu nível mais baixo desde 1971. Atualmente, na sua maioria, os imigrantes ilegais entram nos EUA com vistos válidos que deixam expirar. A ordem executiva desvia para as obras do muro US$ 8 bilhões, uma fração dos custos totais da obra, estimados em US$ 23 bilhões. Imigrantes e muro não passam de pretextos para uma encenação teatral xenófoba. Contudo, se a Corte Suprema avalizar a farsa, ficará virtualmente anulado o poder do Congresso de definir o Orçamento nacional.

Do russo Putin ao turco Erdogan, passando pelo húngaro Orbán, os governantes populistas do movimento neonacionalista avançam rumo ao autoritarismo pela subordinação dos parlamentos e dos tribunais ao arbítrio do Executivo. Nos EUA, uma nação de enraizadas instituições democráticas, o empreendimento é muito mais difícil. Trump não conseguiu barrar as investigações judiciais que se aproximam de seu clã familiar. O desafio que agora lança ao equilíbrio de poderes definirá o futuro de seu governo.

A Lei de Emergências Nacionais, de 1976, inscreve-se no percurso histórico de ampliação das prerrogativas presidenciais que começou com a ratificação da Constituição americana, em 1788. A lei de 1976 não define o conceito de “emergência nacional”. O Congresso pode revogar emergências, mas o presidente tem o direito de vetar o ato parlamentar. A derrubada de vetos exige maioria qualificada de dois terços na Câmara e no Senado. Nessas condições, Trump tem chances razoáveis de obter da Corte Suprema uma sentença na qual os juízes se abstêm de intervir em prerrogativas dos outros poderes.

Geralmente, ao produzirem suas leis, as democracias não preveem a ascensão ao Executivo de líderes populistas engajados na degradação da própria democracia. Essa é a verdadeira “emergência” que os EUA enfrentam hoje.”

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terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Olha a Lava Jato aí, gente!





“Olha a Lava Jato aí, gente!
        
Por José Nêumanne

A notícia de que o responsável pelas finanças da campanha vitoriosa da então presidente Dilma Rousseff, do PT, à reeleição, em 2014, Antônio Palocci, confirmou delação premiada anterior, feita pelo marchante Joesley Batista, de que o dono da JBS teria aberto uma conta no exterior em nome dela para depositar propinas animou todos quantos não aceitam sua impunidade, até agora mantida. Mas o caso é muito mais complexo do que aparenta e não deverá ter como desfecho tão cedo a prisão da ex-presidente, que muitos de seus correligionários petistas passaram a temer.

Há muitas dúvidas ainda a serem dirimidas em relação aos dois delatores citados no parágrafo anterior. Qualquer brasileiro dotado de um mínimo de bom senso deve estar alerta para muitas complicações em relação à primeira delação que citou Dilma, que, por enquanto, continua livre, leve e solta. Refiro-me especificamente ao que se arvora em pagador das propinas depositadas na conta aberta no nome dela no exterior. É evidente para muitos brasileiros que o prêmio dado pelos procuradores da República, sob a égide do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, a Joesley Batista foi claramente exagerado. O colega Marcelo Godoy, repórter da área policial no Estado, publicou reportagem em que fez um cálculo de mais de 200 anos de pena para o goiano. E este se deu ao luxo de bancar o espertinho, poupando quem quis na própria delação. Certamente instruído por seus advogados, entre os quais o então procurador da República Marcello Miller, que bancou o quinta-coluna, entregou mesmo, como o faria depois Palocci, a existência de contas correntes no exterior, abastecidas pela JBS e usufruídas pelos dois ex-presidentes petistas. Mas se deu ao desplante de não indicar o caminho das pedras, como se diz na gíria, sem o que não há como obter provas dessa movimentação financeira pra lá de atípica. Nenhum brasileiro decente e minimamente inteligente engoliu essa troca e até hoje ninguém deu explicações satisfatórias para ela. Nem o delator, que nunca contou como ascendeu de herdeiro de um açougue de duas portas em Anápolis (GO) para maior produtor e comercializador de proteína animal, com o controle de 80% do mercado mundial. A Batista cabe outorgar o galardão de primeira “omissão premiada” do Brasil.

Até hoje o acordo da delação de Joesley e Wesley Batista está suspenso, à espera da definição do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde a época em que começou a ficar claro que a gravação de sua conversa com o então presidente Michel Temer na garagem do Palácio do Jaburu tinha sido uma armação do petista Janot para comprometer o ex-vice, ficou a suspeita de que o traidor da titular da chapa vencedora em 2014 foi traído.

Sabe-se ainda que o também delator premiado Ricardo Saud, da J&F, percorreu os corredores do Senado em busca de votos favoráveis ao professor Luiz Edson Fachin. Relator da Lava Jato, este manteve seu estilo discreto de sempre e nunca deu explicações “plausíveis” (como diria o senador Flávio Bolsonaro) desse fato corriqueiro na busca de sua aprovação pelos senadores quando foi submetido à sabatina de praxe.

Enquanto isso, Palocci vendeu seu peixe e conseguiu fechar delações com a Polícia Federal e equipes do Ministério Público Federal das Operações Greenfield e Bullish, em Brasília, bem distante de Curitiba, onde mora na cadeia, nas proximidades do ex-chefe Lula, embora sem o mesmo conforto. Nas três delações, o ex-prefeito petista de Ribeirão Preto segue o mesmo estilo de vendedor de terrenos no fundo do mar. A força-tarefa da Lava Jato em Curitiba sempre duvidou de sua intenção honesta de colaborar com a Justiça, desconfiando que ele poderia ter vendido um silêncio seletivo. Na audiência em que se ofereceu ao chefe da operação, o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, este expôs francamente a desconfiança de que o ex-ministro da Fazenda de Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma poderia estar usando a promessa de revelações importantes como ameaça a grandes empresários, políticos, burocratas da alta aristocracia republicana e executivos das estatais das quais eram originadas as propinas pagas com dinheiro público. Resulta que nunca os procuradores liderados por Carlos Fernando de Souza e Deltan Dallagnol aceitaram fazer um acordo em que a delação do figurão do PT o favorecesse com redução de pena. Até hoje ele não cumpriu nenhuma das ameaças, percebidas por Moro, de denunciar maganões da alta burguesia nacional. Nem apresentou documentos que comprovassem a denúncia das contas de Lula e Dilma no exterior. Embora o vazamento de seu depoimento tenha posto muitos petistas em polvorosa com o temor de iminente e súbita prisão de madama.

O ex-governador do Rio Sérgio Cabral, condenado a penas que já somam 198 anos de prisão, quer delatar o Judiciário para tentar diminuí-las e proteger sua “riqueza”, a mulher, Adriana Ancelmo, mas não consegue advogado que tope a parada. A exemplo do antigo aliado Palocci, ele tem feito um périplo em busca de um profissional que aceite patrocinar sua causa, que inclui promessa de delação premiada das altas cúpulas estadual do Rio e federal do Judiciário. Está ficando claro que os habilitados para essa tarefa não se dispõem a pôr em risco suas bancas e sua carreira à vingança eventual dos maiorais de nossa injustiça togada. Esperava-se que, já que patrocina causas com delação premiada dos doleiros Juca Bala e Tony, o doutor Márcio Delambert se dispusesse a fazer o que outros não tentaram. Mas ele próprio fez questão de garantir a O Globo que esse passo não estava nos planos dele nem nos do cliente. Antes do atual advogado, Luciano Saldanha, Fernando Fragoso, Ary Bergher e Rodrigo Roca haviam abandonado Cabral, preso desde novembro de 2016, réu em 26 processos e condenado em nove deles. João Bernardo Kappen pulou fora antes de participar da defesa.

O último passo atrás nas tentativas de investigar ministros dos tribunais superiores foi dado pelo senador Delegado Alessandro Vieira ao tentar recriar a CPI da Lava Jato no Senado, mas este caiu por falta de assinaturas, depois de Tasso Jereissati, Kátia Abreu e Eduardo Gomes desistirem e Flávio Bolsonaro desaparecer do Brasil e do noticiário.

Agora surgiu uma novidade. No domingo 17, Lauro Jardim, colunista de O Globo, publicou a seguinte nota: “A volta a campo anteontem da Lava Jato fluminense, prendendo Régis Fichtner, ex-secretário de governo de Sérgio Cabral, foi só um aperitivo do arrastão previsto para as próximas semanas”. Secretário da Casa Civil de 2007 a 2014, no governo de Sérgio Cabral, o citado Fichtner já tinha sido preso antes pela Lava Jato do Rio de Janeiro. Na ocasião, em novembro de 2017, Fichtner anunciou que pretendia  fazer uma delação premiada e “contar casos sobre o Judiciário”. Foi solto num piscar de olhos pelo desembargador Paulo Espírito Santo, do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, na ex-Cidade Maravilhosa.

Foi Fichtner quem provocou a separação de Sérgio Cabral de Adriana Ancelmo. Ela queria indicar para ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) seu sócio Rodrigo Cândido de Oliveira. Dilma Rousseff havia prometido essa indicação ao aliado Sérgio Cabral, mas, no fim, Regis Fichtner venceu a parada, indicando para o STJ o cunhado Marco Aurélio Bellize. Desde então, Adriana Ancelmo e Regis Fichtner são inimigos.

Foram os pés de Adriana Ancelmo que o ministro do STF Luiz Fux beijou agradecendo o apoio de Sérgio Cabral à candidatura dele à Suprema Corte. A ex-primeira-dama foi condenada a 18 anos de prisão pelos crimes de lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. Mas vive soltinha da Silva, ostentando uma tornozeleira eletrônica.

O motivo da recente prisão do mesmo Regis Fichtner pela Lava Jato do Rio de Janeiro foi ter ele movimentado muito mais dinheiro do que o R$ 1,6 milhão descoberto pela operação, motivo da primeira. Essa novidade deixa o Judiciário em pânico. Se o cunhado do preso, Bellize, com sua influência já comprovada, não mandar soltá-lo novamente, será iniciada uma corrida entre Sérgio Cabral e seu ex-chefe da Casa Civil para ver quem delatará a cúpula do Judiciário primeiro.

Em nome do Regis, do Bellize e do Espírito Santo, amém. Olha a Lava Toga aí, gente!.”

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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

O Brasil muito doente e mal cuidado





“O Brasil muito doente e mal cuidado
        
Por Roberto Macedo

Nosso país está numa situação crítica, marcada por vários sintomas. Entre eles, o mau desempenho da economia, na qual concentro meu interesse, por vocação e profissão. E também porque sem funcionar bem ela leva a outros problemas, como o alto desemprego e suas graves implicações sociais. Fica assim prejudicada a geração de mais recursos para necessidades mal atendidas, como as da população em geral, das empresas e do governo, neste caso via menos impostos, o que prejudica sua prestação de serviços.

A própria saúde da população vai mal, gerando manchetes do tipo Brasil está prestes a perder status de livre do sarampo. Deu até num navio de cruzeiro. Pernilongos e assemelhados frequentam o noticiário das TVs com a assiduidade de celebridades. O atendimento pelo SUS é em geral de má qualidade e agrava a desigualdade social também na doença e na morte.

Na educação destacam-se as carências na pré-escola e no ensino básico, que não resolvidas prejudicam o futuro de crianças e jovens. Venho de família com orçamento estressado por muitos filhos, mas tive acesso à educação pública de boa qualidade e a emprego formal ainda adolescente. Não vejo futuro para jovens que nem estudam nem trabalham.

A frágil infraestrutura urbana vez por outra sucumbe à natureza, como nos deslizamentos de terra e alagamentos, e ao trânsito, como os viadutos e pontes em São Paulo. A criminalidade é altíssima e a segurança pública não dá conta dela. O desastre de Mariana repetiu-se com muito maior gravidade em Brumadinho; do primeiro ainda se discutem indenizações e no segundo a última contagem registrava 169 mortes e 141 desaparecidos. Há outras barragens sob risco.

Nossa tradição é recorrer ao governo para resolver tudo, o que é impossível, e ele está prejudicado também pela má gestão dos recursos, incluídos os humanos, em que a hierarquia às vezes se inverte, com corporações de funcionários a comandar governantes. Em tese, estes seriam representantes do povo, do qual emanaria o poder político, que em nome dele e para ele seria exercido.

Tudo conversa. Os políticos estão distantes do povo, em particular no Legislativo, e não atuam visando o bem comum, nem são cobrados pelos eleitores. Reformas deveriam incluir a eleição distrital de parlamentares, para aproximar cidadãos de seus representantes.

Poderia prosseguir listando mais calamidades, mas ficarei no que possa pelo menos iniciar o tratamento das muitas que nos assolam. A prioridade deve ser a economia, pelo que já disse acima. Ela esgotou o modelo de crescimento seguido após a 2.ª Guerra, baseado na substituição de importações e na transferência de grandes segmentos populacionais do campo para as cidades, onde passaram a trabalhar com maior produtividade, ampliando assim o produto interno bruto (PIB) por habitante. Mais à frente, o Estado cresceu mais que o PIB total, exageradamente absorvendo recursos que famílias e empresários aplicariam com maior eficácia e eficiência. Num aspecto grave desse quadro, o Estado se financia com poupança de entes privados e deixa de investi-la produtivamente, fazendo assim uma “despoupança” que compromete o crescimento econômico.

Nas contas públicas os governos petistas acabaram produzindo déficits enormes, que ampliaram fortemente a dívida governamental. O temor de um calote provocou enorme incerteza entre agentes econômicos, que por isso retraíram os seus investimentos e impulsionaram para baixo as taxas de crescimento do PIB.

Depois de o PIB crescer 3% em 2013, em 2014 essa taxa caiu para 0,5% e em 2015 e 2016 passou a valores negativos, -3,5% e -3,3%. Em 2017 e 2018 voltaram a positivos, mas de apenas 1,1% e 1,3% (previsão). Assim, estes dois resultados foram claramente insuficientes para superar o desastre do biênio anterior.

Entre economistas e outros analistas da economia predomina a crença de que para alcançar crescimento bem mais forte é fundamental encontrar solução para as contas públicas, de modo a começar a dissipar incertezas quanto ao futuro do País. E aí o problema maior é o da Previdência Social.

Ele se agravou por um comportamento típico de nossos governantes, o de não cuidar de problemas importantes, mas vistos como não urgentes na visão deles e a seu tempo. Ora, essa atitude faz os problemas continuarem se agravando até emergirem como críticos, como o da Previdência. Ou seja, o pior que está não fica, do Tiririca, foi desmentido, pois pior do que estava ficou e continuará piorando se não resolvido.

Sendo um tema impopular, como aprovar uma eficaz reforma previdenciária num Congresso avesso a temas desse tipo? Até aqui ele só postergou o problema, mas este acabou por prostrar o doente. Fugirá novamente da sua responsabilidade por resolvê-lo?

De sua parte, Bolsonaro, chefe do Executivo, é também o chefe da família brasileira e cabe-lhe o papel de levar a ela a enorme gravidade do problema previdenciário, no esforço de convencê-la da necessidade de tratamento eficaz. Este, como em muitas doenças, será doloroso para segmentos da família, cabendo assim distribuir o ônus, concentrando-o nos mais capazes de suportá-lo.

Nesse apelo ao povo poderia usar trecho do discurso de posse, em 1961, do presidente John Kennedy, dos EUA: “Não pergunte ao país o que ele pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo país”. E já adiantando a resposta: apoie a reforma da Previdência! E advertindo a turma do contra de que ela está sendo egoísta e aética ao não pensar no País e no bem comum.

Aliás, não pensa nem mesmo nos seus filhos, netos e gerações seguintes. Sem solução para o problema previdenciário terão dificuldades ainda maiores de encontrar trabalho e outras formas de desenvolvimento pessoal.”

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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

Sínodo da Amazônia





“Sínodo da Amazônia

Por Denis Lerrer Rosenfield

Pensar a Amazônia, em termos internacionais, como se fosse uma mera discussão neutra, desprovida de caráter político, ou melhor, geopolítico, é uma grande ingenuidade. Alguns escondem seus reais propósitos numa retórica aparentemente moral e universal, tendo como fundamento questões ambientais, indígenas ou quilombolas; outros são mais diretos, procurando retirar do Brasil a soberania de uma fatia de seu território. Uns e outros partem de uma mesma ideia de “universalidade”, devendo nosso país se curvar a uma “humanidade” dirigida e controlada por eles.

O documento preparatório da Igreja Católica para o Sínodo da Amazônia procura capturar os incautos por intermédio de uma argumentação supostamente moral e humanitária, quando, na verdade, tem uma orientação política claramente estabelecida. Tal orientação está baseada na Teologia da Libertação, com referências explícitas a seus encontros fundadores em Puebla e Medellín. A argumentação bíblica é utilizada para estabelecer uma linha de continuidade entre a Torá, com nome hebraico no texto, e essa teologia que tem um eixo ideológico, baseado no marxismo. Só faltou dizer que a Teologia da Libertação é a herdeira direta do Antigo Testamento, o que equivaleria a dizer que o marxismo seria sua melhor expressão.

Convém não esquecer que tal orientação da CNBB está sendo fortalecida no atual papado, quando tinha sido liminarmente descartada pelo anterior pontífice, Bento XVI, já desde a época em que era conhecido como cardeal Ratzinger. Este em 1984 escreveu um livro crítico e mordaz contra a Teologia da Libertação, considerando-a uma perversão do pensamento católico. Em seu livro sobre a vida de Jesus, retomou a mesma posição, tendo-a como uma forma do “anticristo”. Cristianismo e marxismo seriam incompatíveis.

Acontece que setores da Igreja Católica brasileira, congregados na CNBB, procuram vender a imagem da neutralidade política, como se estivessem apenas preocupados com questões, digamos, religiosas ou universais nesta acepção restrita, quando, na verdade, estão profundamente engajados na política. Assumem claramente posições de esquerda! Talvez por ter a esquerda perdido espaço nesta última eleição estejam tentando ocultar as ideias que os norteiam!

Curioso que esse ocultamento se faça, muitas vezes, sob o manto de uma diferenciação em relação aos evangélicos, como se estes fizessem política e os católicos, não. Trata-se de mero disfarce, apresentado sob a forma da oposição, a “esquerda católica” não fazendo política, o que seria o caso da “direita evangélica”. Trata-se de uma forma retórica de velar seus reais propósitos.

A Igreja Católica, por intermédio da Comissão Pastoral da Terra (CPT), criou o MST, na década de 1980, e o acompanha deste então. Suas posições são expressamente anticapitalistas e revolucionárias, apregoa a violência nas invasões de terras, rurais e urbanas, em flagrante desrespeito à lei. Quando não a favorece, a lei é só uma ferramenta de “latifundiários” e “conservadores”. Despreza a democracia e o Estado de Direito.

A Igreja Católica também colaborou decisivamente na fundação do PT, constituindo um dos seus eixos. Aí a Teologia da Libertação encontrou terreno particularmente fértil para o seu florescimento. Foi companheira incansável dos governos petistas, o que significa dizer que foi complacente com o descalabro econômico e social por eles produzidos, sem dizer da captura do Estado pela corrupção desenfreada.

Outra comissão dela, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), almeja tornar os indígenas um instrumento seu e das ONGs a ele associadas, apresentando a visão de que suas áreas demarcadas seriam, praticamente, recortadas do território nacional. Ou seja, o Brasil não seria uma nação de indivíduos das mais diferentes crenças e etnias, mas sofreria uma subdivisão interna, formada por nações indígenas, que teriam completa autonomia sobre os seus territórios. A leitura de seus documentos mostra um linguajar marxista, voltado para a transformação revolucionária do País.

Apenas um dado: o Brasil, segundo o IBGE, tem em torno de 1 milhão de indígenas, dos quais aproximadamente 500 mil em zonas rurais. Ocupam em área demarcada 12,5% do território nacional. Se fôssemos seguir o Cimi e ONGs afilhadas, o País deveria ceder 24% de seu território para meio milhão de pessoas, para “nações”. O passo seguinte seria a sua representação na ONU!

O documento do sínodo está repleto de menções às ameaças de desmatamento, como se o País fosse o grande destruidor do planeta. Ora, segundo dados da Embrapa Satélite, pesquisados por um dos seus mais influentes estudiosos, Evaristo de Miranda, o Brasil é um dos países mais preservacionistas, ostentando o invulgar índice de conservação de mais de 60% de vegetação nativa, com contribuição decisiva dos empreendedores rurais. Dados esses, aliás, confirmados pela Nasa.

Nesse texto, discorre-se sobre a “Pan-Amazônia” que recortaria todos os países da Floresta Amazônica, que deveriam ser objeto de tratamento específico, segundo as ideias da “igreja universal”: a Igreja Católica sob a orientação da Teologia da Libertação, com seu séquito de ongueiros mundiais. A Igreja estaria, assim, se imiscuindo nos assuntos internos desses países, como se eles devessem curvar-se a tais ditames tidos, então, por “universais”.

O general Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Nacional, está coberto de razão ao externar a sua preocupação com os rumos desse sínodo político e esquerdizante. Pensam os militares nos destinos do País e na integridade do seu território. O que está em questão é a soberania nacional. Se não for defendida, tornar-se-á refém dessa esquerda religiosa, ambientalista e indigenista, supostamente “humanitária”. E o sentido mesmo da Nação brasileira estará perdido.””

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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O vento no laranjal brasileiro





“O vento no laranjal brasileiro

Por Fernando Gabeira

Saio do Brasil por uma semana para visitar minha filha em Portugal. Mas saio apreensivo. Coração na mão. Houve uma série de tragédias neste início de ano. Há muitas coisas pendentes desses desastres. Como se não bastasse essa sensação de casa velha caindo que o Brasil nos transmite hoje, há ainda uma crise política, provocada pelo próprio governo.

Uma pena, porque os temas básicos precisam ir adiante: reforma da Previdência, combate ao crime organizado. Os liberais levaram um chega pra lá no caso do leite. O governo manteve restrições ao leite da Europa e Nova Zelândia. Falando de subsídios, a ministra da Agricultura afirmou: o desmame não pode ser radical. No mundo biológico, o desmame tem um momento de acontecer. Se deixar apenas pelo gosto de algumas crianças, a coisa vai longe.

O plano de Sergio Moro é voltado para mudar as leis, adaptá-las ao combate ao crime. Se forem aplicadas com seriedade, vão levar mais presos às cadeias? O que faremos com elas?

A última das minhas escolhas em política é falar de intrigas palacianas e familiares. Mesmo para contestar o ministro do Meio Ambiente, no caso do Chico Mendes, hesitei um pouco. Tenho vontade de deixar tudo isso pra lá, seguir focado no que importa.

É tudo tão subversivo para minha concepção de política que me sinto um pouco espécie em extinção. No mundo que se foi, presidentes reuniam-se com ministros, acertavam sua demissão e, em alguns casos, trocavam cartas diplomáticas de agradecimento etc.

Hoje, são demitidos pelo Twitter. Não é novo. Trump costuma usar esse método. Mas esse estilo de fazer política representa mesmo um avanço?

No caso de Bolsonaro, há um dado delicado. Ele divulgou uma gravação telefônica com um ministro. Presidentes não punem primeiro nas redes sociais . Nem costumam divulgar suas falas.

É um cochilo em termos de segurança nacional. Mas é, sobretudo, uma falta de consideração. Se houvesse alguma coisa a ser resolvida, deveria ter sido pessoalmente. Sem humilhações públicas.

O poder, isso é um lugar-comum, revela muito as pessoas. Sobretudo no princípio de governo, quando ainda estão embaladas pelo voto popular e ainda não sofreram o desgaste das limitações reais.

A tendência é um excesso de autoconfiança. Mesmo entre os generais, que são uma força moderadora e mais tranquila, às vezes surgem surpresas.

Na minha concepção política, os governos, de um modo geral, ao saber que serão criticados, apenas preparam-se para a defesa, que será proporcional às críticas e suas repercussões.

O governo brasileiro resolveu se antecipar às potenciais críticas que sofreria de bispos de esquerda num sínodo sobre a Amazônia. Nesse movimento, ele trouxe as atenções para as críticas que podem sair daí. O sínodo ainda não aconteceu. Dizem que o celibato dos padres será um dos temas. Por que não esperar que aconteça e reagir de acordo com os fatos reais?

Enfim, é tudo tão perturbador para uma visão mais clássica. Governos minimizam críticas, não criam um palco planetário para elas.

Um dado novo também é a importância dos filhos de Bolsonaro nas crises políticas.

Como um sobrevivente do século XX, impossível não levar em conta a intensidade da relação pai e filho. Não usaria jamais a frase redutora: “Freud explica”. Arriscaria apenas dizer que ele fornece algumas pistas.

O que me parece fato neste momento é a intensidade emocional deste governo, as rivalidades, as tramas, os ciúmes. A experiência mostra que existe um antídoto para as veleidades pessoais: é a existência de um projeto comum, algo que nos transcenda.

A retirada do Brasil desta crise, as necessárias reformas, tudo isso deveria falar mais alto. Mas não fala. A própria insegurança estrutural pela ausência de uma cultura de precaução só aparece nas primeiras semanas pós-desastre.

Quando este governo se instalou, dispus-me a ficar atento e, se necessário, fazer uma crítica construtiva. Mas esse projeto se esvaziou um pouco. Daí minha apreensão. Será preciso, em primeiro lugar, libertá-lo dessa tendência autodestrutiva.

Tratem-se bem, cuidem uns dos outros, vivemos num país quase em ruínas. Isso é o pressuposto para trabalhar com a sociedade, levá-la para as mudanças que deseja.

Deixem, pelo menos, a oposição trabalhar.”

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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

A mulher de César ou a moral pública





“A mulher de César ou a moral pública

Por Leandro Karnal

Todas as pessoas deveriam ser honestas. Os políticos são ainda mais cobrados porque lidam com dinheiro alheio. As mulheres, alvo de fiscalização particular na nossa sociedade, deveriam ser imaculadamente éticas. A mulher do político, por fim, deve ser um cristal perfeito, transparência sem jaça e luz cristalina. Assim construímos nossos imaginários sociais: tolerantes com o jeitinho cotidiano, irritadiços com o roubo público e violentos no julgamento das mulheres.

Dizem que a expressão sobre o cônjuge de César nasceu da segunda esposa do aclamado general. Pompeia Sula deu uma festa só para mulheres. Um patrício atrevido invadiu o rega-bofe. Foi descoberto pela sogra da anfitrioa. Júlio César tomou a decisão clássica de uma moral masculina e pública: divorciou-se da esposa e perdoou o invasor. Surgiu o ditado: para uma mulher casada com homem importante não basta ser, mas parecer honesta, estar acima de quaisquer suspeitas. 

Nossos jornais mostram novos escândalos. Ainda não abarcamos a extensão dos antigos, nem todos os culpados foram punidos e eis que uma safra fresca desponta. Você minha querida leitora ou você, meu estimado leitor, sabe a regra absoluta e verdadeira. Tudo que se diga de ruim do político ou partido de que eu gosto é perseguição da imprensa e intriga da oposição. Tudo o que for dito do meu inimigo político é pouco diante do muito mais que ele ou o partido tenham roubado. Aqui não se trata de gênero, todavia de afinidade eletiva. Quem eu gosto é honesto. No máximo, como concessão ao humano, meu correligionário fez algo indevido, mas imensamente menor do que aqueles outros, os verdadeiros ladravazes. Um argumento brasileiro clássico e estranho: “Sim, ele fez isso, mas os outros fizeram muito mais”. Assim, justifica-se o homicídio diante do nosso imaginário sobre o genocídio. O meu César e a sua esposa devem ser, ao menos, um pouco menos ladrões do que o César e a esposa alheia. Afinal, todos os césares se parecem, com exceção do meu, que, claro, é melhor por ser o meu. A ética parece flertar com a blague de Bernard Shaw (1856-1925): “O nacionalismo é a crença que um país é melhor que outro pelo simples fato de você ter nascido nele”. Meu político é mais ético simplesmente porque eu acredito nele e, um dia, a imprensa golpista vai entender isso.

Ser e parecer é a síntese da modernidade maquiavélica. Os outros julgam pelo que percebem externamente, logo, a propaganda de si como luminar ético é a coisa mais importante. Emil Cioran (1911-1995) dá o seu inevitável tom pessimista ao pensar as dualidades do mundo: “A inconsciência é uma pátria, a consciência, um exílio”. Podemos tratar de várias formas a ideia do franco-romeno. Mundos bipolares provocam conforto, um gueto mental quente e agradável. O bem ao meu lado e o mal do outro. E quem não pensa assim? Só pode ser um sofista, pois todos que não trabalham com o absoluto devem ser sofistas. Como sempre, sofista é uma palavra aprendida em um grupo de WhatsApp. Lá disseram ao membro que era um insulto e o mundo pessimista helênico submergiu no pires da internet.

Todos os políticos são iguais? Não. Estou convencido de que há pessoas realmente honestas e há partidos que as concentram mais do que outros. A questão que estou tratando é que a convicção depende de fatos e não de opiniões. Não podemos ter confiança por princípio, porém por fatos. Sempre gostei do exemplo, muito isolado na história do País, do ministro de Itamar Franco: Henrique Hargreaves. Sentado na instável cadeira da Casa Civil, a grande guilhotina da Nova República, foi acusado de procedimentos não éticos. Afastou-se e houve uma investigação. Assumiu Tarcísio Carlos de Almeida Cunha. Feita a devassa, retornou, sem que nada fosse provado. É um modelo interessante. Por quê? Existem máquinas óbvias de denúncias contra quaisquer pessoas que exercem o poder. Faz parte do jogo político. Eu quero o poder que pertence a você, mesmo o legitimamente obtido por votos. Logo, não querendo pagar o ônus de um golpe, eu posso derramar acusações. As acusações podem ser falsas ou verdadeiras, sempre. Para isso, o ideal seria fazer uma investigação e, sempre que possível, sem que o acusado exercesse cargo de poder. Isso evitaria que, caso seja culpado, use a máquina pública a seu favor ou que, enquanto se defende, não se concentre em seus afazeres. Trata-se de duplo e necessário cuidado.

Toda mulher de César deveria ser a primeira a exigir investigações amplas. A ela interessa emergir do caso com sua reputação exaltada. Exercer cargo público em democracias tem esse ônus terrível. O palavrão que você lançou no ensino primário volta. A entrevista de 1978 emerge. Reaparece o teste do bafômetro daquela noite fatídica. Seu filho exterior aos laços matrimoniais desponta nas colunas sociais. Seu filho de dentro do casamento terá a vida devassada e, não sendo santo (algum o é?), terá os achados jogados na fogueira inquisitorial da opinião pública.

Penso três coisas distintas. Uma já dita: a mulher de César deve querer investigação e sua insistência no procedimento seria uma evidência da sua consciência tranquila. Segunda: devemos buscar a ética e não a ética em uma pessoa ou partido. Devemos cobrar que quem exerça cargos seja exemplar ao lidar com a coisa pública. Terceira: um pecado menor do passado que já tenha sido expiado pela retratação ou que represente um momento de raiva e não uma convicção pessoal deveria ser relevado. Gosto de pessoas reais que têm capacidade de errar, desde que se arrependam e melhorem. Arcanjos costumam ser autoritários. Alguns até traem o plano divino. O mundo político é mais complexo do que uma lista de convidados de Pompeia Sula. A mulher de César deveria ter contratado assessores de imprensa. Bom domingo para todos nós.”

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terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Momento de definição





“Momento de definição
        
Por Affonso Celso Pastore

Há dois pilares de sustentação do governo Bolsonaro. Um deles é o programa de aperfeiçoamento institucional que começa a ser executado pelo ministro Sérgio Moro, buscando o combate à corrupção sistêmica e ao crime organizado. O outro é o programa econômico do ministro Paulo Guedes que, com o saneamento das contas públicas, busca incentivar o aumento da produtividade através de reformas que exponham as empresas privadas a uma maior competição. Embora talvez enfrente alguma oposição no Congresso, a tarefa de Moro aparenta ser mais fácil. Afinal, as reformas por ele propostas contam com amplo apoio da sociedade. Já Paulo Guedes terá de superar a fortíssima articulação vinda de grupos de interesse e de corporações que se opõem à sua agenda de reformas, e em particular à reforma da Previdência.

Os dois ministros têm tarefas fundamentais. Como nos ensinam Acemoglu e Robinson, nações não fracassam porque seus políticos e economistas desconhecem a “fórmula” para levar ao crescimento econômico, e sim porque suas instituições favorecem as decisões extrativistas, e não as inclusivas. O capitalismo de cooptação que conduziu o Brasil ao mais longo ciclo depressivo de sua história – do qual ainda somos prisioneiros – não teria existido se não fossem favorecidas as instituições políticas e econômicas extrativistas que levaram à explosão da corrupção sistêmica. Nem teríamos o crescimento medíocre da produtividade dos trabalhadores ocorrido nos últimos anos caso, em lugar dos incentivos dados aos “politicamente conectados”, os tivéssemos direcionado aos mais eficientes, e perseguido os princípios do equilíbrio fiscal. 

 “Per fortuna o per virtù”, o presidente Bolsonaro tomou a decisão correta de convidar Moro e Guedes para os ministérios. O Brasil agradece por isso. Como a agenda de Moro é popular e tem grande apoio da sociedade, não precisa de um suporte contínuo do presidente, podendo manter um voo “solo”. Mas este não é o caso de Guedes, que para ter sucesso precisa do suporte corajoso e proativo do presidente, ao qual cabe convencer a sociedade da necessidade e da urgência da reforma da Previdência.

O que se busca com essa reforma é uma consolidação fiscal que crie as condições para a aceleração da recuperação cíclica e para a retomada do crescimento econômico sustentado. Acelerar a recuperação cíclica é sinônimo de elevação forte da demanda agregada, mas com o crescimento mundial em desaceleração e com os preços da grande maioria das commodities em queda não podemos contar com um impulso vindo das exportações. Nem poderemos, diante da necessidade da consolidação fiscal, contar com a expansão da demanda vinda dos gastos públicos. Ao contrário, a política fiscal executada pelo governo central e pelos Estados terá de ser fortemente contracionista. A única fonte de expansão da demanda agregada capaz de ser eficazmente mobilizada são os investimentos em capital fixo, cuja retomada depende da remoção do risco fiscal, que somente ocorrerá com a aprovação de uma particular reforma da Previdência, que leve a uma economia superior a R$ 1 trilhão em 10 anos.

Esta é “a mãe de todas as reformas”, sem a qual nenhuma outra, dentre as inúmeras propostas por Guedes, terá eficácia. Ela requer que seja aprovada uma idade mínima compatível com a realidade demográfica do País, com uma transição rápida para o novo regime e não pode deixar de fora nenhum segmento da sociedade, buscando a equalização entre o regime geral e o regime próprio da União e dos Estados. Diante de mudanças tão profundas, é natural que grupos pressionem os congressistas na defesa dos seus privilégios, o que dificulta a aprovação da proposta. Ao presidente da República, contudo, cabe distanciar-se do comportamento típico de um congressista, cujo objetivo é garantir votos na próxima eleição, defendendo exclusivamente os interesses do País. Para tanto, terá de ter sempre em mente que não há possibilidade de elevar os investimentos e o crescimento econômico sem eliminar os riscos vindos do desequilíbrio fiscal, o que exige que a reforma da Previdência não se preocupe com as perdas de alguns, e sim com os ganhos de todos.

O que está em jogo é o sucesso de seu governo. Vivemos um momento de definição, e cabe ao presidente dar todo o suporte à corajosa proposta de Guedes. “

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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Não importa a cor (nem as manias) do gato...





“Não importa a cor (nem as manias) do gato...
        
Por Celso Ming

Neste mês e meio de governo, em plena temporada de praxe da lua de mel com a sociedade e com os políticos, o presidente Bolsonaro conseguiu reunir contra ele volume espantoso de críticas e advertências, a maioria delas, cabível.

Passou sinais de despreparo e de falta de visão estratégica. Mostrou comunicação desencontrada com a sociedade, incapacidade de controlar filhos destituídos de visão republicana e um jeito estranho de fritar ministro com semanas no cargo, como se viu na crise deflagrada pelo caso Bebianno.

Até mesmo o visual divulgado quinta-feira, na reunião com os ministros realizada no Palácio da Alvorada para decidir as linhas gerais da reforma da Previdência, demonstrou falta de familiaridade com a liturgia que se espera de um chefe de governo no exercício de seu mandato. Imaginem, por exemplo, o presidente da França, Emmanuel Macron, ou a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, comparecendo a uma reunião de Estado trajando camisa pirata de um clube de futebol e calçando sandálias de dedo.

No entanto, nenhuma dessas manifestações terá relevância se o presidente conseguir matar logo de cara os dois leões mais ferozes da savana nacional: a reforma da Previdência Social e controle percebido na área da segurança pública. Pouco importa a cor do gato, contanto que cace os ratos, ensinou Deng Xiaoping, quando presidente da China, nos anos de 1980.

Em outras palavras, se conseguir razoável sucesso na política econômica (território do ministro Paulo Guedes) e no controle do poder paralelo exercido pelos líderes do narcotráfico e do crime organizado (a cargo do ministro Sérgio Moro), a sociedade saberá relevar as derrapadas já conhecidas e outras do mesmo nível que eventualmente vierem em seguida.

Os primeiros passos nesses setores-chave foram dados. Algumas das linhas gerais do projeto de reforma da Previdência foram decididas e anunciadas quinta-feira. O ministro Sérgio Moro, por sua vez, há duas semanas encaminhou ao Congresso seu projeto de lei Anticrime e, na última quarta-feira, o governo transferiu 22 dos mais perigosos articuladores do PCC (o assim conhecido Primeiro Comando da Capital) de prisões estaduais para prisões federais de segurança máxima.

As diretrizes já divulgadas do projeto da reforma da Previdência mostraram boa consistência e expectativa de sustentabilidade. E nem é pelo R$ 1,1 trilhão que poderá ser economizado em dez anos, como foi dito, mas pela determinação até agora demonstrada na empreitada.

Ainda não se conhece o projeto inteiro. Falta saber, por exemplo, como será o sistema de capitalização e seu tempo crucial de transição. O governo ainda não explicou como será a transição na aposentadoria por tempo de contribuição, nem as condições do benefício assistencial para idosos de baixa renda, nem tampouco as da aposentadoria do trabalhador rural. Também falta saber quais as regras da aposentadoria dos funcionários públicos, aí incluída a situação dos militares e dos políticos. Como é notório, as despesas dos Estados com aposentadoria de seus funcionários são insustentáveis. Pelo menos sete Estados em situação de calamidade financeira vêm atrasando esse pagamentos.

Embora a reforma conte agora com ampla aprovação dos governadores, e, até onde se sabe, da opinião pública, pairam dúvidas sobre a qualidade do suporte político nas duas Casas do Congresso, em dois turnos, com voto qualificado por maioria de três quintos. O maior risco é o de que, em meio a entreveros na corte presidencial e no Congresso, como os que se viram nas últimas duas semanas, os políticos acabem por desidratar o projeto.

Ninguém espere que o rombo da Previdência seja definitivamente coberto porque, a longo prazo, as questões demográficas, as restrições impostas pela metamorfose do emprego (que pouco se comenta) e a aritmética financeira continuarão solapando as bases atuariais da Previdência Social.

Se for aprovada, além de apontar para a direção correta, uma reforma parruda aumentará consideravelmente as condições para a retomada firme da atividade econômica e do aumento da renda. Um governo bem sucedido na economia e na segurança é meio caminho andado para a aprovação popular. Mas não pode seguir trombando consigo próprio, como aconteceu nesses primeiros quarenta e cinco dias.”

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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Um país entregue aos ratos





“Um país entregue aos ratos

Por José Nêumanne

“Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza”, cantava Jorge Benjor, o genial sambista carioca, que adaptou a seu estilo descolado o ufanismo, expressão que passou a ser usada em linguagem corriqueira para definir orgulho pela pátria, desde que foi editado, em 1900, o livro Porque me ufano de meu país, de autoria do conde Affonso Celso. Adotada como leitura obrigatória nos cursos de educação moral e cívica, que agora o ministro colombiano Ricardo Vélez Rodríguez anuncia que ressuscitará em nossas escolas, a obra pode ou não ter inspirado a lenda urbana segundo a qual Deus seria brasileiro.

Se a disciplina a ser implantada por Sua Excelência for levada a sério talvez fosse o caso de adotar o antônimo empregado pelo nobre entusiasta, pois, de fato, se têm acumulado exemplos de vergonha no noticiário que inspirariam um poema caudaloso como o épico Uraguai, de Basílio da Gama, de 1756, narrando a luta entre bandeirantes e jesuítas espanhóis pela região dos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul. Quanto à questão do berço do Criador, implausível, de vez que a eternidade é infinita, portanto não tem fim e também não tem começo, seria o caso de dizer que Ele adotou a condição mais justa de apátrida após o que tem tido a justificar a anjos e arcanjos nesta destruição indiscriminada de belezas naturais espalhadas por este subcontinente. E, sobretudo, o massacre de vidas animais, inclusive humanas, vitimadas por negligência, imprudência, indiferença, incúria e impunidade de cidadãos e autoridades.

O jornal O Globo listou 10 grandes tragédias brasileiras em sua edição de segunda-feira 11 de fevereiro de 2019. Em 2007, ninguém ligou para denúncias da falta de segurança do aeroporto de Congonhas em São Paulo e um jato da TAM caiu no pouso. Morreram 119 pessoas. Márcio Castro, então diretor da TAM, e Denise Abreu, da Agência Nacional de Aviação Civil, foram processados e inocentados. Em 2008, as enchentes de Itajaí (SC) fizeram 135 mortos. O prefeito de Barra Velha, Samir Mattar (PMDB), foi afastado por suspeita de desvio de verbas para obras para enchentes e voltou ao cargo um ano depois. Em 2010, 214 morreram no deslizamento do morro do Bumba, em Niterói, e os acusados de furto de recursos federais respondem a processos quase nove anos depois. Prefeitos de Teresópolis e Nova Friburgo tiveram destino similar ao do catarinense em 2011, depois que as enchentes na Região Serrana do Rio fizeram 918 mortos. Por causa da explosão do restaurante Filé Carioca, no centro do Rio, no mesmo ano, com quatro mortes, foram denunciados criminalmente o dono e o gerente. A ação contra fiscais municipais continua em aberto.

Em 2012, 17 moradores morreram no desabamento do Edifício Liberdade, também no Rio, e os acusados de negligência foram absolvidos com a desculpa de que obras do Metrô nos anos 1970 contribuíram para a catástrofe. Em 2014, morreram 242 em incêndio na Boate Kiss em Santa Maria (RS). O caso nunca foi julgado após uma série de recursos e espera decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG) provocou 19 mortes. Até hoje ninguém foi punido. A ação penal não foi julgada e as empresas Samarco e Vale, responsáveis pelo desastre, não pagaram multas ambientais de R$ 250 milhões. Em 2017, a lancha Cavalo Marinho naufragou na Bahia de Todos os Santos, a Marinha identificou três responsáveis por negligência e imprudência e o processo não saiu da primeira instância. No ano passado, sete moradores morreram no desabamento da antiga sede da Polícia Federal perto do Largo do Paissandu, em São Paulo, e até hoje ninguém foi punido.

O ano de 2018 terminou com o incêndio do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Não houve vítimas fatais. O que foi incinerada na noite de 2 de novembro último foi a memória nacional, abandonada pelas autoridades, que deveriam zelar por ela, à gestão ruinosa, incompetente e amadorística da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), controlada por um partideco de extrema esquerda, o PSOL, sempre pronto a denunciar malfeitos de adversários, mas também incapaz de uma autocrítica, prática tão prezada pelos marxistas leninistas. O PSOL, que está reclamando do presidente Jair Bolsonaro por ele ter recordado de novo a verdade de que Adélio Bispo de Oliveira, que o esfaqueou em Juiz de Fora (MG), em 6 de setembro, foi militante do partido, omite ainda que o terrorista italiano Achile Lollo foi seu ideólogo até voltar à Itália após a prescrição de seu crime e não faz mea culpa pelo incêndio. Do patrimônio da Universidade de São Paulo (USP), o Museu da Independência do Ipiranga, com as paredes caindo aos pedaços, foi fechado à visitação pública há cinco anos. Só Deus sabe se, enfim, este ano, serão mesmo iniciadas as obras para sua restauração.

Este ano começou aziago com o arrombamento da represa com rejeitos minerais da Vale, uma das donas da barragem de Fundão, que matou o rio Doce há mais de três anos, centenas de funcionários da empresa, cujos escritórios e o restaurante foram construídos à jusante dela de forma imprudente, e transeuntes circunstanciais na rota da lama.

O presidente da mineradora, Fábio Schvartsman, produziu, desde 25 de janeiro, uma série de explicações absurdas, tal como a sirene de alerta não ter funcionado porque foi destruída pela lama seca que levou a barragem. No heroico trabalho de busca dos bombeiros mineiros, com salários atrasados desde a desastrosa administração petista do queridinho de Dilma Rousseff, Fernando Pimentel, foram encontradas duas sirenes intactas, despedaçando a desculpa amarela do atarantado executivo.

Ainda não se sabe o total dos mortos cimentados pela lama seca da barragem do Córrego do Feijão nem que ameaça representa a chegada desse material mortífero à represa de Três Marias, um dos símbolos do ufanismo dos “anos de ouro”. E daí ao São Francisco, o velho Chico, que, nos tempos em que se ministrava moral e cívica nas escolas públicas, era chamado de “o rio da unidade nacional”. Assolado por desastres naturais menores ao longo de seu curso, este inspira mais uma metáfora a causar vergonha – ufanismo ao contrário – deste país entregue a ratos e baratas.

O incêndio da madrugada de sexta-feira 8 de fevereiro de 2019. no CT de Vargem Grande no Rio assassinou os sonhos de promissores craques de um time de ponta no futebol brasileiro, que nunca justificou aulas de louvores à pátria nas escolas. Nos últimos tempos, com a descoberta dos larápios da Fifa, incentivados pelo negócio monumental que a paixão da massa patrocina no mundo inteiro, o velho esporte bretão de Garrincha e Pelé tornou-se no planeta mais uma modalidade criminosa. A prisão do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) José Maria Marin, também ex-governador de São Paulo, expõe a necessidade da aplicação de raticidas na política e no esporte. A mortandade dos meninos do Flamengo introduz a cartolagem no universo ensanguentado dos assassinos seriais que não podem ser apenados como deveriam ser, porque seus advogados togados empurrarão suas penas para calendas gregas nos mais altos tribunais de uma república em que a justiça quer dizer exatamente o oposto da que define a palavra pomposa nos dicionários. O negócio sórdido do futebol profissional vende falsidades, tais como “isso não é um clube, é uma nação”, “o Flamengo não tem ídolo, tem entidade” ou a hipérbole falsa da transformação da camisa de um mero time num “manto sagrado”.

O delírio da maior torcida de clubes brasileiros é nutrido por mentiras que pertencem apenas à memória – do gênero “craque se faz em casa”. Fazia-se no tempo em que o rubro-negro da Gávea foi campeão mundial. Hoje é apenas uma imensa roleta viciada em que dois de seus vice-presidentes foram presos na Lava Jato e os atuais compram astros dos gramados por milhões de dólares em negociatas suspeitas. Mas reservam aos craques a fazer em casa a imolação do martírio, que faz de seu sonho pesadelo e devolve à sua família a miséria da rotina, em que o talento do filho carbonizado impede também a perspectiva de fama, glória, fortuna e idolatria da massa apaixonada e iludida pela cartolagem fria e desonesta.

No Brasil, onde prostituta tem orgasmo, cafetão se apaixona e traficante fica viciado, o cidadão não poupa e a autoridade vende sua vista grossa a gananciosos da privataria, todos cegos, surdos e impunes.”

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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Sobre transplante de instituições





“Sobre transplante de instituições
        
Por Fernão Lara Mesquita

Um dos instrumentos que o ministro Moro quer incorporar ao seu pacote de segurança publica é a “negociação de culpabilidade” (plea bargain) dos americanos, em que o réu abre mão de declarar-se inocente e forçar o Estado a processá-lo e declara-se culpado em troca de uma redução da pena. Esse dispositivo reduziu em até 90% os processos por crimes menores nos Estados Unidos.

Nem sempre, porém a transposição de dispositivos de lá para cá dá resultado. Em geral, importa-se só metade da receita e então os sinais se invertem. O desastre master chef da modalidade é o de replicar uma Suprema Corte encarregada de examinar a conformidade das leis e ações dos governos e cidadãos com os 7 artigos e 28 emendas da Constituição deles e depois escrever uma Constituição com 250 artigos, 104 dispositivos transitórios e 99 emendas. Mas peças bem mais prosaicas também produzem resultados controvertidos. As delações premiadas, por exemplo. Elas puseram altos criminosos de colarinho branco ao alcance da Justiça pela primeira vez em nossa História, mas logo passaram a ser instrumentalizadas em disputas da privilegiatura pelo controle do “sistema”.

Toda lei é uma faca de dois gumes. Quanto mais forte e pesada a pena, mais valiosa será a isenção e, portanto, mais poder de corromper o aplicador da lei ela terá. O caso mais emblemático foi aquele tramado entre a Procuradoria-Geral da República sob Rodrigo Janot e os irmãos “ésleys”, da JBS, em que procuradores atuaram a soldo dos bandidos e houve outras estripulias grosseiras que resultaram em que a reforma da Previdência fosse abortada, o País fosse condenando a mais dois anos de paralisia e os agentes das falcatruas nacionais e internacionais do PT que provariam que Petrobrás, Odebrecht e Cia. foram coisa de criança saíssem livres, leves e soltos. É com esse retrospecto em foco que já se instalou o debate sobre como evitar que a “negociação de culpabilidade”, em vez de apenas acelerar a justiça, que é sinônimo de fazer justiça, não se vá transformar em mais um elemento de comércio de impunidade.

Outros pontos do pacote de Moro e das propostas pregressas do Ministério Público são passíveis do mesmo tipo de consideração. A pergunta que interessa, portanto, é: por que, exatamente, instrumentos idênticos funcionam perfeitamente lá, mas não aqui?

Não, não é “porque os brasileiros são mais corruptos que os outros”. O problema é muito mais objetivo que isso. A questão-chave é a definição de quem terá o poder de aplicar essas leis, e como. Enquanto forem o Estado e seus agentes os únicos autorizados a decidir o que deve ou não ser investigado no Estado e em seus agentes, não tiraremos o pé da lama. O que mais falta não são mais leis e agentes do Estado pouco interessados em “combater a corrupção”, mas sim controle direto do eleitorado sobre o Estado e seus agentes pela simples razão de que só os roubados têm razões objetivas diretas para exercer essa tarefa sem se deixar corromper. Eles e somente eles, condicionados pela obrigação de obter consenso, devem ter o poder de decidir como devem começar e como devem acabar os processos contra os seus políticos e funcionários corruptos ou relapsos.

É esse vetor primário de forças positivo que garante que o sistema americano opere sempre na boa direção ou, na pior hipótese, tenha o seu rumo corrigido de qualquer desvio eventual. Como têm a prerrogativa de retomar mandatos, vetar leis, propor e aprovar as suas próprias a qualquer momento e decidir a cada quatro anos quais juízes permanecem ou não com o poder de julgar os outros, os eleitores americanos estão dispensados de pedir vênia a quem quer que seja para mandar os seus corruptos se haver com a Justiça, emendar sentenças ou ir aperfeiçoando as suas instituições na exata medida da necessidade. Vivem num estado de reforma permanente, obra coletiva na qual cabe aos agentes do Estado apenas dar o acabamento técnico ao que o povo decide.

Em meio aos milhares de “special elections” de 2018 para cassações de políticos e funcionários, vetos ou aprovações de leis, recusa de aumentos de impostos, etc., dois casos afetando o Judiciário chamaram especial atenção. No primeiro, toda a Suprema Corte do Estado de West Virginia (equivalente aos nossos TJs) sofreu recall porque seus seis integrantes ou gastaram dinheiro em reformas dos seus gabinetes consideradas abusivas (troco comparado aos números da corrupção brasileira), ou foram flagrados usando verbas de combustível em viagens de interesse pessoal. No segundo, o juiz Aaron Persky, membro da Suprema Corte do Estado da Califórnia, sofreu recall por ter condenado a apenas seis meses de prisão um estudante de Stanford que estuprou uma colega enquanto estava desmaiada. Um por falta, os outros por excesso, lá interveio o povo para educar e calibrar a máquina pública e a Justiça às suas necessidades e conveniências.

A montanha de entulho institucional que tem mantido o Brasil paralisado foi acumulada pela falta de qualquer controle exterior ao âmbito do Estado sobre o Estado e seus agentes. E não poderá ser desmontada com reformas pontuais propostas por eles para eles mesmos. Para isso será necessário concentrar todas as energias da cidadania em exigir os instrumentos necessários para impor ela própria a sua vontade aos seus representantes e servidores, o que começa pela adoção de eleições distritais puras, as únicas que permitem identificar quem representa quem e, assim, definir quem tem o direito de demitir quem numa “democracia representativa”.

Ainda que comecemos por fazer isso só no âmbito municipal, não haverá mais reversão. O uso dessa arma vicia e o País, reconciliado com a democracia, ganhará a condição de ir desconstruindo peça por peça o monturo legislativo no qual está aprisionado na velocidade que convier a cada segmento da sua população, pois, não importa a partir de onde nem em qual velocidade, a felicidade para uma sociedade consiste apenas em poder andar sempre para a frente e com as próprias pernas.”

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