Em manutenção!!!

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Avaliação da A GAZETA DIGITAL



Por Zé Carlos

Faz um mês, lançamos um Jornal de Bom Conselho, chamado ás vezes de Blog, outras de BlogJornal, outras ainda de JornalBlog, ou AGD, a que chamamos A GAZETA DIGITAL. Começou, junto com ele, uma enquete, que pedia para avaliar nosso empreendimento. Durante estes últimos 30 dias, 53 internautas, não sabemos a procedência, deixaram de curtir suas viagens e festas de final de ano por alguns segundos, para nos darem seus conceitos entre o Excelente e o Péssimo, passando pelo Bom, Regular e Ruim.

Tivemos a grata satisfação de ver o resultado, para nós inesperado, porque consideramos a AGD ainda numa fase de testes, tentando encontrar o caminho para servir melhor a sociedade de Bom Conselho, em termos de informação e cultura, em todos os seus aspectos. Sem querer fazer comparações descabidas, mas aproveitando a maré de despedido de um governo, podemos dizer que fomos mais bem avaliados do que o Governo Lula. Tivemos mais de 92% de avaliação positiva (Excelente, Bom e Regular), e mais de 60% de votantes que acharam o Blog excelente. Se contarmos que no mesmo período mais de 3000 páginas foram lidas, ficamos até orgulhosos do nosso empreendimento.

Ora, dirão os céticos, mas 4 pessoas disseram que a AGD é ruim ou péssima. Claro que sentimos por estes votos com avaliação negativa, e humildemente pedimos as sugestões destas 4 pessoas, para melhorarmos ainda mais o nosso trabalho. Não diremos que estas 4 pessoas representariam as “elites”, na qual, nossa colega Lucinha Peixoto se inclui, formada pelos 4% que acham o governo Lula ruim ou péssimo. No nosso caso, elite é quem tem uma conexão de internet e que se dispões a avaliar, através dela, alguns fatos. Não há povão em nosso universo eleitoral.

Temos clara consciência da influência que estas enquetes, pesquisas, levantamentos, etc. tem sobre a população específica, e a elas devemos dar o devido valor, sem subterfúgios. Os 92% de positivo no nosso caso, ou os 87%, do Lula como o percentual, encontrado em outras enquetes, da Prefeita Judith, tem que ser interpretados da forma adequada. Para nós o que importa é o número de votantes: 52 computadores. Se pensarmos que ao redor de cada um deles está uma família média de 5 pessoas que discutiram longamente o voto dado por esta máquina, já temos aí, mais de 250 pessoas deram sua opinião. Se cada uma destas 250 pessoas falou sobre o Blog com mais 5 pessoas, trocando e-mails, na Praça Pedro II, no Clube dos 30, na AABB, no cafezinho doe Luis Clério, etc. poderemos ter uns 1000 votantes, que já seriam suficientes para eleger nossa colega Lucinha Peixoto para vereadora. Isto, para um empreendimento voltado para Bom Conselho, onde até poucos meses atrás, falar em internet era até um pecado ou um palavrão, passível de punição religiosa, é o bastante para continuarmos o nosso trabalho.

Temos consciência de que, grande parte dos que nos acessam são bom-conselhenses de fora, mesmo assim, quando de nossa última visita à terrinha já vimos, que por lá, já se mexe muito com os teclados e mouses. Devemos isto também á aparição de outros blogs, que não citaremos um por um, para que algum esquecimento não faça injustiças, mas diremos com todas as letras que sentimos apenas pelos que não vingaram como o Banco da Praça, escrito pelo Seu Virgílio (Será que ele morreu?). Todos que ficaram dão sua contribuição, e pelo menos um dos lemas da CIT estamos seguindo: “Bom Conselho é a causa.”

Com o resultado ao lado, estamos dispostos a fazer outra enquetes, que só não falem apenas de nós mesmos, mas de todos os assuntos. Aceitamos sugestões. O bom-conselhense é um cidadão do mundo. Aqueles que ainda assim não se consideram, porque pensam que computador morde, e internet é uma cobra venenosa, devem ser a meta de todos os nossos meios de comunicação, escrita, falada, televisionada, “internetada” e blogalizada.

Queremos também aproveitar para agradecer àqueles Blogs que nos "linkaram" e contribuíram tanto para o nosso sucesso quanto para a disseminação da informação de nossa região.

Um Feliz Ano Novo e obrigado a todos.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

FREI CAETANO DE MESSINA


Frei Caetano de Messina

Por Expedito Guedes

NASCEU EM TERRA DISTANTE
A SUA ITÁLIA QUERIDA
FOI O BERÇO DE SUA VIDA
UM MARCO MUITO IMPORTANTE
CAPUCHINHO PRINCIPIANTE
FOI O QUE ELE ABRAÇOU
DEPOIS QUE SE CONSAGROU
NA ORDEM DOS CAPUCHINHOS
SEGUIU POR VÁRIOS CAMINHOS
EM PAPACAÇA CHEGOU

DEIXOU UM MARCO PLANTADO
EM TODO LUGAR QUE PASSOU
MUITOS CRUZEIROS LEVANTOU
EM TEMPLOS CONDECORADO
PAPACAÇA FOI CONSAGRADO
COM NOSSA SENHORA DO BOM CONSELHO
O NOME DO COLÉGIO REFLETIU COMO ESPELHO
O REFLEXO FOI DE AÇÃO E GRAÇA
O QUE TINHA O NOME DE PAPACAÇA
MUDOU PARA O DE BOM CONSELHO

AMIGO E CARIDOSO
SEMPRE LUTOU PELA PAZ
FEZ TUDO O QUANTO FEZ
UM CORAÇÃO AMOROSO
FORTE, ALTIVO E CORAJOSO
CUMPRIU COM A SUA SINA
COMO A VIDA ENSINA
ASSIM COMO A VIDA É
DESTAS BATALHAS DA FÉ
FREI CAETANO DE MESSINA


26 DE ABRIL DE 2OO2

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

EM BOM CONSELHO - III - FALANDO COM ZÉ TENÓRIO



Alexandre Martins, Paula Franssinete e Dr. José Tenório
Por Zé Carlos

Continuo o “descrevimento” de minhas andanças pela “cidade do parque” nossa Bom Conselho. Fui várias vezes ao centro, tentar sobreviver ao monte de ferro que jaz em nossa Praça Pedro II, pelo desejo do povo.

Numa destas passagens por lá, olhei em direção à praça do coreto, e senti meus dentes tremerem, quando olhei para o consultório do Dr. José Tenório. Uma viagem antes desta já o havia encontrado, quando fui pela primeira vez ao cafezinho do Luis Clério. Desde lá, o lembrei , que tinha o privilégio de, ainda hoje, ostentar em minha boca, uma obturação feita por ele. Talvez ela deva ser colocada num livro de records qualquer, como a obturação mais velha, em funcionamento, do planeta. Isto dar uma ideia do profissional sério e zeloso que o Zé  (eu ia dizendo Oião, mas, Luis Clério diz que ele fica brabo quando é assim tratado) Tenório.

Por afinidades geográficas e parentescas (uma irmã minha é casada com um irmão dele, outro oião), sempre que nos encontramos colocamos conversa fora. E desta vez não foi diferente. Quando o vi sentado lá na sua mesa, e me dirigi até lá. Começou logo dizendo que o Fernando (o outro oião) havia lhe dito que conversara comigo pelo telefone. Isto foi verdade. Trocamos, depois de um longo e tenebroso inverno, algumas palavras, das quais tive o prazer de constatar sua felicidade com a vida, tanto dele como de minha irmã, passando pelas peripécias amorosas do sobrinho Carlos Vítor.

Logo em seguida ele, o Zé, começou a me contar sobre a festa de minha outra sobrinha, a Nayara, que já é um médica, e se puxar á família, deverá ser uma excelente médica, pela sua Inteligência. Contou-me detalhes sobre a festa, e sentiu a minha ausência. Eu também senti. Mas, deu fez a terra grande para possibilitar que as pessoas também se distanciem, até morrerem e se encontrarem no mesmo lugar.

Segundo ele, a festa movimentou desde o Pelourinho até o Farol da Barra, com direito à Timbalada, enquanto Carlinhos Brow recitava odes à bahianidade. Seja de que tamanho tenha sido a festa, a Nayara merece.

Como não poderia deixar de ser embicamos para a Política. E Zé começou a falar dos feitos de Lula. Aqueles olhinhos, pequenininhos, brilhavam, quando pronunciava estas quatro letrinhas mágicas. Contou causos de encontros com o Lula em solenidades políticas e descreveu sua garra e coragem no enfrentamento dos problemas brasileiros. Certa hora declarou: O cara pagou até a dívida externa!!! Eu, diante das minhas poucas pretensões e conhecimentos políticos ainda caí na besteira de dizer que ainda existia algum resto a pagar, deixado para o futuro governo, e outras coisas que de vez em quando leio.

Entretanto, cheguei à conclusão clara e insofismável da popularidade de Lula. E não discuti muito, pois, se política quisesse eu discutir diria que o Zé Tenório é um dos grandes políticos da terra. Bom orador,  inteligente, conhecido, maçom, correligionário da prefeita,  do governador e da presidente eleita, para fazer jus ao olho que tem, deve estar sonhando alto. Da minha parte, onde ele for parar, politicamente, sempre terá em mim um amigo, que não vota em Bom Conselho, mas, presta uma atenção!!!

Quase não conseguia sair deste papo bom e amigo, diante das estórias que ambos tínhamos a relembrar. Só consegui sair quando contei a história, que soube, que agora as pessoas já não tem mais a imagem do Padre Cícero na estante da sala. Agora a nova moda é um boneco do Lula, tendo aos seus pés uma bolsa grande, com as iniciais BF, que representa a redenção da pobreza, o seu milagre maior. O Zé arregalou aqueles olhos e perguntou: É mesmo, raaaaaapaz!?!?

Enquanto ele concluía a pergunta, eu me escafedi à procura de mais fatos para contar para vocês.

(*) Encontrei a foto que encabeça este texto no Blog do Poeta, que diz ser de uma festa em Terezinha. Poderia chamá-la de a bela e as feras. Mas, eu pergunto, olhem nos olhos de Zé Tenório, e respondam: "Tou certo? Ou tou errado?"

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

VIVÊNCIAS EM PAPACAÇA


Vista parcial do Parque em Bom Conselho

Por Roberto Lira

Amiga Lucinha, o Natal já foi, agora é Feliz Ano Novo.

Voltei ontem da nossa Papacaça,onde fui passar o Natal com minha querida mãe. Para não passar em branco a oportunidade de lhe relatar o que vi e vivi nesses dias na terrinha, vou comentar apenas duas ou três coisinhas que chamaram minha atenção.

Primeiramente, a semelhança da “organização” do trânsito no centro de Bom Conselho com aquele que observávamos na cidade onde vivia Opash e família em “Caminho das Índias”. Penso que é mais fácil um retirante de Papacaça recém chegado a São Paulo escapar com vida ao tentar atravessar a Avenida Paulista, fora da faixa de pedestre, do que qualquer papacaceiro que vive alhures da terrinha (também um retirante, mas das antigas) escapar ileso ao  atravessar algum trecho no centro de nossa promissora Bom Conselho. Especialmente em dia de feira. Se não cheguei a suar frio tentando a façanha, cheguei à conclusão de que os que reivindicam semáforos na terrinha, infelizmente, têm razão.

  Segundamente, o “Parque de Diversão” instalado em volta da Praça da Matriz não me escandalizou como ao Zé Carlos, talvez por já estar advertido por este. Mas como gato escaldado tem medo de água fria, não deixei meus netinhos passar perto dos ditos “navios vikings”. Conversando com um amigo das antigas que mora em
frente à praça, cheguei à conclusão de que a inspeção do Corpo de Bombeiros passou longe daquele “Parque”. Cuidei de salvaguardar a integridade deles, deixando-os o mais longe possível dos ditos “brinquedos”. Não podia ser muito longe porque ficamos na casa de minha mãe que mora ao lado da Igreja Matriz.
  
Terceiramente, pensei que meus netos estavam a salvo em frente a casa da minha mãe, mantendo certa distância dos  brinquedos”, ledo engano. Ali onde estávamos (numa área na parte da frente da casa) era onde morava o perigo. Foi só começar as celebrações do Padre Nelson para dar início a um tremendo foguetório onde os foguetes explodiam pertinho de nós. As orientações do Corpo de Bombeiro para que: “No momento de acender o foguete, a pessoa procure um lugar aberto, limpo e longe da fiação elétrica. O foguete deve, ainda, ser direcionado para cima, longe da casa dos vizinhos”, passou longe de ser observado pelo fogueteiro de Padre Nelson. Meus netinhos, com quatro e cinco anos, estão tremendo até agora com medo do foguetório.  Fiquei pensando quais riscos teriam sido menores: passar o Natal ao lado da Igreja Matriz de Bom Conselho ou ao lado da Igreja da Penha, no Morro do Alemão, quando os traficantes ainda estavam guerreando por lá. Com certeza, se o Natal fosse este último, no Morro do Alemão, agora pacificado, os riscos seriam menores. Para finalizar esse (in)Feliz Natal, ainda bem que os netinhos foram dormir no Hotel Raízes e não tiveram que acordar assustados com o foguetório seguinte, durante as celebrações da missa do “galo”. Sobrou pra mim que não durmo com os galos, mas tento dormir com as galinhas, dessa vez não deu. Acordado fiquei pensando nas suas recomendações de procurar o Padre Nelson para me confessar, preferi apresentar os meus erros diretamente para Deus e aproveitei o momento e dedurei a Ele a falta de discernimento do Padre nas ações do seu (dele) “Mané Fogueteiro”.

Fuuuiii, ou melhor, to indo para Berlândia.

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(*) Recebemos este e-mail repassado por Lucinha Peixoto, com o pedido para ser publicado aqui, pois no Blog da CIT, todos, inclusive ela, já estão se preparando para a posse da Dilma. Ela diz que depois ainda tem o que escrever sobre os sinais de trânsito, mas agora, Gramado não deixa. (Zé Carlos).

domingo, 26 de dezembro de 2010

Caruaru e o Natal de Barro


Por Zé Carlos

Interrompo a série sobre minha viagem a Bom Conselho, para falar de outra cidade: Caruaru. Ela pertence ao mesmo agreste da nossa cidade. E assim como Bom Conselho vive perdida entre o início e o fim do Estado de Pernambuco. Nem somos nem de lá como Petrolina nem de cá como o Recife. Estamos no meio. Geopoliticamente, o meio é sempre mais difícil. O poder sempre começou pelas bordas no Brasil e em muitos outros países, principalmente os colonizados, desde o renascimento.

Os que tomaram posse, começaram como caranguejos pelo litoral, fincaram seus brasões e suas armas, para depois começar a exploração mais para dentro deste mundão, que é o Brasil. Pelo menos nisto Caruaru se parece com Bom Conselho. Embora existam outras semelhanças, aqui não a mencionaremos, deixando para o leitor mais conhecedor de ambas as cidades o exercício da imaginação.

Meu relacionamento com Caruaru foi sempre uma passagem para o Recife. Desde que íamos na estrada de terra até São Caetano, quando fiz minha primeira visita à capital pernambucana. O ônibus passava bem pelo meio da cidade. Não lembro muito como ela era. Apenas pressentia que ela já era muito maior do que a cidade de onde saímos. E a primeira lembrança que me vinha à mente, quando pensava na cidade era sua Banda de Pífanos. Não se falava ainda sobre o Vitalino, o Mestre do Barro.

Igual a Luis Gonzaga, que no passado não tão distante era considerado um músico voltado para os “caipiras” e “bahianos”, pelos nossos cultos críticos de arte, talvez, o Mestre Vitalino estivesse escondido neste poço imenso de beleza, que é a cultura popular, e que um dia, como o teatro, a ópera, o jazz, já foi motivo de chacota para quem não tem sensibilidade para reconhecê-la de pronto.

Hoje quando entramos em Caruaru e visitamos alguns dos seus pontos turísticos, não é só sua feira, cantada em prosa e belos versos, que define esta cidade. Basta prestar atenção para descobrir que aquilo que unifica culturalmente esta cidade é o barro. O mesmo barro de que Deus fez o homem, hoje é usado por este para recriar a cidade. Não se pode imaginar um só recanto neste aprazível e buliçoso lugar sem uma escultura de barro que lembre a arte maior do Mestre Vitalino.

Nos restaurantes, nas praças, nos shoppings centers, nas ruas, temos sempre o prazer de ver, o que vi tanto na minha infância na feira de Bom Conselho: Bois, cavalos, cachorros, homens de todos os tipos, com uma característica comum, o barro neles duro e pintado de mil e uma formas. Também fiz meus trabalhos para a cadeira de D. Eunice Silvestre (Trabalhos Manuais), usando o barro muitas vezes, produzindo aquelas horrendas criaturas que eu chamava de bois. Mas, hoje, só em Caruaru o barro venceu. Parece que tudo é barro. Até nos engarrafamentos monumentais causados pelo ritmo frenético de “desenvolvimento”, dar para nos imaginar, estáticos, de barro dentro dos nossos carros de barros.

Neste Natal passeei com o meu neto, que lá mora. Fui a um presépio, da mesma forma que fui um pouco antes na Matriz de Bom Conselho. Qual a diferença entre os dois? O de Caruaru era feito de barro, e para mostrar o barro. O de nossa cidade até poderia ter algumas das figuras de barro, mas a tendência era escondê-lo. Ninguém está certo nem está errado, nem um é mais bonito, nem mais feio. O que os distinguem são os fatos culturais por trás da lapinha. Uma é de barro e a outra não é.

Nos últimos tempos fiquei admirando Caruaru, não só porque o meu neto mora lá, mas porque seu povo está sabendo aproveitar sua cultura do barro para se impor diante da massificação informativa. A cidade só tem a ganhar se além de um Natal de Barro, tiver um São João de Barro, e um ano inteiro de barro, para mostrar Caruaru como a Cidade de Barro.

Fiz um filmezinho da lapinha de barro que mostro abaixo para vocês. Outro dia conto sobre o que vi em Bom Conselho.

sábado, 25 de dezembro de 2010

PAI CONTRA MÃE



Por Machado de Assis

A ESCRAVIDÃO levou consigo ofícios e aparelhos, como terá sucedido a outras instituições sociais. Não cito alguns aparelhos senão por se ligarem a certo ofício. Um deles era o ferro ao pescoço, outro o ferro ao pé; havia também a máscara de folha-de -flandres. A máscara fazia perder o vício da embriaguez aos escravos, por lhes tapar a boca. Tinha só três buracos, dois para ver, um para respirar, e era fechada atrás da cabeça por um cadeado. Com o vício de beber perdiam a tentação de furtar, porque geralmente era dos vinténs do senhor que eles tiravam com que matar a sede, e aí ficavam dois pecados extintos, e a sobriedade e a honestidade certas. Era grotesca tal máscara, mas a ordem social e humana nem sempre se alcança sem o grotesco, e alguma vez o cruel. Os funileiros as tinham penduradas, à venda, na porta das lojas. Mas não cuidemos de máscaras.

O ferro ao pescoço era aplicado aos escravos fujões. Imaginai uma coleira grossa, com a haste grossa também à direita ou à esquerda, até ao alto da cabeça e fechada atrás com chave. Pesava, naturalmente, mas era menos castigo que sinal. Escravo que fugia assim, onde quer que andasse, mostrava um reincidente, e com pouco era pegado.

Há meio século, os escravos fugiam com frequência. Eram muitos, e nem todos gostavam da escravidão. Sucedia ocasionalmente apanharem pancada, e nem todos gostavam de apanhar pancada. Grande parte era apenas repreendida; havia alguém de casa que servia de padrinho, e o mesmo dono não era mau; além disso, o sentimento da propriedade moderava a ação, porque dinheiro também dói. A fuga repetia-se, entretanto. Casos houve, ainda que raros, em que o escravo de contrabando, apenas comprado no Valongo, deitava a correr, sem conhecer as ruas da cidade. Dos que seguiam para casa, não raro, apenas ladinos, pediam ao senhor que lhes marcasse aluguel, e iam ganhá-lo fora, quitandando.

Quem perdia um escravo por fuga dava algum dinheiro a quem lho levasse. Punha anúncios nas folhas públicas, com os sinais do fugido, o nome, a roupa, o defeito físico, se o tinha, o bairro por onde andava e a quantia de gratificação. Quando não vinha a quantia, vinha promessa: "gratificar-se-á generosamente", -- ou "receberá uma boa gratificação". Muita vez o anúncio trazia em cima ou ao lado uma vinheta, figura de preto, descalço, correndo, vara ao ombro, e na ponta uma trouxa. Protestava-se com todo o rigor da lei contra quem o acoitasse.

Ora, pegar escravos fugidios era um ofício do tempo. Não seria nobre, mas por ser instrumento da força com que se mantêm a lei e a propriedade, trazia esta outra nobreza implícita das ações reivindicadoras. Ninguém se metia em tal ofício por desfastio ou estudo; a pobreza, a necessidade de uma achega, a inaptidão para outros trabalhos, o acaso, e alguma vez o gosto de servir também, ainda que por outra via, davam o impulso ao homem que se sentia bastante rijo para pôr ordem à desordem.

Cândido Neves, -- em família, Candinho,-- é a pessoa a quem se liga a história de uma fuga, cedeu à pobreza, quando adquiriu o ofício de pegar escravos fugidos. Tinha um defeito grave esse homem, não agüentava emprego nem ofício, carecia de estabilidade; é o que ele chamava caiporismo. Começou por querer aprender tipografia, mas viu cedo que era preciso algum tempo para compor bem, e ainda assim talvez não ganhasse o bastante; foi o que ele disse a si mesmo. O comércio chamou-lhe a atenção, era carreira boa. Com algum esforço entrou de caixeiro para um armarinho. A obrigação, porém, de atender e servir a todos feria-o na corda do orgulho, e ao cabo de cinco ou seis semanas estava na rua por sua vontade. Fiel de cartório, contínuo de uma repartição anexa ao Ministério do Império, carteiro e outros empregos foram deixados pouco depois de obtidos.

Quando veio a paixão da moça Clara, não tinha ele mais que dívidas, ainda que poucas, porque morava com um primo, entalhador de ofício. Depois de várias tentativas para obter emprego, resolveu adotar o ofício do primo, de que aliás já tomara algumas lições. Não lhe custou apanhar outras, mas, querendo aprender depressa, aprendeu mal. Não fazia obras finas nem complicadas, apenas garras para sofás e relevos comuns para cadeiras. Queria ter em que trabalhar quando casasse, e o casamento não se demorou muito.

Contava trinta anos. Clara vinte e dois. Ela era órfã, morava com uma tia, Mônica, e cosia com ela. Não cosia tanto que não namorasse o seu pouco, mas os namorados apenas queriam matar o tempo; não tinham outro empenho. Passavam às tardes, olhavam muito para ela, ela para eles, até que a noite a fazia recolher para a costura. O que ela notava é que nenhum deles lhe deixava saudades nem lhe acendia desejos. Talvez nem soubesse o nome de muitos. Queria casar, naturalmente. Era, como lhe dizia a tia, um pescar de caniço, a ver se o peixe pegava, mas o peixe passava de longe; algum que parasse, era só para andar à roda da isca, mirá-la, cheirá-la, deixá-la e ir a outras.

O amor traz sobrescritos. Quando a moça viu Cândido Neves, sentiu que era este o possível marido, o marido verdadeiro e único. O encontro deu-se em um baile; tal foi-- para lembrar o primeiro ofício do namorado, -- tal foi a página inicial daquele livro, que tinha de sair mal composto e pior brochado. O casamento fez-se onze meses depois, e foi a mais bela festa das relações dos noivos. Amigas de Clara, menos por amizade que por inveja, tentaram arredá-la do passo que ia dar. Não negavam a gentileza do noivo, nem o amor que lhe tinha, nem ainda algumas virtudes; diziam que era dado em demasia a patuscadas.

--Pois ainda bem, replicava a noiva; ao menos, não caso com defunto.

--Não, defunto não; mas é que...

Não diziam o que era. Tia Mônica, depois do casamento, na casa pobre onde eles se foram abrigar, falou-lhes uma vez nos filhos possíveis. Eles queriam um, um só, embora viesse agravar a necessidade.

--Vocês, se tiverem um filho, morrem de fome, disse a tia à sobrinha.

--Nossa Senhora nos dará de comer, acudiu Clara. Tia Mônica devia ter-lhes feito a advertência, ou ameaça, quando ele lhe foi pedir a mão da moça; mas também ela era amiga de patuscadas, e o casamento seria uma festa, como foi.

A alegria era comum aos três. O casal ria a propósito de tudo. Os mesmos nomes eram objeto de trocados, Clara, Neves, Cândido; não davam que comer, mas davam que rir, e o riso digeria-se sem esforço.

Ela cosia agora mais, ele saía a empreitadas de uma coisa e outra; não tinha emprego certo.

Nem por isso abriam mão do filho. O filho é que, não sabendo daquele desejo específico, deixava-se estar escondido na eternidade. Um dia. porém, deu sinal de si a criança; varão ou fêmea, era o fruto abençoado que viria trazer ao casal a suspirada ventura. Tia Mônica ficou desorientada, Cândido e Clara riram dos seus sustos.

--Deus nos há de ajudar, titia, insistia a futura mãe.

A notícia correu de vizinha a vizinha. Não houve mais que espreitar a aurora do dia grande. A esposa trabalhava agora com mais vontade, e assim era preciso, uma vez que, além das costuras pagas, tinha de ir fazendo com retalhos o enxoval da criança. À força de pensar nela, vivia já com ela, media-lhe fraldas, cosia-lhe camisas. A porção era escassa, os intervalos longos. Tia Mônica ajudava, é certo, ainda que de má vontade.

--Vocês verão a triste vida, suspirava ela.

--Mas as outras crianças não nascem também? perguntou Clara.

--Nascem, e acham sempre alguma coisa certa que comer, ainda que pouco...

--Certa como?

--Certa, um emprego, um ofício, uma ocupação, mas em que é que o pai dessa infeliz criatura que aí vem gasta o tempo? Cândido Neves, logo que soube daquela advertência, foi ter com a tia, não áspero mas muito menos manso que de costume, e lhe perguntou se já algum dia deixara de comer.

--A senhora ainda não jejuou senão pela semana santa, e isso mesmo quando não quer jantar comigo. Nunca deixamos de ter o nosso bacalhau...

--Bem sei, mas somos três.

-- Seremos quatro.

--Não é a mesma coisa.

-- Que quer então que eu faça, além do que faço?

-- Alguma coisa mais certa. Veja o marceneiro da esquina, o homem do armarinho, o tipógrafo que casou sábado, todos têm um emprego certo... Não fique zangado; não digo que você seja vadio, mas a ocupação que escolheu é vaga. Você passa semanas sem vintém.

-- Sim, mas lá vem uma noite que compensa tudo, até de sobra. Deus não me abandona, e preto fugido sabe que comigo não brinca; quase nenhum resiste, muitos entregam-se logo.

Tinha glória nisto, falava da esperança como de capital seguro. Daí a pouco ria, e fazia rir à tia, que era naturalmente alegre, e previa uma patuscada no batizado.

Cândido Neves perdera já o ofício de entalhador, como abrira mão de outros muitos, melhores ou piores. Pegar escravos fugidos trouxe-lhe um encanto novo. Não obrigava a estar longas horas sentado. Só exigia força, olho vivo, paciência, coragem e um pedaço de corda. Cândido Neves lia os anúncios, copiava-os, metia-os no bolso e saía às pesquisas. Tinha boa memória. Fixados os sinais e os costumes de um escravo fugido, gastava pouco tempo em achá-lo, segurá-lo, amarrá-lo e levá-lo. A força era muita, a agilidade também. Mais de uma vez, a uma esquina, conversando de coisas remotas, via passar um escravo como os outros, e descobria logo que ia fugido, quem era, o nome, o dono, a casa deste e a gratificação; interrompia a conversa e ia atrás do vicioso. Não o apanhava logo, espreitava lugar azado, e de um salto tinha a gratificação nas mãos. Nem sempre saía sem sangue, as unhas e os dentes do outro trabalhavam, mas geralmente ele os vencia sem o menor arranhão.

Um dia os lucros entraram a escassear. Os escravos fugidos não vinham já, como dantes, meter-se nas mãos de Cândido Neves. Havia mãos novas e hábeis. Como o negócio crescesse, mais de um desempregado pegou em si e numa corda, foi aos jornais, copiou anúncios e deitou-se à caçada. No próprio bairro havia mais de um competidor. Quer dizer que as dívidas de Cândido Neves começaram de subir, sem aqueles pagamentos prontos ou quase prontos dos primeiros tempos. A vida fez-se difícil e dura. Comia-se fiado e mal; comia-se tarde. O senhorio mandava pelo aluguéis.

Clara não tinha sequer tempo de remendar a roupa ao marido, tanta era a necessidade de coser para fora. Tia Mônica ajudava a sobrinha, naturalmente. Quando ele chegava à tarde, via-se-lhe pela cara que não trazia vintém. Jantava e saía outra vez, à cata de algum fugido. Já lhe sucedia, ainda que raro, enganar-se de pessoa, e pegar em escravo fiel que ia a serviço de seu senhor; tal era a cegueira da necessidade. Certa vez capturou um preto livre; desfez-se em desculpas, mas recebeu grande soma de murros que lhe deram os parentes do homem.

--É o que lhe faltava! exclamou a tia Mônica, ao vê-lo entrar, e depois de ouvir narrar o equívoco e suas conseqüências. Deixe-se disso, Candinho; procure outra vida, outro emprego.

Cândido quisera efetivamente fazer outra coisa, não pela razão do conselho, mas por simples gosto de trocar de ofício; seria um modo de mudar de pele ou de pessoa. O pior é que não achava à mão negócio que aprendesse depressa.

A natureza ia andando, o feto crescia, até fazer-se pesado à mãe, antes de nascer. Chegou o oitavo mês, mês de angústias e necessidades, menos ainda que o nono, cuja narração dispenso também. Melhor é dizer somente os seus efeitos. Não podiam ser mais amargos.

--Não, tia Mônica! bradou Candinho, recusando um conselho que me custa escrever, quanto mais ao pai ouvi-lo. Isso nunca!

Foi na última semana do derradeiro mês que a tia Mônica deu ao casal o conselho de levar a criança que nascesse à Roda dos enjeitados. Em verdade, não podia haver palavra mais dura de tolerar a dois jovens pais que espreitavam a criança, para beijá-la, guardá-la, vê-la rir, crescer, engordar, pular... Enjeitar quê? enjeitar como? Candinho arregalou os olhos para a tia, e acabou dando um murro na mesa de jantar. A mesa, que era velha e desconjuntada, esteve quase a se desfazer inteiramente. Clara interveio.

-- Titia não fala por mal, Candinho.

--Por mal? replicou tia Mônica. Por mal ou por bem, seja o que for, digo que é o melhor que vocês podem fazer. Vocês devem tudo; a carne e o feijão vão faltando. Se não aparecer algum dinheiro, como é que a família há de aumentar? E depois, há tempo; mais tarde, quando o senhor tiver a vida mais segura, os filhos que vierem serão recebidos com o mesmo cuidado que este ou maior. Este será bem criado, sem lhe faltar nada. Pois então a Roda é alguma praia ou monturo? Lá não se mata ninguém, ninguém morre à toa, enquanto que aqui é certo morrer, se viver à míngua. Enfim...

Tia Mônica terminou a frase com um gesto de ombros, deu as costas e foi meter-se na alcova. Tinha já insinuado aquela solução, mas era a primeira vez que o fazia com tal franqueza e calor,-- crueldade, se preferes. Clara estendeu a mão ao marido, como a amparar-lhe o ânimo; Cândido Neves fez uma careta, e chamou maluca à tia, em voz baixa. A ternura dos dois foi interrompida por alguém que batia à porta da rua.

--Quem é? perguntou o marido.

--Sou eu.

Era o dono da casa, credor de três meses de aluguel, que vinha em pessoa ameaçar o inquilino. Este quis que ele entrasse.

--Não é preciso...

--Faça favor.

O credor entrou e recusou sentar-se, deitou os olhos à mobília para ver se daria algo à penhora; achou que pouco. Vinha receber os aluguéis vencidos, não podia esperar mais; se dentro de cinco dias não fosse pago, pô-lo-ia na rua. Não havia trabalhado para regalo dos outros. Ao vê-lo, ninguém diria que era proprietário; mas a palavra supria o que faltava ao gesto, e o pobre Cândido Neves preferiu calar a retorquir. Fez uma inclinação de promessa e súplica ao mesmo tempo. O dono da casa não cedeu mais.

--Cinco dias ou rua! repetiu, metendo a mão no ferrolho da porta e saindo.

Candinho saiu por outro lado. Nesses lances não chegava nunca ao desespero, contava com algum empréstimo, não sabia como nem onde, mas contava. Demais, recorreu aos anúncios. Achou vários, alguns já velhos, mas em vão os buscava desde muito. Gastou algumas horas sem proveito, e tornou para casa. Ao fim de quatro dias, não achou recursos; lançou mão de empenhos, foi a pessoas amigas do proprietário, não alcançando mais que a ordem de mudança.

A situação era aguda. Não achavam casa, nem contavam com pessoa que lhes emprestasse alguma; era ir para a rua. Não contavam com a tia. Tia Mônica teve arte de alcançar aposento para os três em casa de uma senhora velha e rica, que lhe prometeu emprestar os quartos baixos da casa, ao fundo da cocheira, para os lados de um pátio. Teve ainda a arte maior de não dizer nada aos dois, para que Cândido Neves, no desespero da crise começasse por enjeitar o filho e acabasse alcançando algum meio seguro e regular de obter dinheiro; emendar a vida, em suma. Ouvia as queixas de Clara, sem as repetir, é certo, mas sem as consolar. No dia em que fossem obrigados a deixar a casa, fá-los-ia espantar com a notícia do obséquio e iriam dormir melhor do que cuidassem.

Assim sucedeu. Postos fora da casa, passaram ao aposento de favor, e dois dias depois nasceu a criança. A alegria do pai foi enorme, e a tristeza também. Tia Mônica insistiu em dar a criança à Roda. "Se você não a quer levar, deixe isso comigo; eu vou à Rua dos Barbonos." Cândido Neves pediu que não, que esperasse, que ele mesmo a levaria. Notai que era um menino, e que ambos os pais desejavam justamente este sexo. Mal lhe deram algum leite; mas, como chovesse à noite, assentou o pai levá-lo à Roda na noite seguinte.

Naquela reviu todas as suas notas de escravos fugidos . As gratificações pela maior parte eram promessas; algumas traziam a soma escrita e escassa. Uma, porém, subia a cem mil-réis. Tratava-se de uma mulata; vinham indicações de gesto e de vestido. Cândido Neves andara a pesquisá-la sem melhor fortuna, e abrira mão do negócio; imaginou que algum amante da escrava a houvesse recolhido. Agora, porém, a vista nova da quantia e a necessidade dela animaram Cândido Neves a fazer um grande esforço derradeiro. Saiu de manhã a ver e indagar pela Rua e Largo da Carioca, Rua do Parto e da Ajuda, onde ela parecia andar, segundo o anúncio. Não a achou; apenas um farmacêutico da Rua da Ajuda se lembrava de ter vendido uma onça de qualquer droga, três dias antes, à pessoa que tinha os sinais indicados. Cândido Neves parecia falar como dono da escrava, e agradeceu cortesmente a notícia. Não foi mais feliz com outros fugidos de gratificação incerta ou barata.

Voltou para a triste casa que lhe haviam emprestado. Tia Mônica arranjara de si mesma a dieta para a recente mãe, e tinha já o menino para ser levado à Roda. O pai, não obstante o acordo feito, mal pôde esconder a dor do espetáculo. Não quis comer o que tia Mônica lhe guardara; não tinha fome, disse, e era verdade. Cogitou mil modos de ficar com o filho; nenhum prestava. Não podia esquecer o próprio albergue em que vivia. Consultou a mulher, que se mostrou resignada. Tia Mônica pintara-lhe a criação do menino; seria maior a miséria, podendo suceder que o filho achasse a morte sem recurso. Cândido Neves foi obrigado a cumprir a promessa; pediu à mulher que desse ao filho o resto do leite que ele beberia da mãe. Assim se fez; o pequeno adormeceu, o pai pegou dele, e saiu na direção da Rua dos Barbonos.

Que pensasse mais de uma vez em voltar para casa com ele, é certo; não menos certo é que o agasalhava muito, que o beijava, que cobria o rosto para preservá-lo do sereno. Ao entrar na Rua da Guarda Velha, Cândido Neves começou a afrouxar o passo. --Hei de entregá-lo o mais tarde que puder, murmurou ele. Mas não sendo a rua infinita ou sequer longa, viria a acabá-la; foi então que lhe ocorreu entrar por um dos becos que ligavam aquela à Rua da Ajuda. Chegou ao fim do beco e, indo a dobrar à direita, na direção do Largo da Ajuda, viu do lado oposto um vulto de mulher; era a mulata fugida. Não dou aqui a comoção de Cândido Neves por não podê-lo fazer com a intensidade real. Um adjetivo basta; digamos enorme. Descendo a mulher, desceu ele também; a poucos passos estava a farmácia onde obtivera a informação, que referi acima. Entrou, achou o farmacêutico, pediu-lhe a fineza de guardar a criança por um instante; viria buscá-la sem falta.

--Mas...

Cândido Neves não lhe deu tempo de dizer nada; saiu rápido, atravessou a rua, até ao ponto em que pudesse pegar a mulher sem dar alarma. No extremo da rua, quando ela ia a descer a de S. José, Cândido Neves aproximou-se dela. Era a mesma, era a mulata fujona.

--Arminda! bradou, conforme a nomeava o anúncio.

Arminda voltou-se sem cuidar malícia. Foi só quando ele, tendo tirado o pedaço de corda da algibeira, pegou dos braços da escrava, que ela compreendeu e quis fugir. Era já impossível. Cândido Neves, com as mãos robustas, atava-lhe os pulsos e dizia que andasse. A escrava quis gritar, parece que chegou a soltar alguma voz mais alta que de costume, mas entendeu logo que ninguém viria libertá-la, ao contrário. Pediu então que a soltasse pelo amor de Deus.

--Estou grávida, meu senhor! exclamou. Se Vossa Senhoria tem algum filho, peço-lhe por amor dele que me solte; eu serei tua escrava, vou servi-lo pelo tempo que quiser. Me solte, meu senhor moço!

-- Siga! repetiu Cândido Neves.

--Me solte!

--Não quero demoras; siga! Houve aqui luta, porque a escrava, gemendo, arrastava-se a si e ao filho. Quem passava ou estava à porta de uma loja, compreendia o que era e naturalmente não acudia. Arminda ia alegando que o senhor era muito mau, e provavelmente a castigaria com açoutes,

--coisa que, no estado em que ela estava, seria pior de sentir. Com certeza, ele lhe mandaria dar açoutes.

--Você é que tem culpa. Quem lhe manda fazer filhos e fugir depois? perguntou Cândido Neves.

Não estava em maré de riso, por causa do filho que lá ficara na farmácia, à espera dele. Também é certo que não costumava dizer grandes coisas. Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor. Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumor.

--Aqui está a fujona, disse Cândido Neves.

-- É ela mesma.

--Meu senhor!

--Anda, entra... Arminda caiu no corredor. Ali mesmo o senhor da escrava abriu a carteira e tirou os cem mil-réis de gratificação. Cândido Neves guardou as duas notas de cinqüenta milréis, enquanto o senhor novamente dizia à escrava que entrasse. No chão, onde jazia, levada do medo e da dor, e após algum tempo de luta a escrava abortou.

O fruto de algum tempo entrou sem vida neste mundo, entre os gemidos da mãe e os gestos de desespero do dono. Cândido Neves viu todo esse espetáculo. Não sabia que horas eram. Quaisquer que fossem, urgia correr à Rua da Ajuda, e foi o que ele fez sem querer conhecer as conseqüências do desastre.

Quando lá chegou, viu o farmacêutico sozinho, sem o filho que lhe entregara. Quis esganá-lo. Felizmente, o farmacêutico explicou tudo a tempo; o menino estava lá dentro com a família, e ambos entraram. O pai recebeu o filho com a mesma fúria com que pegara a escrava fujona de há pouco, fúria diversa, naturalmente, fúria de amor. Agradeceu depressa e mal, e saiu às carreiras, não para a Roda dos enjeitados, mas para a casa de empréstimo com o filho e os cem mil-réis de gratificação. Tia Mônica, ouvida a explicação, perdoou a volta do pequeno, uma vez que trazia os cem mil-réis. Disse, é verdade, algumas palavras duras contra a escrava, por causa do aborto, além da fuga. Cândido Neves, beijando o filho, entre lágrimas, verdadeiras, abençoava a fuga e não se lhe dava do aborto.

--Nem todas as crianças vingam, bateu-lhe o coração.

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(*) Este conto de Machado de Assis é um conto de natal digno da época da escravidão. Nos contos de natal mais tradicionais, a criança é outra e seu destino é outro, mas, se ele estiver correto, as crianças do conto acima são iguais a ela, embora nem toda criança vingue. Um Feliz Natal para todos, é o que deseja os que fazem A GAZETA DIGITAL.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

EM BOM CONSELHO - II


Cláudio André, Maria José, Celina e Zé Carlos.

Por Zé Carlos

Continuo relatando minha viagem. Não seguirei uma ordem cronológica e sim a ordem que vem em minha cabeça, que está uma verdadeira desordem. O que vem nela agora é o encontro com o Cláudio André, do Blog do Poeta. Eu gostaria de conhecer todos os blogueiros,  mas não foi possível. O Mister M, por motivos óbvios, a Prefeita, porque seria demais pedir que nossa autoridade máxima me recebesse em audiência sem um motivo justo, o vereador Carlos Alberto e o Saulo pelo mesmo motivo. Restou apenas o Cláudio André, que convidado pelo Luís Clério, compareceu ao cafezinho.

Eu li o artigo do poeta, onde saiu uma foto minha, junto com ele e mais duas pessoas que conheço e admiro, bom-conselhenses da gema: Celina Ferro e Maria José Cardoso. Quanto ao encontro com elas depois eu conto. Neste artigo, o Cláudio  me chama de professor, e o fui por muito tempo. Afinal de contas precisei ganhar a vida, e quem disser que ela nos prometeu alguma coisa está enganado, por isso não posso reclamar dela. Entretanto, nesta matéria de blogs e comunicação o professor é ele. Um verdadeiro homem de comunicação, com larga experiência no ramo. Juntando ele com o Luis Clério a falar, quase que me tornava um jornalista, por osmose. Foi uma verdadeira aula.

Antes eu havia lido A GAZETA 278, onde havia um texto do jornalista Cícero Ranzi, no qual ele falava dos nossos blogs dizendo que além de um deles fazer análises misturando Freud com Gessier Quirino, que pensei ser o Blog da CIT, diz também que um deles havia colocado um filme de um homem e uma jumenta numa atividade suspeitíssima. Eu, apesar de ler o Blog do Poeta, não havia percebido o vídeo e o perguntei se ele sabia qual era o Blog. Ele numa franqueza típica dos bons comunicadores disse que havia sido o dele. As explicações que o Luís Clério deu para que ele publicasse determinadas matérias, inclusive uma da qual eu ri muito com uma poesia, não podem serem aqui descritas porque seria pior do que o filme da jumenta. Mas, tudo isto foi motivo de muitas gargalhadas que formam as grandes amizades.

Quem acessa o Blog do Poeta sabe que ele não vive só de jumentas nem das mulheres bonitas. Seus temas são variados e nos informam sobre nossa cidade. Seremos parceiros nesta luta, mesmo que discordemos em alguns pontos, para mostrar nossa cidade e região ao mundo.

Eu vi um artigo do Di Tavares no Site de Bom Conselho, onde ele propunha uma reunião de papacaceiros, no próximo encontro, onde as famílias se reuniriam e contariam casos e histórias engraçadas, mas respeitando as famílias. O Cícero Ranzi diz que fica difícil sugerir as famílias conterrâneas que estão distantes, lerem as notícias da cidade através do Blog do Poeta, pois não sabe que tipo de mensagem o filme da jumenta pode trazer. Quando eu vi a foto, pois não era mais filme, eu tirei uma mensagem importantíssima para nossa época moderna, e que serviria de título para o artigo, poderia ser comentado pelas famílias: “Faça uma jumenta feliz.”

Oh, se houve filmadoras na minha infância e da molecada da Rua da Cadeia! A matéria do Blog do Poeta não seria um furo, e nem mesmo notícia. Conheço alguém que até hoje alimenta uma jumenta, em pagamento pelos seus serviços...
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(*) A foto acima foi tirada na máquina do Cláudio André, pelo Luís Clério e foi obtida do Blog do Poeta.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

EM BOM CONSELHO


Por Zé Carlos

Seria muita pretensão minha querer descrever e analisar minha passagem por Bom Conselho por estes dias, de uma só vez. Primeiro, o motivo da minha viagem é pelo menos inusitado para aqueles que pensam que sogra sempre tem que ser aquela chata de galocha que nos inferniza a vida, com base na lealdade da filha. Eu fui lá por causa do aniversário da minha sogra, uma jovem de 89 anos, simpática e sorridente. Segundo, foram muitas emoções, sorrisos e perplexidades.

Mais se a safra não atrapalhar meus planos, irei contando aos poucos. Começo pelo início, que já descrevi um pouco numa postagem anterior sobre minha chegada e a surpresa do Parque de Diversões. Foi um choque. Pergunto se é possível alguém gostar de se divertir naquele monte de ferro retorcido. Claro que sim, já que os donos continuam no negócio e, espero, pagando seus impostos à prefeitura para fazer tal afronta ao bom gosto.

Para não pensarem que virei um esnobe incurável, depois de velho, não encontrei nenhuma pessoa que elogiasse aquele monstro. Quase todos, como eu, achavam mais bonito o “trivolim”, e as barcas menores, quando comparados com aquele navio “viking” de hoje. O que comecei a criticar antes foi a localização do monstro. É até inconstitucional. Quase impedia o meu direito de ir e vir, na cidade onde nasci.

Ouvi muitas explicações para que a prefeitura tenha permitido tamanha invasão do nosso espaço. Uma delas, foi que “o povo preferiu assim”. Eu admito, não entrevistei o povo, porque nem o conheço. Não há uma entidade sociológica mais confusa e sem precisão do que a noção de povo. O povo condenou Jesus. O povo colocou Hitler no poder. O povo fez a revolução francesa. O povo elegeu a Dilma e Judith. E agora o povo quer o circo armado no nosso centro, não só comercial, mas turístico, que já vem sendo mutilado sequencialmente por prefeito entrantes e saintes. Diante disto, eu fiquei me perguntando: “Serei eu povo?”

Tecnicamente, sim. Faço parte desta massa anônima visual que vai a nossa terra fugazmente e depois some. Não tenho cargos, nem autoridade nenhuma a não ser o de votar, e nem mesmo faço isto lá. Mas, quando lá, eu me considero povo. Então, tecnicamente, sou um dissidente do povo. Como o atual governo municipal é o “governo do povo”, eu não tenho o que reclamar. Vou lá porque quero. Ao invés de tentar mudar o governo e criticá-lo, devo tentar mudar o povo.

E se muito, daqueles com quem falei, e também discordam do povo, são muitos, é uma prova que o povo está mudando. Mas, apenas para não dizer que só falei de flores, eu relato um fato descrito a mim por uma destas pessoas.

Devido à desorganização na instalação do monstro em nossa praça maior, um grupo de cidadãos, moradores do local, se uniu e foi falar com a promotora pública, para tentar mudar o rumo do monstro que áudio-visualmente invadia suas casas. Estava presente uma representante da prefeitura, responsável pelo evento. Quando interpelada sobre o que estava acontecendo, ele deu a seguinte resposta, tentando ser literal, pelo menos, com as palavras, a mim contadas.

“Tá certo! Eu tirarei o Parque para outro local. Mas, irei aos meios de comunicação e direi que foi um pedido de vocês, e citarei nome, por nome.”

Conversando com o amigo Luis Clério, em seu maravilhoso cafezinho, ele me dizia que podia avisar ao Diretor Presidente, que hoje, aqui em Bom Conselho, o coronelismo já passou. Ele poderia sair de trás do seu pseudônimo, sem medo. Quando me contaram o caso acima, quem teve medo de se mostrar fui eu. Fiquei até com vontade de criar um pseudônimo para mim. Como meu pai foi padeiro a vida toda, quis escolher “Zé do Pão”, no entanto, infelizmente, este já pertencia ao Zé Domingos.

Vejam o filme abaixo, por enquanto:

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

TEMPOS IDOS



Por Expedito Guedes

BOM CONSELHO DE PAPACAÇA
TEM SUA TRADIÇÃO
ORGULHO DE SUA RAÇA
FORMANDO UMA GERAÇÃO
CONTÉM NA SUA GRANDEZA
UMA GRAÇA DA NATUREZA
MATA, AGRESTE E SERTÃO

CADA DISTRITO CONTÉM
SUAS BOAS PRODUÇÕES
EM BARRA DO BREJO TEM
E TAMBÉM EM CALDEIRÕES
TEM EM RAINHA ISABEL
EM LAGOA DE SÃO JOSÉ
E LOGRADOURO DOS LEÕES


PRODUÇÃO DOS CAFEZAIS
ERA MUITO ELEVADO
HOJE QUASE NÃO TEM MAIS
ESTÁ QUASE TUDO ACABADO
O QUE TEM DE VERDADEIRO
É O PRODUTO LEITEIRO
COM A CRIAÇÃO DE GADO

O CULTIVO DO ALGODÃO
FOI UMA GRANDE CULTURA
HOJE SÓ MILHO E FEIJÃO
NO CAMPO DA AGRICULTURA
TINHA UMA COISA BACANA
ERA A PLANTAÇÃO DE CANA
PARA FAZER RAPADURA

NAQUELE TEMPO QUE SE FOI
ERA PRECISO TER SORTE
CAVALO E CARRO DE BOI
ERAM MEIOS DE TRANSPORTE
TINHA QUE TER MUITA FÉ
PRA VIAJAR A PÉ
ERA PRECISO SER FORTE

TODOS ESTES ENREDOS
VEM DA ERA DOS MIL RÉIS
E COMO SE DIZ: VÃO-SE OS DEDOS
E FICAM SEMPRE OS ANÉIS
CONTÉM ESTA DESCRIÇÃO
A GRANDE RECORDAÇÃO
DOS TEMPOS DOS CORONÉIS

15 DE JANEIRO DE 1998

F I L O S O F I A



Por Ascenso Ferreira

(A José Pereira de Araújo - "Doutorzinho de Escada")

Hora de comer — comer!
Hora de dormir — dormir!
Hora de vadiar — vadiar!

Hora de trabalhar?
— Pernas pro ar que ninguém é de ferro!

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

A IDEIA


Por Augusto dos Anjos

De onde ela vem?! De que matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!


Vem da psicogenética e alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!


Vem do encéfalo absconso que a constringe,
Chega em seguida às cordas do laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica ...


Quebra a força centrípeta que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Chegando a Bom Conselho



Por Zé Carlos

Hoje estamos em Papacaça. Depois de enfrentarmos a BR-232 e os “pare-e-siga”, entre São Caetano e esta terra santa, pensamos que estaríamos livres dos buracos úteis e inúteis. Estávamos enganados. Para chegar ao hotel onde sempre nos hospedamos, o Raízes, tivemos que cortar caminho, o que nos tirou a necessidade de nos benzer de frente da Igreja de Santo Antônio. Interditada pelos buracos úteis. Estão fazendo uma reforma nos serviços que ficam debaixo da terra, e, prometem, se aguentarmos mais um pouco, firemos melhor.

Deixadas as malas partimos para o centro, começando nosso mini-périplo pela cidade em reforma. Foi um tal de cortar caminho outra vez e andarmos na contra-mão, não da história, mas das ruas abarrotadas de carros, que nos deu vontade de pegar as malas e voltar. Mas, como todos nós sabemos, um bom-conselhense não desiste nunca. Continuamos e conseguimos chegar, pela Avenida Nova, à ponte do corredor, embicando o carro em direção ao centro.

Notei logo, algo que nunca tinha visto antes daquele tamanho. A fila de automóveis que ia até em cima da ladeira de frente ao Cine Rex, a perder de vista. Foi um horror subir aquela íngreme passagem fazendo meia embreagem, que, com meu dotes de motorista, não consigo nem fazer um quarto. Com muito suor, mas ainda, sem sangue e sem lágrimas conseguimos a 2 km por hora, chegar ao topo.

Aí veio o pior. Quase lágrimas e quase sangue. Um parque de diversão onde antes existia a barraca do Neco e do Seu Belon. Uma visão do inferno. Aquele monstro de ferro retorcido, composto por carrinhos e uma barcaça enorme, a atrapalhar o trânsito. Eu já sabia, desde dos debates de Alexandre Vieira com a Lucinha Peixoto, e das observações do Carlos Sena, que o trânsito de Bom Conselho já era um verdadeiro caos. O que não sabia era que poderia ficar pior. Este negócio de pior não fica, só em São Paulo com o Tiririca.

Tentei chegar à casa do Mábio Tenório, e, a duras penas, cheguei. Filei o rango e tentei visitar outra pessoa, não consegui, desisti e voltei para o Hotel. Vinha triste e macambúzio, até saber que havia internet sem fio em meu quarto. Resolvi então me alegrar mais ainda e publicar o meu primeiro texto para a A Gazeta Digital, diretamente dos pés da Serra de Santa Terezinha.

Pena que não tenha trazido o cabo para passar as fotos que fiz, para o computador, mas teremos tempo para isto. Embora não sei se daqui. Agora vou para o cafezinho do Luis Clério, porque bem pertinho aqui do Hotel, não usarei o carro, e tentarei ficar alguns minutos calmos.

N E G R I N H A


Por Monteiro Lobato


Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.

Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.

Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo.

Ótima, a dona Inácia.

Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa:

— Quem é a peste que está chorando aí?

Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.

— Cale a boca, diabo!

No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer...

Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.

— Sentadinha aí, e bico, hein?

Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas.

— Braços cruzados, já, diabo!

Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante.

Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim.

Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste...

O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta...

A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! “Qualquer coisinha”: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: “Como é ruim, a sinhá!”...

O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo:

— Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!...

Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!

Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente.

Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias.

— “Peste?” Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa.

Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se.

— Eu curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua choca, a rufar as saias.

— Traga um ovo.

Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou:

— Venha cá!

Negrinha aproximou-se.

— Abra a boca!

Negrinha abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água “pulando” o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois:

— Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste?

E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que chegava.

— Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha da Cesária — mas que trabalheira me dá!

— A caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o padre.

— Sim, mas cansa...

— Quem dá aos pobres empresta a Deus.

A boa senhora suspirou resignadamente.

— Inda é o que vale...

Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas.

Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo.

Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos.

Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: “Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga”?

Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre.

— Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa.

— Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora.

— Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco.

Chegaram as malas e logo:

— Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas.

Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos.

Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que falava “mamã”... que dormia...

Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial.

— É feita?... — perguntou, extasiada.

E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente, tudo, e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de pegá-la.

As meninas admiraram-se daquilo.

— Nunca viu boneca?

— Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca?

Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade.

— Como é boba! — disseram. — E você como se chama?

— Negrinha.

As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca:

— Pegue!

Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.

Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se.

Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos.

Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:

— Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein?

Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu.

Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha...

Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher.

Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava!

Assim foi — e essa consciência a matou.

Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada.

Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração, amenizava-lhe a vida.

Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.

Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso inferno, envenenara-a.

Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma.

Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada.

Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca aberta.

Mas, imóvel, sem rufar as asas.

Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou...

E tudo se esvaiu em trevas.

Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma miséria, trinta quilos mal pesados...

E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas.

— “Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?”

Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia.

— “Como era boa para um cocre!...”

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(*) Enviado por Lucinha Peixoto.