Primeira Comunhão - 08.12.1955 |
Por Zé Carlos
Hoje é feriado aqui no Recife. Para mim, além do feriado, é dia de aniversário. Não de nascimento, mas de minha primeira comunhão. Não poderia esquecer, pois a mulher com quem casei, também fez a primeira comunhão no mesmo dia, 8 de dezembro de 1955, e sempre me relembra que estamos ficando velhos, dizendo quantos anos isto faz. Por isso sempre rememoramos a data, mais por este fato do que pelo feriado em si. Nunca tivemos o hábito de fazer promessas para subir o morro, quando temos que apelar para a Santa, fazemos promessas menos sacrificosas.
Lembro bem da preparação para o dia, com dona Lourdes Cardoso. Ela agia com a mesma disciplina das aulas normais para aprender ler e escrever. Era uma versão um pouco modificada do “escreveu, não leu o pau comeu”. Era mais ou menos, “leu não decorou, puxão de orelha levou”. E como minhas orelhas ardiam nesta matéria.
- Zé Carlos, quem é Deus?
- Deus é o Ser perfeitíssimo, criador do céu e da terra.
- Quantas pessoas há em Deus.
- São três, D. Lourdes!
- Quais são elas?
- Hum!! Deixe-me ver.
- Vamos! Eu não tenho o dia todo.
- Hum!!! O padre, o filho e ... hum!!
- Não sabe, né?!
- Eu esqueci professora, foi só uma “pessoinha”
- Eu deveria era arrancar tuas orelhas. Como é que tu vás fazer primeira comunhão sem saber isto? Se amanhã você não estiver com tudo na ponta da língua, prepare as orelhas, seu burro.
Este era apenas um exemplo de uma sessão do ensino religioso, que nos preparava para o grande dia na vida dos católicos. Entre um puxão de orelha e outro, um “carão” e outro, aprendíamos a perdoar àqueles que nos perseguem, e até oferecer a orelha esquerda a quem nos puxasse a direita. Era nossa introdução ao cristianismo à moda católica e que me guiou por um longo tempo.
Depois de aprendidas as rezas, que eram um monte delas, vinha o grande dia. Ou melhor, a véspera do grande dia da primeira comunhão. Eu hoje, pelo meu nível de catolicismo, não sei como se processa esta atividade. Nem prestei atenção quando minhas filhas fizeram, a não ser acompanhá-las à igreja no dia.
Em minha época era necessário que também nos confessássemos pela primeira vez. Não era mole enfrentar o Padre Alfredo, a quem eu contei meus pecados pela primeira vez. Não me lembro quais eram, entretanto, estou certo de que eram menores do que os atuais. Depois de dada a absolvição e as devidas penitências, partíamos para nossa casa, com um único objetivo: permanecer puros até a hora da comunhão. Uma briga com um irmão, um palavrão, um malfeito qualquer era o suficiente para nos tornar impuros e incapaz de receber Jesus no coração, como dizia minha mãe. Quando, nas confissões seguintes, caíamos nestes pecadilhos, ela dizia, meu filho reze uma Ave-Maria que você volta ao estado de pureza.
Com um sacrifício maior do que aquele que o Tiririca sofreu para fazer o teste de alfabetização, cheguei enfim ao grande dia de minha primeira comunhão. Terno feito por Antônio da Tupi, grande amigo do meu pai, sapato novo e uma vela toda decorada, mostrada na foto que abre esta crônica. Igreja cheia, cânticos e beliscões de D. Lourdes se alguém, pelo menos pensasse em pecar. Quando o padre, que não me lembro se era o Padre Alfredo, vinha em nossa direção com a hóstia consagrada, havia uma emoção que se repetiria por muitas vezes em minha vida. Embora, tenho que confessar a emoção não tinha nada a ver com o ato em si, mas como o pós-ato. Eu estava mesmo pensando era na possibilidade, depois daquele momento de voltar a ser impuro, começar a pecar outra vez. E não demorou muito.
Logo alguns minutos depois de receber Jesus pela primeira vez, deixei cair a vela, que quebrou em várias partes, quase não podendo mais ficar em pé. Esta foi uma grande decepção para minha mãe, que igual a todas as outras, pensavaa, nos próximos dias, ir a Garanhuns, ao Foto Ideal (?), tirar a tradicional foto de primeira comunhão. Eu desafio a todos os da minha geração, que fizeram primeira comunhão em Bom Conselho, que podiam pagar o fotógrafo e um passagem para a cidade vizinha: quem não tiver um foto como a minha acima, atire a primeira pedra.
Salve N. S. da Conceição, ela lá no morro e eu aqui, em casa, relembrando minha primeira comunhão. Não sei se já fiz a última comunhão, mas se tiver que fazê-la espero que seja no dia 8 de dezembro de 2055.
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