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sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Democracias podem morrer





“Democracias podem morrer
        
POR JOSÉ ÁLVARO MOISÉS

Democracias podem morrer quando líderes eleitos violam as regras democráticas, incentivam a violência, contestam a legitimidade dos adversários e atacam as liberdades civis. O diagnóstico de estudiosos como Steven Levitsky se baseia nos exemplos de Putin, Erdogan, Chávez, Maduro e Trump, mas omite um aspecto importante: a sensação dos cidadãos de que não contam no funcionamento da democracia produz desprezo pelo regime e a ideia de que pouco importa se ele for substituído por alternativas autoritárias.

O Brasil tem democracia, mas seu sistema de representação está em crise. Mais de 90% de entrevistados de pesquisas de opinião declaram não se sentir representados por nenhum partido político e apenas 16 milhões de eleitores são filiados a eles. Em 2014, 45% de entrevistados de uma pesquisa declararam que a democracia pode funcionar sem os partidos políticos e outro tanto disse a mesma coisa do Congresso Nacional. Em 2013, quase 2 milhões de manifestantes já haviam dito isso, mas os partidos não se abriram aos jovens desejosos de ingressar na vida pública, e a distância entre governados e governantes só aumentou.

O Brasil é um caso extremo de fragmentação partidária, com 35 partidos, e outros 50 pedem registro, mas os eleitores não se sentem representados. Os programas partidários são frágeis em termos de disputas de projetos para o País e não enfrentam os desafios da governabilidade. A fragmentação corrói a responsabilidade dos partidos que, dominados por oligarquias que se perpetuam na sua direção, carecem de democracia interna e estão fechados à participação de seus apoiadores.

A resistência dos partidos brasileiros a adotar mecanismos como o de eleições primárias do sistema norte-americano é uma indicação do bloqueio à participação dos eleitores. Nas primárias, com base na posição dos postulantes a candidato, eleitores escolhem delegados às convenções partidárias, que tomam a decisão final. Milhões de pessoas se mobilizam, às vezes por mais de um ano, fazendo os candidatos considerarem as demandas específicas dos eleitores. O processo é inclusivo e vitaliza a democracia representativa.

No Brasil, a qualidade da democracia está em questão. Giovanni Sartori, cientista político italiano, discutindo o significado original da palavra grega demokratia, composta por demos (povo) e kratos (poder), argumentou que esse regime assegura a soberania do povo pela interação de dois princípios fundamentais: o demos-proteção e o demos-empoderamento. O primeiro assegura a liberdade e protege os cidadãos do arbítrio, o segundo garante o seu poder de escolher, influenciar e controlar quem governa em seu nome. O voto, então, é o instrumento pelo qual os eleitores garantem direitos, escolhem governantes e defendem seus interesses.

Mas ele não esgota o princípio de autogoverno dos cidadãos, reclama o entendimento dos eleitores sobre o que está em jogo na política e prevê meios de eles influírem no andamento do processo. Isso remete ao papel dos partidos para evitar que no interregno entre eleições os cidadãos sejam apenas objeto da ação dos eleitos. Para tanto o sistema eleitoral precisa traduzir os desejos e aspirações dos cidadãos no funcionamento das instituições. Se isso está bloqueado, as pessoas se frustram com a política, retiram a sua confiança nas instituições e duvidam que a democracia resolva os problemas da sociedade.

O sistema eleitoral brasileiro tem distorções que comprometem suas funções, como a desproporcionalidade entre a população das circunscrições eleitorais e seu teto de cadeiras na Câmara, resultando em pesos distintos dos eleitores dos Estados, violando o princípio “um homem, um voto”. O caso mais grave é o de São Paulo, que deveria ter mais de cem representantes, mas tem apenas 70, enquanto Roraima, Amapá, Acre e outros têm oito, mas deveriam ter menos.

O sistema proporcional de lista aberta com distritos de mais de 30 milhões de eleitores, como São Paulo, encarece as campanhas, dificulta a escolha de candidatos, estimula a personalização do voto em detrimento de projetos coletivos e favorece a competição entre candidatos do mesmo partido. Outra distorção é o sistema de coligações, que frauda o voto proporcional baseado em posições político-ideológicas e faz o eleitor eleger quem tem posição oposta à sua. O Congresso descontinuou as coligações para as eleições proporcionais a partir de 2020, mas sua manutenção em 2018 afetará a formação da próxima maioria governativa.

As distorções não acabam por aí. A desigualdade da inclusão política das mulheres, que a despeito de serem maioria na população têm menos de 10% de representação parlamentar, é algo gritante. As distorções também dizem respeito ao financiamento de campanhas, cujos recursos serão distribuídos pelas oligarquias partidárias que buscam continuar na liderança dos partidos, bloqueando a renovação política do Congresso. O fundo de financiamento de campanhas criado em 2017 reservou mais recursos aos maiores partidos, dificultando a indicação e a eleição de nomes novos para o Parlamento.

A crise recoloca a reforma política na ordem do dia. Os candidatos à Presidência têm de dizer como pretendem recuperar a confiança das pessoas na política. A agenda de reformas, além da recuperação da economia, inclui a revisão do sistema eleitoral com a adoção de distritos menores, o fortalecimento da relação entre representados e representantes e novas normas de funcionamento dos partidos. O País precisa de uma efetiva cláusula de barreira para diminuir a fragmentação dos partidos e eles precisam ser submetidos a regras de democracia interna se não quiserem ser rejeitados pelos eleitores. Os candidatos precisam sinalizar, portanto, com que maioria querem governar para serem capazes de realizar as reformas requeridas pela democracia brasileira.

O País não resiste a mais crises políticas.”

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quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Esquerdo x direitopatas, Brasil à parte





“Esquerdo x direitopatas, Brasil à parte
        
POR FERNÃO LARA MESQUITA

Apesar da dramaticidade feroz do presente, é como se ele não existisse. O mais dos movimentos é determinado pelo passado. O invisível é que faz o visível. E isso torna muito complicado entender o que se passa a tempo de não cometer erros fatais numa campanha tão curta e de tão cruciais implicações para o futuro.

Jair Bolsonaro, pintado como ameaça iminente para a democracia, é o exemplo mais evidente. Quem tem tanques e está querendo dar golpe não sai à rua pedindo votos. Antidemocrático declarado, com papel passado, com promessa solene de volta atrás, com “plano de guerra” aprovado em convenção nacional (2015) para a desmontagem das instituições republicanas já semi-implementado, com juras de amor diárias a ditadores com mãos sujas de sangue e supremas cortes recheadas de fantoches é o PT. Todas essas figuras sinistras da América do Sul e da África que estão enchendo o Brasil e o mundo de refugiados, com poucas exceções, são amigos diletos de Luiz Inácio Lula da Silva. Boa parte desses cujas “milícias” hoje atiram contra quem lhes pede eleições limpas foi bancada pelo BNDES do PT para chegar pelo voto às posições de que agora se recusam a apear pelo voto.

Está mais atrasada a esquerda jurássica entrincheirada no Foro de São Paulo do que a China e a antiga União Soviética na revisão do seu passado totalitário. O Foro de São Paulo, para ser exato, é declaradamente uma reação a esse “revisionismo”. É porque sabe que do “sonho” não restou nada que a esquerda bolivariana reacionária é um perigo real. Pra eles ou vai, ou racha! A Lava Jato tirou o lulismo do armário. Do confronto entre ele e as instituições democráticas, está jurado, só um sairá vivo. Tanto Haddad quanto Ciro Gomes têm como primeiro compromisso de campanha eliminar sumariamente o que há de independente no Judiciário e no Ministério Público. “Lula livre, Brasil preso”! Para o lixo com o que resta da lei e da ordem institucional vigentes!

Onde acabaria o governo que começasse assim?

O ódio de Lula à democracia vem sendo gestado, gole por gole de fel, à vista do Brasil inteiro. Mas Fernando Henrique Cardoso não acredita nele. Não é o presente, é o passado que determina esse comportamento. Pior para Geraldo Alckmin – o homem certo no momento psicológico errado –, que só confessou acreditar no Lula como ele é depois que o medo de fingir que não se tornou maior que o de aceitar que sim. Jair Bolsonaro só teve de aquiescer: “Sim, eu também vejo o que vocês estão vendo; eu também ouço o que vocês têm ouvido”. E lá veio, para começar, um terço do eleitorado, os “direitopatas” à frente com seus 30 anos de sapos vomitados. Memórias também!

Mas o presente é o presente. Homofobia, misoginia, racismo? De Lula para baixo, qual o habitante deste planeta que se insere em todos os milímetros de exigências de pensamento, palavras e obras dos Grandes Inquisidores das subideologias de ódio que vieram para reeditar a luta de classes como farsa? Nem o esfaqueador Adélio acredita honestamente que a eleição de Jair Bolsonaro levará a um genocídio LGBT. E depois, havendo Bolsonaro volta a haver imprensa.

Já quanto à venezuelização...

Deter o lulismo é a condição para a continuação da conversa. O resto é passado. E a eleição está como está. A opção entre Bolsonaro e Alckmin está espremida entre o “poste” e o “subposte”. Se correr o bicho pega, se parar o bicho come. A hora é de fazer contas. E se de Brasil se tratar, é a vez de o meio se mostrar magnânimo. A distensão tem de começar já. É preciso resistir à tentação das agressões irreversíveis agora porque será necessário construir um consenso do Brasil verde e amarelo inteiro em velocidade recorde logo adiante.

Pelo lado dos economistas as diferenças são só de grau. O quadro é agudo e as manobras de ressurreição não variam muito. A questão, como sempre, é muito mais de tirar boca de bezerro de cima de teta e mão de ladrão com e sem alvará de dentro de cofre público que de escolher que contas fazer. Tirar o presunto da janela, em vez de ficar espantando mosca, enfim. E para isso o que mais pesa é com que vontade um governo afirma essa disposição. Quem dá o tom é o maestro. Só não entendeu o que o tom de Lula fez com o Brasil quem não tem idade suficiente para ter memória viva do que nós fomos para comparar com o que nós viramos e tem na “narrativa” do próprio Lula e dos seus esbirros de palco, de sala de aula e de redação as únicas referências do passado do Brasil.

Este país nunca teve antes (nem terá agora) uma vontade autêntica de resolver de uma vez por todas esse problema sentada na cadeira presidencial. Mas agora a questão é de vida ou morte. E os primeiros a saber disso são os quadros do alto escalão do funcionalismo. Ainda que, como categoria, sejam eles próprios a essência do problema, a qualidade da elite dos nossos administradores públicos profissionais é indiscutível. E a frustração dos melhores entre eles por governos sucessivos se terem mantido surdos aos seus alertas e desperdiçado o seu know how na oferta de soluções em favor das ambições de presidentes que queriam ser reis, partidos que se queriam eternos e até de ministros que queriam ser presidentes está mais que registrada na crônica das muitas estações do calvário do Brasil.

O Judiciário não aparelhado, se não for resgatado agora, sabe que também cai definitivamente sob o domínio do crime. E o Legislativo, mesmo com todos os restos do passado que vão permanecer lá dentro, está tão ansioso quanto o resto do Brasil para provar que pode ser melhor do que tem sido, ou morte.

É nisso que é preciso investir. Vai ter de haver uma mudança, e grande como nunca houve. E isso vai exigir o concurso de todo o melhor do Brasil. A dúvida é quanto conseguiremos aproveitar da condição extrema a que chegamos para avançar de fato e tornar parte dessa mudança irreversível. Mas essa é a pauta da reforma política que vem mais adiante. Ela é que determinará quanto tempo ficaremos livres de ter de fazer a próxima cirurgia de emergência.”

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terça-feira, 25 de setembro de 2018

O desgoverno em três programas populistas





“O desgoverno em três programas populistas
        
Por Rolf Kuntz

A mais otimista e mais errada profecia política dos últimos 30 anos - “pior do que está não fica” - será mais uma vez testada, quando o novo presidente ocupar sua mesa no Palácio do Planalto. A previsão será de novo desmentida pelos fatos se o eleito insistir nas piores ideias apresentadas pelos candidatos e seus assessores. Várias foram sustentadas por Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes, os mais pontuados nas últimas pesquisas, ou por seus conselheiros. As promessas do grupo incluem revogação do teto de gastos, intervenção nos juros e no câmbio, protecionismo comercial, recriação da CPMF, uso de reservas para abater a dívida pública, revisão da reforma trabalhista e menor ênfase à reforma da Previdência. Cada programa combinou apenas alguns desses pontos e nem sempre ficou clara a concordância entre o candidato e seu conselheiro. Mas qualquer combinação é tóxica. O palhaço Tiririca, autor, há alguns anos, da famosa profecia, absteve-se até agora de comentar os programas dos três mais cotados para a Presidência.

Os três são populistas, prometem soluções simples para os problemas nacionais e dois deles, Bolsonaro e Ciro Gomes, tentam impressionar o eleitor com exibições de firmeza. Ciro Gomes comprometeu-se, por exemplo, a controlar a especulação “com mão de ferro”. Como realizará a façanha? Qual o sentido técnico da palavra “especulação” nesse discurso? Há mercado sem ação especulativa? Quem decide - e como - o limite entre a formação “normal” dos preços e a perversão introduzida pelo especulador malvado? Nenhuma pessoa alfabetizada em economia e finanças levará a sério essa promessa, mas ficará certamente preocupada com a bravata voluntarista.

Mas o voluntarismo de Ciro Gomes pode aparecer fantasiado com uma roupa mais sóbria. Isso ocorrerá, por exemplo, se for criado para o controle do câmbio um grupo inspirado no Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC). Será mais uma enganação. Conduzido com seriedade, o Copom determina a taxa básica de juros, a Selic, a partir de projeções de inflação, dados sobre a atividade recente, informações sobre a utilização de recursos produtivos, incluída a mão de obra, e avaliação de riscos externos e internos de vários tipos. Além do mais, há um detalhe fundamental: decisões do Copom afetam a oferta de moeda - e a fonte primária de emissão é o próprio BC. Mexer no câmbio é muito diferente.

Quando o BC, como tem ocorrido, intervém no mercado de câmbio comprando ou vendendo moeda estrangeira, seu objetivo tem sido atenuar as oscilações para evitar turbulências. Não se busca inverter tendências ou manter o câmbio tabelado. Qualquer pretensão maior acabará distorcendo os sinais dos preços e criando problemas graves, como comprova a experiência de muitas crises. O mesmo voluntarismo aplicado aos juros prejudicará as decisões de investidores, produtores e consumidores. A última aventura desse tipo, no governo da presidente Dilma Rousseff, alimentou a inflação, desmoralizou o BC e desembocou numa nova e inevitável fase de aperto monetário.

O voluntarismo de dona Dilma poderá retornar, talvez de modo menos atabalhoado que em seu governo, se for aplicado o programa de Fernando Haddad, o Lula, ou de Lula, o Haddad. O candidato petista e seu principal conselheiro econômico propõem oficializar um BC com mandato duplo - cuidar ao mesmo tempo da moeda e do emprego. Menciona-se o exemplo do banco central americano, o Federal Reserve (Fed), para dar aparência de seriedade à proposta. A conversa poderá, como sempre, enganar o desinformado e o propenso a comprar bilhetes premiados.

De fato, o Fed tem mandato duplo, mas sua meta de inflação, nem sempre explicitada oficialmente, é em geral muito baixa. No momento, é uma taxa sustentável de 2% ao ano, superior às verificadas durante muito tempo. Na prática, o BC brasileiro tem combinado os dois objetivos, emprego e estabilidade monetária, há muitos anos, embora seu mandato oficial seja mais limitado.

A oficialização do segundo objetivo criará espaço para uma política mais tolerante à inflação. Isso fica evidente quando se escutam os pronunciamentos, em geral toscos, a favor da mudança. Além disso, o BC só teve de fato autonomia operacional, no período petista, quando foi presidido por Henrique Meirelles, nos governos de Lula. Essa foi a condição imposta por Meirelles, e Lula precisava muito, especialmente no primeiro mandato, de uma imagem respeitável. Todo o resto do programa petista combina com o controle voluntarista das ações do BC, com a eliminação do teto de gastos e com a promessa de arrumar as contas públicas sem aperto de cinto e sem reforma ampla da Previdência.

A opção pelas soluções menos sérias e economicamente mais custosas inclui a recriação da CPMF, o chamado imposto do cheque, uma das maiores aberrações da história dos tributos. Com a CPMF, o contribuinte é taxado pelo ato de pagar uma compra - além de ser taxado também pela compra. Recriar essa figura teratológica é parte do programa de Ciro Gomes. O conselheiro econômico de Jair Bolsonaro também falou sobre isso. Mas o candidato o desautorizou e proclamou como objetivo a redução de impostos. Para decifrar o programa do capitão é preciso mexer num emaranhado de ideias e o esforço pode ser inútil. Resta a promessa de rápida eliminação do déficit fiscal com um grande e muito mal explicado leilão de estatais.

Nenhum dos três candidatos mais cotados tem soluções claras para equilibrar as contas e aliviar a dívida pública. A proposta de usar reservas cambiais para diminuir o endividamento é evidente irresponsabilidade. A dívida seguirá elevada e voltará a crescer, porque as contas continuarão com déficit primário. Além disso, os US$ 380 bilhões de reservas são um precioso amortecedor de choques externos. Mexer nesse dinheiro é tornar o País mais vulnerável.”

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segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Medo e indignação





“Medo e indignação
        
Por William Waack

Está bem claro que nesta eleição vai se decidir contra alguma coisa, e não por alguma coisa. A maioria do eleitorado é a cara do fenômeno dos dispostos a romper “com o que está aí”. Provavelmente, encerra-se o período histórico iniciado com a saída do regime autoritário e a promulgação da Constituição de 1988. As grandes forças e o sentido político que se sobressaem nesta reta final da eleição claramente consideram obsoletos os sistemas político e boa parte das instituições que ali se consolidaram.

Alguns elementos que indicam o futuro próximo são bastante óbvios. A tendência do eleitorado em direção a figuras autoritárias é o mais notável desses elementos. O líder das pesquisas, Jair Bolsonaro, diz que resolve tudo praticamente no tapa, enquanto a agremiação política que parece, no momento, a que vai disputar o segundo turno com ele, o PT da corrupção, é o símbolo perfeito para a constatação de que enorme número de brasileiros não entende quais ideias erradas, entre elas a de que vontade política tudo resolve, levaram o País ao desastre. Estamos presenciando o enterro do “sonho” social-democrata tipo punho de renda do tucanato. O que havia de social-democracia no PT já havia sido sepultado pela avalanche de corrupção, cinismo e mentira.

Não existe neste momento um “centro”. O eleitorado raivoso clama por uma solução rápida – que a magnitude dos problemas enfrentados sugere ser impossível, mas não importa. Esse mesmo espírito do “vamos chutar o pau da barraca” prefere sonhar com passos para conter a crise que venham de fora da política, ou que sejam anunciados como soluções vindas de “fora do sistema”. Em outras palavras, e isso é bastante preocupante, há uma enorme aceitação da promessa de se resolver questões (como o déficit fiscal, que criaria perdedores por toda parte) sem considerar a necessidade de compromissos e de articulação política muito mais abrangentes do que conseguir 308 votos para maiorias na Câmara dos Deputados.

Há uma imensa desconfiança em relação às instituições e uma das mais recentes a serem devastadoramente atingidas é a da imprensa em geral, e dos grandes grupos de comunicação televisiva em especial. É assombroso como o jogo se inverteu, e em que velocidade: atacar esses colossos que antes eram capazes de determinar o futuro de políticos é o que hoje confere estatura a políticos, e vários se dedicam com êxito a lucrar em prestígio e simpatia no eleitorado fazendo uso em causa própria dessa espantosa perda de credibilidade (em boa medida, por cegueira política e covardia de dirigentes).

Numa sociedade com índices espantosos de violência, e alguns sinais graves de anomia (como na greve dos caminhoneiros), não deveria causar espanto algum a força com que medo e indignação empurram a candidatura de Jair Bolsonaro – e um atentado ter influenciado tanto a disputa.

Não me parece que o ex-capitão seja o criador da onda que está surfando – até agora com boa vantagem sobre os rivais. Talvez ele seja a expressão acabada de que o bom mocismo, o politicamente correto tivessem sido apenas delírios de elites dedicadas a si mesmas e vivendo em bolhas confortáveis em meio a um país pobre, desigual, ignorante e atrasado (basicamente as mesmas mazelas enfrentadas pela geração que escreveu a Constituição de 88).

O atraso, o retrocesso, o desastre e os malefícios trazidos durante os 13 anos de populismo irresponsável do lulopetismo já conhecemos bastante bem. Para onde vamos agora é uma completa incógnita. O que sairá do que acredito ser a destruição da política brasileira tal como a conhecemos por mais de 30 anos ninguém sabe.”

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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Balzaquiana, mas flexível





“Balzaquiana, mas flexível
        
Por Zeina Latif

Nesta campanha eleitoral vemos diferentes formas de populismo. O de esquerda é velho conhecido e, portanto, mais previsível. Uma vez que se desce do palanque, a retórica muda e converge para o centro. Poderá ser um governo cheio de contradições e propenso a instabilidades.

O populismo de direita é desconhecido e, portanto, mais incerto. É mais difícil separar a bravata de campanha da convicção. As falas do candidato a vice-presidente de Jair Bolsonaro, general Hamilton Mourão, por exemplo, trazem apreensão, como na defesa de uma nova Constituição elaborada por personalidades notáveis. Esperamos não ser para valer a ameaça ao Congresso Nacional. De qualquer forma, é equivocada a proposta de uma nova Constituição.

Revogar a atual Carta é, não apenas desnecessário, como também arriscado. Passados 30 anos da sua promulgação, continuamos uma sociedade plural e segmentada, e com grupos de interesse organizados e corporações que buscam preservar seus privilégios. O estado patrimonialista está aí, talvez mais forte do que nunca. Para piorar, vivemos tempos de muita fragmentação social. A falta de coesão cobra seu preço. Uma nova Constituição, neste momento, poderá ser um equívoco histórico.

Reformas na Constituição balzaquiana, no entanto, são necessárias. Temos uma Carta que prevê muitos direitos do cidadão e poucos deveres. É preciso ajustar as regras do jogo às necessidades mutantes da sociedade. Sem isso, não será possível sedimentar a atual estabilidade macroeconômica e voltar a crescer.

Há reformas fiscais urgentes. A grave crise que assola o País tem origem fiscal. A irresponsabilidade do governo anterior soma-se às mudanças demográficas que aumentam o déficit da Previdência.

A Constituição de 1988 produziu um regime previdenciário generoso e desigual. Além disso, há excessiva rigidez orçamentária, por conta de regras constitucionais que regem despesas e receitas públicas, como a estabilidade do funcionalismo, algumas políticas sociais e renúncias tributárias, como a Zona Franca de Manaus.

Não podemos inverter prioridades, pois corremos o risco de não haver ajuste algum e, assim, caminharmos para o descontrole inflacionário. Se o cenário internacional se mantiver ruidoso, o caminho para a instabilidade macroeconômica poderá ser o rápido.

Nossa história mostra que reformas constitucionais são possíveis. Nem sempre ocorreram na frequência necessária e na direção correta. Houve retrocessos que geraram mais rigidez de gastos, mas também houve avanços.

A gestão FHC foi a mais reformista e modernizante. Citando apenas as constitucionais, houve afrouxamento de regras para investimento estrangeiro, quebra do monopólio de telecomunicações e de petróleo e gás, reforma administrativa e novas regras da Previdência.

Com Lula, mais avanços concentrados no primeiro mandato, com a reforma da Previdência do setor público e a reforma do Judiciário. Dilma manteve o apagão reformista do Lula 2. Temer retomou a agenda de reformas e aprovou a regra do teto de gastos.

Este balanço mostra que o ímpeto reformista depende de capacidade de enfrentamento e de diálogo do presidente, bem como habilidade política e liderança. Nos três casos, diferentes combinações desses atributos, sendo FHC o mais bem-sucedido.

No momento, está difícil enxergar ímpeto reformista nas candidaturas mais competitivas do pleito presidencial. Não são lideranças que inspiram e, certamente, enfrentarão elevado ceticismo da sociedade, a julgar pela elevada rejeição. De quebra, políticos inexperientes e pouco hábeis, ainda que em diferentes graus.

O lado bom desta história é a própria sociedade, que reage à inflação alta. Não somos Argentina ou Turquia. Inflação alta aqui derruba presidente.

Quem será o candidato que mais rapidamente descerá do palanque para preparar a transição, dando continuidade à agenda de reformas? Quem melhor conciliará liderança e humildade para navegar em tempos difíceis?”

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quinta-feira, 20 de setembro de 2018

A desgraça dos números primos





“A desgraça dos números primos
        
Por Monica De Bolle

O dia do mês em que este artigo será publicado, 19, é um número primo. Para quem não lembra, números primos são aqueles que só podem ser divididos por eles próprios, ou pelo número 1. Números primos são responsáveis por inúmeros problemas matemáticos e conjecturas até hoje sem solução. Matemáticos ainda não foram capazes de encontrar nenhuma regularidade ou padrão na sequência infinita de números primos existentes. Sobre os mistérios dos números primos, disse o matemático, físico, e astrônomo suíço Leonhard Euler no século 18: “A matemática tentou em vão descobrir alguma ordem na sequência de números primos, e temos motivos para crer que esse é um mistério impenetrável para a mente humana”. Entre todos os números primos há sempre números pares que impedem que se toquem. Entre os primeiros dez números primos está o número 13, imediatamente seguido pelo número 17.

Tínhamos o 45, o 18, o 12. Também tínhamos o 30 e o 15. Todos números afeitos à composição, todos provenientes da multiplicação de pares de outros números que não eles próprios ou o singular dígito 1. Infelizmente, nas eleições brasileiras, já não cabem os arranjos, a conciliação de diversos, a estruturação em conjunto. Em meio à paranoia, às teorias conspiratórias, à confusão, e à desordem, parece claro que os números compostos estão prestes a cair no esquecimento do eleitorado brasileiro. Movimenta-se a população em direção àqueles números que se reduzem apenas a si mesmos ou ao isolamento unitário.

Como seriam os governos de números primos? Parte da resposta está em sua própria definição. Grandes dificuldades na composição com o Congresso, imensos desafios para alcançar a necessária conciliação do eleitorado brasileiro, a possibilidade de que testemunhemos um distanciamento ainda mais profundo entre as pessoas. Números compostos também enfrentariam problemas assim, não sejamos ingênuos. Contudo, as características dos números primos sugerem que suas dificuldades serão maiores.

Tomemos os números em sequência, começando, portanto, com 13. Há um imenso conjunto da sociedade brasileira que está enojada com o 13. Culpam o número por todos os problemas que o Brasil atravessou nos últimos anos, desde a crise de 2015-2016 até a eleição polarizada, a ascensão de militares da reserva, e a falta de opções viáveis para o voto iminente – passando, é claro, pela Lava Jato. Muitos dizem que o 13 é a razão única para apoiar 17, ainda que tal número seja controvertido, ainda que tenha apresentado vices e defensores com algum desprezo pela democracia, ainda que o próprio 17 tenha já manifestado o mesmo desprezo. Para esses, o 13 é o que há de mais vil na política brasileira, aquilo que não dá para cogitar, mesmo que o risco institucional associado ao 17 exista. Um governo de 13, portanto, careceria do apoio de boa parte do setor privado brasileiro, com ecos evidentes no Congresso. Sem apoio, difícil seria a tarefa de dar alguma ordem às contas públicas brasileiras. Mercados em turbulência constante, além de possíveis manifestações de seguidores e apoiadores de 17, alguns mobilizados pela falsa advertência de que se 13 porventura vencesse, as eleições teriam sido manipuladas, tornariam esse governo inviável.

O que passaria com 17? Da mesma forma que existe contingente mobilizado contra 13, as falas inflamadas de 17 e de seus companheiros militares da reserva aglutinou profundo repúdio em outras camadas da população. Camadas que já estavam mobilizadas pelo assassinato de Marielle Franco, pelas declarações do vice, pelos temores de que o viés antidemocrata possa acabar resvalando para o estranho fenômeno das democracias iliberais que testemunhamos mundo afora: na Turquia, na Polônia, na Hungria, nas Filipinas. A diferença apenas é que o sabor seria tropical. O governo de 17, portanto, se assemelharia bastante ao de 13, marcado por alto risco de ingovernabilidade, de turbulências financeiras, e por imensas dificuldades de implantar qualquer agenda de melhorias para o País.

Portanto, a escolha que se coloca diante dos eleitores brasileiros é: caos de esquerda ou caos de direita? Caos de 13 ou caos de 17? Risco institucional ou risco institucional? Eleições entre números primos, afinal, só poderiam mesmo gerar resultados irredutíveis na sua semelhança.”

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quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Paz de Toffoli significa impunidade de suspeitos





“Paz de Toffoli significa impunidade de suspeitos
        
POR JOSÉ NÊUMANNE

Desde o dia 13 passado, que foi véspera de sexta-feira, a Nação – parte esperançosa, parte ansiosa – perdeu um pouco de seu sono diante das dúvidas que vislumbra no horizonte turvo. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, perdoará e soltará o ex-chefe Lula? Ele porá de joelhos nus sobre caroços de milho agentes, procuradores e juízes federais que devassarem o passado mais turvo do que tal horizonte de figurões honrados com convite para sua festa de subida ao topo? O nome dessa sensação não é só incerteza, mas também insegurança jurídica.

Não me venha de borzeguins ao leito quem achar que aqui incorro em exagero. Quem exagerou foi ele. À véspera de sua posse solene, não esperou ser entronizado para beneficiar o ex-ministro da Fazenda dos governos e do partido a que serviu como advogado, Guido Mantega, alcançando com sua benemerência os marqueteiros criminosos confessos João Santana e Mônica Moura. Encaminhou um processo em que o trio é acusado de corrupção para a Justiça Eleitoral, a forma mais barroca e disfarçada da impunidade dada por sua grei de justiceiros que soltam, em vez de punir. Não adianta buscar no noticiário dos meios de comunicação nem no Google salvador: nenhum desses réus disputa nenhuma eleição. E mais, puxou a orelha do juiz que os processa, Sergio Moro, ídolo número um do populacho por causa da Operação Lava Jato, acusando-o de quebrar a hierarquia por “desprezar” decisão da Segunda Turma do STF, à qual o presidente não pertence mais.

Cármen Lúcia, a substituída, foi para a tal turma, que agora, a depender do decano, Celso de Mello, pode deixar de ser o éden dos réus para assumir o tridente do inferno de quem demanda habeas corpus. Que outra denominação pode ser dada, que não seja insegurança jurídica, ao fato de mera mudança de um dos cinco membros de uma turma alterar de forma radical o ânimo de punir de um colegiado? E que pecado será maior do que esse?

Mais do que a inoportuna reprimenda a Moro na carteirada, que Sua Excelência deu antes de se tornar primus inter pares, ameaça o combate à corrupção, e não apenas a Lava Jato, a possibilidade de, na principal cadeira do plenário, o ex-advogado-geral da União, de Lula, pôr em votação a mudança de uma jurisprudência: a da autorização para prender condenado em segunda instância. Ora, direis, jurisprudências mudam, porque dependem da dinâmica da vida real. Mas, como tem lembrado insistentemente sua colega Rosa Weber, ao lado de quem se sentava quando era apenas um “nobre par”, não devem ser alteradas em prazos curtos. Isso, acrescento, emula as “constituições” periódicas na ditadura militar.

Nos dois últimos anos Toffoli formou ao lado de Gilmar Mendes, que virou a casaca na jurisprudência citada, e de Ricardo Lewandowski, um trio que, para impor suas convicções partidárias ou seus interesses pessoais, distribui habeas corpus a quem tiver renda para pagar advogados que frequentam o STF. Nessa prática aparentemente generosa, mas, de fato, muito duvidosa e pouco judiciosa, seus adeptos, aos quais se reúne sempre com gosto e parolagem o ministro da Primeira Turma Marco Aurélio Mello, tornam despicienda a exigência de insuspeição do julgador. O novo chefão da grei mandou soltar José Dirceu, que foi preso por ter reincidido no delito pelo qual já havia sido condenado e cumpria pena de 30 anos e meio, o dobro do que cabe ao ex-chefão de ambos, Lula: 12 anos e 1 mês.

Ricardo Lewandowski chegou a rasurar o artigo 52 da Constituição, na presidência da sessão do impeachment da petista Dilma Rousseff, em conluio com os senadores Renan Calheiros e Kátia Abreu, hoje vice na chapa de Ciro Gomes, do PDT. E tornou possível a condenada disputar eleição para o Senado em Minas, sem reprovação de nenhum de seus “mui zelosos” guardiões.

Toffoli assumiu o mais poderoso posto do Judiciário em meio à turbulência pública entre os ministros daquela para a qual a denominação de “Corte” lembra a nobreza da época dos Luíses antes da Revolução Francesa. Valeroso combatente do lado de quem exige mudar a jurisprudência da autorização para prisão em segunda instância, soprou fumaças de paz de um cachimbo que já lhe entortou a boca. Quando, movido pelos eflúvios dos “espíritos”, torturou, condenou e executou, sem piedade, a canção Tempo Perdido, sucesso de seu ídolo Renato Russo, citado no discurso conciliador, emitiu, sem querer, sinais de que perderá seu tempo quem imaginar que a pax toffoliana beneficie alguém mais do que os convidados à solenidade e os parceiros da indecorosa carraspana. Será mais prudente imaginar que a palavra defina o sono solto que poderá ter quem hoje teme ser despertado no alvorecer pela campainha acionada por um policial.

O novo presidente do STF não é um campeão do notório saber jurídico, mas deve conhecer o significado óbvio da palavra “novilíngua”, com a qual o escritor britânico George Orwell definiu o dialeto imposto pelo Grande Irmão no celebrado 1984. Pois, em seu discurso do trono, falou em “prudência”, embora sua prática de ministro torne mais correto o uso de “leniência”. Tais conceitos, ao menos nos dicionários disponíveis, não são sinônimos.

Numa amostra de sua alienação da realidade, o jurisconsulto de Marília não hesitou em dar a definição mais estapafúrdia da atual conjuntura. “Não estamos em crise, estamos em transformação”, disse. E nem corou. Ao esbofetear a cara limpa de 24 milhões de brasileiros sem ocupação decente para lhes garantir a sobrevivência, ele não hesitou em também interferir no universo dos antônimos, ao adotar “permanência” como se mudança pudesse ser.

Ao fazer Dilma apta a ser “merendeira de escola”, Lewandowski ocupou o posto de pior presidente da História do STF. Mas Toffoli tem plenas condições de superá-lo.”

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terça-feira, 18 de setembro de 2018

Os erros de Lula na crise de 2008





“Os erros de Lula na crise de 2008

POR MÍRIAM LEITÃO

Na economia, 2008 é o ano que não terminou. E talvez tenha começado antes do seu princípio. Entender a sucessão de eventos que nos infelicita é fundamental neste período eleitoral em que estão sendo feitas as escolhas. A crise internacional iniciada com a quebra do Lehman Brothers no dia 15 de setembro assustou o mundo e bateu na nossa praia. “Uma marolinha”, gabou-se Lula. Mas os erros cometidos antes e depois daquele dia explicam o buraco fiscal no qual estamos. A onda ainda nos derrota.

A crise não havia começado, o mundo crescia mais do que o Brasil, em 2007, quando foram tomadas decisões que abririam um rombo nas contas públicas. Lula editou o PAC I, com a meta de crescer 5% ao ano, e para isso ampliou muito os gastos públicos. Daí nascem as milhares de obras hoje paradas. O governo tomou várias decisões na mesma direção. Iniciou a construção de quatro refinarias, começou as transferências do Tesouro para o BNDES, ampliou o conceito de micro e pequena empresa para o faturamento de R$ 2,4 milhões. Isso elevou a despesa tributária com o Simples. Existe em outros países, mas o teto é muito menor do que no Brasil. É dessa época também a criação do FI-FGTS, que pegou dinheiro do trabalhador para entregar a empresários a juros baixos e, em algumas ocasiões, em negociatas como a que se viu no caso JBS. O PAC deu também dinheiro à Caixa, R$ 5,2 bilhões.

A crise de 2008 foi um tsunami que ameaçou engolir todas as economias do mundo. Os bancos centrais dos países ricos adotaram medidas para expandir a oferta de crédito, de dinheiro na economia e de gastos públicos. Foi feito aqui no Brasil também. Uma coisa é a emergência que precisava de atenção imediata. Outra coisa foram os estímulos excessivos que começaram antes da crise e continuaram após o pior já ter passado no Brasil.

A ordem dos eventos foi assim: o país crescia a 4% quando em janeiro de 2007 o ex-presidente Lula lançou o programa para acelerar o crescimento. “Não vamos descer a Rua Augusta a 120 por hora. O objetivo é acelerar o crescimento sem comprometer a estabilidade”, disse. Mas ele apertou o acelerador em hora errada e em intensidade perigosa. Chegou a 2008 crescendo a 6% quando estourou o tsunami no mundo, provocado pelos empréstimos arriscados e sem lastro no mercado hipotecário americano e europeu. Bancos ameaçavam quebrar nas maiores economias. Lehman Brothers, com 170 anos, não abriu as portas na manhã do dia 15. No Brasil, algumas empresas haviam feito operações perigosas no mercado de derivativo cambial. Sadia e Aracruz encabeçavam a lista de empresas que apostaram em queda constante do dólar. Com a crise, o dólar disparou. O BNDES teve que entrar financiando a fusão da Sadia com a Perdigão, da Aracruz com a Votorantim Celulose. O braço financeiro da Votorantim foi vendido para o Banco do Brasil. O Unibanco uniu-se ao Itaú. O Banco Central ampliou a oferta de dólar na economia usando recursos das reservas cambiais.

Como resultado da crise, o crescimento foi a zero em 2009. As medidas anticíclicas para enfrentar a emergência da crise global foram acertadas. O problema é que haviam começado antes e permaneceram depois. Em 2010, o país crescia 7,5%, e o governo em vez de reduzir os estímulos os aumentou. Era ano eleitoral e a candidata Dilma Rousseff fora uma escolha pessoal de Lula. Neófita em eleições e sem carisma, precisava de um ambiente de euforia econômica e de toda a maquiagem que João Santana e Monica Moura sabem fazer, quando são bem pagos.

O governo manteve os estímulos usados antes, durante e depois da crise. Reduziu impostos para setores escolhidos, turbinou bancos públicos, aumentou o subsídio do BNDES e estimulou o endividamento das famílias. Com isso, houve o período da euforia de 2010, que está na mente dos eleitores como boa lembrança que o PT tenta avivar, e o rombo fiscal que jogou o país na recessão, que o PT tenta apagar da história. São filhos da mesma política, nascida no governo Lula e mantida enquanto foi possível no governo Dilma.

O mundo saiu da crise, nós estamos nela. Dilma poderia ter feito o ajuste, mas expandiu ainda mais os estímulos. Foram os erros locais de Lula-Dilma que produziram a crise da qual ainda não saímos.”

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segunda-feira, 17 de setembro de 2018

A reforma que foi sem nunca ter sido





“A reforma que foi sem nunca ter sido
        
POR BOLÍVAR LAMOUNIER

Em 1985, antes mesmo de concluída a transição do regime militar para o civil, a reforma política já ganhava corpo no debate público. Depois tivemos a Constituinte, o plebiscito sobre sistema de governo e alguns esforços isolados, mas o saldo, convenhamos, é modesto.

Ninguém ignora que reformas políticas são sempre dificílimas. Trata-se de pedir aos próprios deputados e senadores que alterem o sistema pelo qual se elegem e que conhecem bem. Todos têm como avaliar se determinada alteração vai beneficiá-los ou prejudicá-los e é em função desse cálculo que tomam posição. Nenhum deles se deixa seduzir pelos encantos do haraquiri. Mas devemos também reconhecer que ao longo destas três décadas o encaminhamento da questão e as propostas específicas geralmente deixaram a desejar.

Doravante, se formos reanimar o corpo moribundo da reforma, precisamos ter o bom senso de partir de disfunções patentes e imediatas no sistema político. Caso contrário, limitemo-nos a proclamar, como é praxe, que o edifício democrático tem como base a soberania popular, mas nosso povo, que pena, não tem condições de exercer a soberania que teoricamente lhe imputamos. E fechemos o discurso afirmando, como diria o saudoso Dias Gomes, que a reforma foi sem nunca ter sido.

As disfunções “patentes e imediatas” a que fiz referência estão aí, bem à vista de todos. Sem um ordenamento minimamente racional da campanha, não é razoável esperar que o corpo eleitoral vote com um grau razoável de racionalidade. E já aqui nos deparemos com três graves problemas. Primeiro, um quadro partidário reduzido praticamente à irrelevância, estraçalhado pela crise econômica, pela insegurança decorrente da criminalidade e pelos sucessivos escândalos de corrupção. Segundo, Jair Bolsonaro, o candidato que desponta como provável vencedor, que aqui tomo como exemplo, é muito mais um reflexo da insegurança reinante do que o agente político que a colocou no topo das prioridades. A força eleitoral que parece ter decorre muito mais de ter catalisado o medo que permeia a sociedade do que das modestas propostas que tem oferecido para combater o crime.

Um aspecto ainda mais importante do fenômeno Bolsonaro é o completo descasamento entre o tempo político efetivo e o horizonte de tempo que uma pessoa realista haverá de avaliar como necessário para o controle da violência. O tempo político efetivo é o quatriênio presidencial. No plano da campanha, o que importa é saber quem presidirá o País no quatriênio 2019-2022. Ora, ninguém em sã consciência imaginará que o nosso nível altíssimo (e crescente) de violência possa ser reduzido nesse horizonte de tempo. O mesmo pode ser dito da corrupção sistêmica, não obstante o começo mais efetivo do combate que se lhe vem dando. Ou seja, a disputa pautada pelo bolsonarismo está assentada sobre a fantasia de um avanço decisivo no combate à criminalidade violenta, expectativa descabida em se tratando de um mandato presidencial e num país ainda encalhado nas condições econômicas legadas pelo governo da sra. Dilma Rousseff.

O que, sim, cabe, e é imperativo, todos sabemos. É restaurar a confiança dos agentes econômicos no governo e no País e, com paciência e realismo, começar a repor a economia nos trilhos. É certo que Bolsonaro conta com a ajuda de um economista respeitado, o sr. Paulo Guedes, mas acreditar que biografias tão rigorosamente antitéticas irão harmonizar-se no dia a dia do governo é um ato de fé.

Subjacente às incongruências acima delineadas há uma disfunção grave: o famigerado horário eleitoral gratuito. Originária da longínqua eleição legislativa de 1974, essa aberração é a quadratura do círculo: uma tentativa de enquadrar os candentes problemas que afligem o País numa moldura política circense. É um fator importante na redução dos partidos a agremiações meramente cartoriais e para a desmoralização da política de modo geral.

Se a reforma política voltar à pauta, eu me atreveria a oferecer duas soluções simples. Primeiro, separar a eleição executiva (presidente e governadores) da legislativa (senadores e deputados federais e estaduais), ficando estas para um ou dois meses depois, como na França. Enxugando, assim, a eleição executiva, seria simples estabelecer um procedimento sério para o debate entre os candidatos, realizando-se um debate por dia, com a duração de, digamos, duas horas. O Tribunal Superior Eleitoral procederia ao sorteio do primeiro candidato, aquele que daria início à discussão, escolhendo o adversário de sua preferência; estes dois ficariam excluídos dos sorteios sucessivos, para que todos ficassem contemplados. Durante uma semana, num auditório apropriado, teríamos, então, o enfrentamento de dois e apenas dois candidatos, com o tempo necessário à adequada elucidação das semelhanças e diferenças entre suas propostas. O processo se repetiria na semana seguinte, com os candidatos a governador, dentro do mesmo formato.

Racionalizados os confrontos da campanha, e com base em estudos técnicos apropriados, a legislatura poderia debruçar-se sobre o magno problema do sistema de governo: vamos manter o aberrante “presidencialismo de coalizão” ou vamos discutir a sério a opção parlamentarista? As outras questões que têm sido debatidas – a do sistema eleitoral (a escolha entre o proporcional atual, o distrital puro ou o distrital misto), mas também meios para evitar a proliferação desordenada de partidos, o financiamento das campanhas, etc. – deveriam ser analisadas após as duas cruciais decisões a que me referi: a reorganização da campanha eleitoral e a opção entre os dois sistemas de governo.”

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sexta-feira, 14 de setembro de 2018

Voto e realidade





“Voto e realidade
        
Por Zeina Latif

O Brasil vem passando por testes de maturidade. Primeiro, os protestos iniciados em 2013. A inflação elevada e a fraqueza da economia geravam desconforto. A sociedade desconfiou que havia algo errado, antes da classe política.

O segundo teste foi o impeachment. A ex-presidente recebeu um “cartão-vermelho” da sociedade por provocar a mais grave crise da nossa história. O grito “Fora Dilma” foi mais alto do que o discurso do “golpe”.

O terceiro foi o governo do MDB promover uma reorientação da política econômica e avançar com reformas estruturais, em vez de adotar atalhos, como aumentar a carga tributária.

O quarto teste foi o silêncio das ruas. Mesmo na greve dos caminhoneiros, não houve “Fora Temer”. Sinal de que a sociedade tem apreço pela estabilidade da economia, apesar de não gostar do presidente.

Muitos outros testes virão, tendo em vista os desafios a serem urgentemente enfrentados. Temos adiante o teste da campanha eleitoral. Os sinais preocupam, pois cresce a polarização. Mas nem tudo está perdido.

As respostas da política ao infeliz ataque a Bolsonaro e à inviabilidade da candidatura de Lula são mistas. Muitos buscam a moderação, mas sobra insensatez nas falas de membros da campanha de Bolsonaro e do PT. Até o comandante do Exército derrapou. São posturas desrespeitosas com o eleitor e que alimentam o “nós contra eles”.

Moderação e comedimento são para os bons, para aqueles que compreendem que as fissuras no País reduzem nossa capacidade de avançar. A alguns players políticos falta a necessária contenção do jogo democrático.

As pesquisas eleitorais recentes não foram muito claras. Não sugerem, no entanto, um clima de comoção cega no País, pois não houve mudança estatisticamente relevante nas intenções de voto em Bolsonaro. A questão não é votar ou não no candidato, mas fazê-lo pela razão correta, e não por conta do triste episódio. Tampouco a transferência de votos de Lula para Haddad se mostra automática, apesar do discurso petista de que um é “enviado” do outro.

O teste da eleição será para todos. A imprensa ajudando o eleitor a conhecer os candidatos, ao questionar sobre suas propostas e sua capacidade de entrega. E a política respeitando as regras do jogo, fazendo críticas honestas a seus rivais e expondo suas propostas. É essencial haver ética na campanha.

As pesquisas qualitativas mostram que o eleitor mediano, ou seja, aquele que melhor espelha a sociedade, é moderado, de centro, aprecia candidatos experientes, não gosta de agressões e busca um presidente com postura firme, mas não um “salvador da pátria”, como o fez em 1989, quando elegeu Collor.

Não à toa as candidaturas do centro são as que mais somam intenção de voto: em torno de 30% do total (inclui brancos, nulos e indecisos), incluindo Marina, Alckmin, Álvaro Dias, Amoêdo e Henrique Meirelles.

Aqui há uma grande complicação: a dispersão das candidaturas do centro poderá levar à polarização no segundo turno. Assim, o resultado eleitoral refletiria o desejo de uma minoria, e não o da maioria, que seria o desejável.

Os candidatos dos extremos somam hoje menos de 40% dos votos, o que significa que o presidente eleito em um pleito polarizado teria perdido a eleição de um candidato do centro no segundo turno. Uma aberração. Esse risco aumenta a responsabilidade dos políticos do centro. Quem quer que seja o vitorioso em um segundo turno polarizado, vai precisar construir pontes com a maioria restante da sociedade. Com a sociedade mais exigente, o esforço terá de ser maior, e passa pela capacidade de fazer o País voltar a crescer. Tremendo desafio.

Que a campanha eleitoral consiga potencializar as características do eleitor mediano, e não provocar a fúria. É a melhor forma de permitir que o resultado final reflita mais fielmente os anseios da sociedade, de forma a se reduzir o risco de decepções no futuro.

Fúria e comoção não são boas conselheiras.”

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quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Candidato tutelado





“Candidato tutelado

POR MÍRIAM LEITÃO

Terminou ontem [anteontem] o ato que todos sabiam como iria acabar. O ex-prefeito Fernando Haddad foi anunciado como candidato do PT à Presidência da República para, se vencer, exercer o poder em nome de Lula e com o Lula. O ex-presidente continua sendo a primeira pessoa, agora na chapa encabeçada por Haddad. Na carta, o próprio ex-presidente definiu: “Haddad é meu representante nessa batalha.” Ele fica assim numa situação inusitada, só comparável ao que aconteceu com Héctor Cámpora na Argentina.

Cámpora assumiu em maio de 1973, depois de ter vencido as eleições como representante de Juan Domingo Perón. Ficou dois meses no cargo, permitiu a volta do ex-presidente, renunciou e convocou novas eleições, que elegeram Perón. A diferença entre os dois casos é que Cámpora tentava contornar o veto militar ao ex-presidente. Aqui, o que impede Lula de ser candidato é uma lei que ele mesmo sancionou, e em cuja tramitação o PT teve papel central. A impugnação de Lula é decorrência de uma lei democrática e não uma conspiração das elites, como disse ontem o candidato Fernando Haddad.

Só havia pessoas brancas no campo de visão da imagem transmitida pelo PT, quando Haddad relacionou, entre os vários motivos pelos quais Lula estaria sendo impedido, o de ter permitido a ascensão dos negros. “Será que é porque eles tiveram que se sentar com um negro no avião?” perguntou. Outro motivo teria sido a reação da elite ao fato de o partido ter tirado o Brasil do mapa da fome.

Demagogias assim são comuns em período eleitoral. Normalmente, elas se chocam com os fatos. A Pnad de 2015 mostrou que, no último ano que o PT governou o Brasil, nos 12 meses, a renda dos 10% mais pobres caiu 7,1%. A recessão provocada pelo próprio PT levou à inflexão no movimento virtuoso de redução da pobreza, que havia começado com o Plano Real e se acentuado com os programas sociais da era Lula.

Haddad dirigiu-se a quem “está sentindo a dor de não poder votar em Lula” e ofereceu-se como interposta pessoa. Voltou a repetir o clichê de que “Lula fez o que eles não conseguiram fazer em 500 anos”. Esse “eles” inespecífico faz parte da estratégia política do PT. Assim o eleitor entende como quiser. “Nós temos um líder”, disse Haddad, mais uma vez subserviente. E disse que quer “olhar no olho do povo” para lembrá-lo dos bons tempos do Lula.

Do lado, séria e sem olhar na direção de Haddad, a ex-presidente Dilma foi citada rapidamente. A estratégia do partido é avivar a memória do período de crescimento no governo Lula e apagar a lembrança de que a recessão começou no período Dilma. A narrativa do PT é que ela cometeu erros pontuais, mas foi impedida de governar pelos que perderam a eleição de 2014. A verdade é bem mais complexa. Nos anos de crescimento do governo Lula, a política de ampliar o gasto público foi a semente da crise aprofundada pelos erros da gestão Dilma. Na última eleição, a economia já estava em forte desaceleração, na véspera de cair na recessão no começo de 2015.

A aposta petista é que a memória brasileira é curta e o eleitor, ferido pela recessão e pelo desemprego, verá Haddad como o novo rosto de Lula. O ex-ministro precisou da autorização expressa de Lula para dar cada passo que deu. E será, até o fim, um candidato tutelado a partir de uma cela da Polícia Federal em Curitiba. Até agora, conseguiu um feito importante que foi vencer as muitas correntes internas do PT. Tem apenas 26 dias para convencer o eleitorado a levá-lo ao segundo turno.

As duas principais campanhas continuarão sem seus titulares. O candidato do PSL permanecerá no hospital ou em recuperação. O PT deixou claro ontem, mais uma vez, por atos e palavras, que é Lula quem decide e manda. Nesta estranha campanha, tanto Lula quanto Bolsonaro conseguiram transformar seus dramas em alavancas. O PT apresenta a prisão de Lula como uma punição injusta que ele recebe por ter distribuído bondades ao povo. Bolsonaro, depois de meses de defesa de um projeto belicoso, subiu na esteira de um ataque a faca que sofreu. O Ibope de ontem mostrou que Bolsonaro subiu quatro pontos, desde a última pesquisa, e está com seis pontos a mais na espontânea. Sua rejeição caiu pouco, apenas 3 pontos, e ainda é a mais alta, 41%. Nada está cristalizado, contudo. O voto ainda é volátil e vai se mover em várias direções nos próximos dias.”

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quarta-feira, 12 de setembro de 2018

O Brasil vai ter de se encarar





“O Brasil vai ter de se encarar
        
POR FERNÃO LARA MESQUITA

Que semana! O museu... Bolsonaro... Da intolerância à selvageria a partir do “nós” contra “eles”, taí a eleição mais crítica da História do Brasil com um pé na cadeia e outro na UTI. Taí o Brasil feito Estado Islâmico passivo, o que destrói patrimônio da humanidade não por ação, mas por omissão.

O que assusta no nosso país não é o absurdo em si mesmo, é a dessensibilização para o absurdo a que chegamos.

Ardeu tudo como estava re-prometido e realertado que arderia? Ouçamos o diretor temerário. O que autorizou e conviveu com todas as gambiarras. O que se fez surdo a todas as súplicas e a todos os alertas. Mas não para cobrá-lo, veja lá! Não sai da televisão o homem que dirigiu o incêndio do nosso passado, mas para ditar-nos regras sobre como preservar o nosso futuro!

Mantenha-se lá atrás, na moita, intacta, a horda que não nos representa, mas que se nos quer impor. A horda a quem entregaram a UFRJ como uma sesmaria particular, a ser explorada não só como trampolim para o proselitismo do ódio, mas também para ser mamada. Deixem quietos os que comem os R$ 3,1 bilhões por ano que o favelão nacional a duras penas lhes entrega sem que mal e mal sobrem 50 contos por mês para zelar pela parte que nos cabe do passado imemorial do Brasil e da humanidade.

Sim, o PSOL vive! Mas porque lhe é dado permanecer na sombra...

E o condenado? Tá ou não tá? Tribunais “superiores”? Tribunais “supremos”? Quanto vale a língua portuguesa no universo das nossas instituições? O Supremo Tribunal Federal não é onde as dúvidas acabam, é onde elas começam.

E então a facada...

Foi mesmo uma facada?

Nada a declarar! Chamem-se os marqueteiros.

Que coleção de palavras vamos pôr na boca do candidato, tendo em vista os públicos junto aos quais ele não vai bem?

É um “lobo solitário”? Um miserável? Um debiloide? Mas, e esses advogados todos desde o primeiro minuto? Foi deus ou foi o diabo?

Não interessa a resposta que possa haver. O que põe a desconfiança no ar é as perguntas não serem feitas.

Ó deus, os perigos são tão grandes e a democracia tão pequena. Jornalismo é importante demais para ficar nas mãos de quem tem medo de enfrentar ordens unidas...

Não, não é só aqui.

A internet deu a conhecer à humanidade o que ela é, e ela está detestando o que vê. O mundo sem edição está de ressaca de si mesmo. É por essa brecha que se esgueiram os quintas-colunas. Não se aprendeu ainda a diferença entre o jornalismo, instituição da República se e quando é jogo jogado com regras, e a balbúrdia da rede, essa reprodução matemática da praça pública que como praça pública tem de ser ouvida. Nesta, feita de bits, as palavras declararam tecnologicamente a independência do seu contexto. Proporção, volumes, ênfases, tudo é “pós-produzível” como nunca. Todo xingamento-vírgula da linguagem chula de todas as línguas pode ser eternamente revisitado, amplificado, dissecado, monstrificado... e na viva voz do seu próprio autor. O disse-que-disse das marocas vem impresso, vem gravado, vem ao vivo. Até a cizânia hormonalmente dirigida é destilada com alcance global. Qualquer ouvido está ao alcance de qualquer sussurro. Qualquer impropério se salva para todo o sempre do oblivion. A automatização da repetição customizada para cada ouvido é o triunfo dos goebbels de todas as cores. O idiota de Nelson Rodrigues, cuja humildade se ancorava na solidão da sua incapacidade de compreender, agora dispõe de ferramentas infalíveis de mútua identificação. Descobriu-se maioria, e esmagadora. O “grupo” unido, jamais será vencido!

A vitória parece para sempre liberta do convencimento. Os milênios de circuitos neurais estruturados pela repetição deixam passar como checado e selecionado tudo o que aparece em letra impressa ou em imagem gravada mais depressa que os raciocínios que, um por um, têm de abrir as suas próprias picadas. Remar contra a maré passou de “elitismo” a “fascismo”. O máximo que se tolera de quem se depara com o absurdo é uma justaposição “plural”. De cretinices ou não, pouco importa, desde que mediada por uma expressão absolutamente lobotômica. O debate político, ensina-se nas escolas todas, e nas de jornalismo em particular, vem empacotado. Deve evitar qualquer tipo de participação do cérebro. Por isso tem hoje, no Brasil e fora do Brasil, a razoabilidade das discussões de casal.

Mas a realidade está aí fora, rugindo, e não admite meias-solas. Quanto tempo poderá durar esse esconde-esconde? Os humilhados e ofendidos estão sendo traídos na sua hora mais escura, escancaradamente. 16,38%! Não é o esgotamento do Estado num país miserável que apavora, é ninguém encarar de frente a causa do esgotamento do Estado que põe o mercado em pânico.

E o tiroteio? Como vencer a guerra do Brasil? A desesperança e o medo que se palpa no ar respondem menos à gravidade desse desafio que à recusa em reconhecê-lo como o que é.

Mas agora que a “campanha negativa”, de destruição de pessoas, está temporariamente interditada, que tal experimentar o cotejamento de receitas? Bolsonaro, afinal, existe mais porque dá alguma resposta do que pelas respostas que dá; porque reconhece os problemas do tamanho que são mais que pelos remédios que propõe para eles.

A verdade está na cara. Não há funcionário intrinsecamente bom nem funcionário intrinsecamente ruim; há funcionário demissível e funcionário indemissível. Não há quem vote sempre errado nem quem vote sempre certo. Existe democracia, onde o eleitor vota antes, vota durante e vota depois do momento marcado para a eleição, e existe essa fraude que só gera sangue, suor e lágrimas que os usurpadores de mandatos impingem ao Brasil em nome dela.

Este país só vai ter cura se e quando se encarar como o que é. Vai ter de parar, desembarcar acusadores e acusados do “sistema” cujo comando todos disputam e extirpar, de comum acordo, a raiz torta que lhe produz todos os galhos tortos. Só então vai poder embarcar de novo numa navegação que tenha rumo.”

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terça-feira, 11 de setembro de 2018

Sete semanas





“Sete semanas
        
Por Pedro S. Malan

“Este é um trabalho muito pouco analítico, mas com ambição exagerada. Pretende convencer intuitivamente o poder incumbente que será eleito em 2010 de que: a) o Estado brasileiro é o mais pesado entre os que têm PIB per capita semelhante; b) essa é uma das causas importantes do nosso baixo crescimento; e c) sem ‘bala de prata’ ou choques duvidosos, existem muitas trilhas viáveis para reduzir o problema e recolocar o Brasil no caminho do desenvolvimento acelerado. Isso dependerá de muita perseverança, de razoável paciência e de alguma inteligência.”

Essa é a abertura de A agenda fiscal, texto do ilustre ex-ministro Delfim Netto publicado em Brasil Pós-crise: Agenda para a Próxima Década, organizado por Fabio Giambiagi e Octavio de Barros (Campus 2009). O trabalho encontrou ouvidos moucos de parte do poder incumbente eleito em outubro de 2010 e - o marqueteiro João Santana fazendo o diabo a quatro - reeleito em outubro de 2014. Afinal, desde 2005 o mote do grupo em questão era o famoso “gasto é vida”.

Novamente às vésperas de eleições, o artigo de Delfim continua atual e relevante. Avançamos na compreensão da magnitude dos desafios, forçados pelas circunstâncias, especialmente após o fracasso da política econômica do governo Dilma, essa que já havia sido figura-chave do governo Lula, definida por este após cinco anos e meio de convivência estreita como “a melhor gerente deste país”. Eleita, Dilma teve mais cinco anos para pôr suas ideias em prática. Deu no que deu.

Delfim Netto é hoje mais sintético, mas não menos mordaz. “Talvez possamos ter sucesso se o eleito tiver condições de eliminar a ‘causa causans’ que nos assalta há três décadas: a despesa primária do governo cresce em torno de 5% ao ano, enquanto o PIB cresce a 2,4%. Todo o resto é chantili!” (Folha de S.Paulo 29/8).

Em exatas quatro semanas mais emergirão das urnas dois candidatos a se tornar o “poder incumbente”. Talvez nunca tenha sido tão importante o voto informado e consciente dos que não acreditam em messianismos salvacionistas, em voluntarismos extremados, tampouco em puros exercícios de “autoridade” como solução para problemas da complexidade dos nossos.

Nunca na nossa História recente o Brasil precisou tanto de um candidato reformista, de centro, aberto ao diálogo, honesto, experiente e que não tenha ou venda ilusões. Ao contrário, que conheça bem a situação das contas públicas do País, o drama secular da educação, a tragédia da corrupção e da violência urbana. Que tenha refletido, cercando-se de pessoas experientes, tecnicamente competentes e que sejam capazes de vislumbrar o País no mundo, e não fechado em seu labirinto. Os eleitores decidirão, espero que tendo presente a diferença entre disputar uma eleição e efetivamente governar, com o Congresso que sairá das urnas, um país complexo como o nosso.

O desafio das reformas que o novo governo enfrentará reside em quatro grandes áreas, que por sua vez se desdobram em três tempos: o restante deste crucial ano de 2018, o próximo quadriênio e o longo período pós-2022, aí incluído o resultado das eleições desse ano, que definirão, juntamente com os avanços que o próximo governo possa alcançar, e os retrocessos que consiga evitar, o resto da década e boa parte dos anos 2030.

As quatro áreas são a macroeconômica, a área “não macro”, a das reformas propriamente ditas (em particular a da Previdência, a tributária e a da reorganização do Estado) e a área-chave para a definição do nosso futuro como sociedade civilizada, que é a área social, a qual inclui as legítimas demandas pela redução de desigualdades na distribuição de renda e, especificamente, de oportunidades, por meio de reformas em nosso sistema educacional.

A área da política macroeconômica encerra a discussão de seus três regimes fundamentais: monetário, cambial e fiscal. Os dois primeiros estão definidos há quase 20 anos e vêm servindo bem ao País. Seria importante que os candidatos pudessem reafirmar a importância de sua consolidação, que por sua vez depende do equacionamento de nosso grave problema fiscal, como fica cada vez mais claro para a opinião pública menos desinformada. O equacionamento de nossos problemas fiscais não é um fim em si mesmo, mas condição necessária para alcançar objetivos mais importantes para a população.

A área “não macroeconômica” não é menos relevante. Ela diz respeito ao sistema de incentivos e desincentivos a decisões de investidores, poupadores e consumidores dados pelo sistema de preços relativos tal como afetados por decisões sobre preços administrados, desonerações fiscais e subsídios. Como vimos, o excesso de ativismo do governo pode levar a distorções na alocação de recursos e ao aumento de incertezas jurídicas, que afetam decisões de investimento. O contexto regulatório e a defesa da competição são cruciais, a reforma do Estado passa pela avaliação permanente da qualidade do gasto público e pela análise sistemática de custo/benefício da miríade de programas governamentais.

O próximo governo deverá ser “reformista” caso pretenda efetivamente governar o País e, principalmente, recolocá-lo no rumo do desenvolvimento econômico, político e social. O espaço para acertar é reduzido, e enorme aquele para erros - velhos e novos. O passado se foi e não pode mais ser alterado. O presente está constantemente a se transformar em passado.

Mas sempre haverá um futuro a ser construído - se sobre ele uma sociedade for capaz de formar certas ideias compartilhadas, algumas que sejam. Para tal é melhor que tenhamos uma boa ideia de onde estamos e de como chegamos à situação atual e seus desafios. Não será fácil - nunca o foi e nunca será. Mas o Brasil e os brasileiros não temos alternativa senão acreditar no poder da persistência, do diálogo, da não violência - e de alguma racionalidade em meio às paixões, os interesses e os conflitos da vida real.”

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