Por Zezinho de Caetés
Esta semana, meio a contragosto, num diálogo no Mural desta
AGD, acima porque alguém achou que o ministro do STF, foi corajoso ao absolver
o José Dirceu e o Genoíno da acusação de corrupção ativa no julgamento do
mensalão. É claro que, políticamente, neste país tem espaço para tudo quanto há
de asneiras e fuleragens. E eu já presenciei muitas delas. Mas, usar o termo
coragem, que deve ser usados quando falamos de heróis para classificar uma
atitude totalmente incoerente, até com as dele mesmo é demais.
Naquela ocasião citei o Paulo Guedes que dizia dentro do
tema: "Lewandowski admitiu que
"houve crimes graves, e quem os cometeu vai ter de pagar". Condenou
publicitários, banqueiros e políticos dos demais partidos como corruptos e
corruptores. Mas, no Mensalão, o que nos interessa é o julgamento de um
atentado contra a independência dos poderes de um regime democrático. Aqui
reside a questão fundamental de interesse público: a condenação da compra de
apoio parlamentar pelo antigo núcleo político do governo. Os votos de
Lewandowski transformam-se, portanto, numa brutal, expiatória e inverossímil
acusação ao tesoureiro Delúbio Soares, tornando-o inteiramente responsável por
toda a condenável manobra de articulação suprapartidária ora em julgamento.
Prevalece a forma sobre o conteúdo. Mas quem vai julgar Lewandowski é a História
de uma Grande Sociedade Aberta em construção." E eu ainda acrescentei que: É preciso ser
muito capacho do Lula para dizer que Lewandowski foi corajoso.
Todos sabem que o Lula anda se borrando de medo deste
julgamento desde muito antes dele começar tendo feito tudo para que ele fosse
adiado e até suspenso definitivamente. E há conversas mais do que suficientes
do ministro citado para mostrar sua dependência com o PT, para não usar o termo
mais apropriado o “rabo preso”.
Fui além e citei um leitor do Blog do Noblat que se assina
Luis Nogueira: “A Marcos Valerio, em
troca de "bico calado", já foi acertado: a) Total assistência financeira
e proteção à sua afamilia, em especial à sua filha; b) A quantia exigida
depositada em um paraíso fiscal; c) Indulto presidencial no final do mandato de
Dilma,caso ela nao se reeleja, ou em caso de reeleição, em seu segundo ano do
segundo mandato; d) E apoio politico para recomeçar a vida profissional naquilo
que ele escolher. Para quem acha que isso tudo não passa de fantasia, basta
Marcos Valério colocar em exibição, em rede nacional, apenas uma de suas fitas
para que Lula seja apedrejado em praça pública. E Lulinha, paz e amor, sabe
muito bem disso. A tempo: viu como pararam os ataques petistas à revista
Veja?"
Eu confesso que só prestei atenção depois da pergunta do
leitor que os petistas pararam de atacar a Veja, pois isto seria para eles uma
atitude de risco. Quem sabe se a revista tocou numa fita dessas?
Mas, o que vi de mais importante sobre o mensalão nos
últimos dias foi um texto do Fernando Henrique Cardoso, intitulado “Sinal de vida”,publicado em vários
lugares, onde o ex-presidente tece comentários sobre o significado do
julgamento do século para a sociedade brasileira. Este mesmo julgamento que
será um divisor de águas, se Deus quiser, entre a impunidade do colorinho
branco e poderoso e a justiça quando necessária. Fiquem com o texto, que vou
continuar vendo o julgamento do século, para verificar quantos ministros estão
com o passo errado na marcha do Brasil rumo a uma democracia plena.
“A condenação clara e indignada, por ministros do Supremo Tribunal
Federal, do mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia
Tenho dito e escrito que o Brasil construiu o arcabouço da democracia,
mas falta dar-lhe conteúdo. A arquitetura é vistosa: independência entre os
poderes, eleições regulares, alternância no poder, liberdade de imprensa e assim
por diante. Falta, entretanto, o essencial: a alma democrática.
A pedra fundamental da cultura democrática, que é a crença e a
efetividade de todos sermos iguais perante a lei, ainda está por se completar.
Falta-nos o sentimento igualitário que dá fundamento moral à democracia. Esta
não transforma de imediato os mais pobres em menos pobres. Mas deve assegurar a
todos oportunidades básicas (educação, saúde, emprego) para que possam se
beneficiar de melhores condições de vida. Nada de novo sob o sol, mas convém
reafirmar.
Dizendo de outra maneira, há um déficit de cidadania entre nós. Nem as
pessoas exigem seus direitos e cumprem suas obrigações, nem as instituições têm
força para transformar em ato o que é princípio abstrato.
Ainda recentemente um ex-presidente disse sobre outro ex-presidente, em
uma frase infeliz, que diante das contribuições que este teria prestado ao país
não deveria estar sujeito às regras que se aplicam aos cidadãos comuns... O que
é pior é que esta é a percepção da maioria do povo, nem poderia ser diferente,
porque é a prática habitual.
Pois bem, parece que as coisas começam a mudar. Os debates travados no
Supremo Tribunal Federal e as decisões tomadas até agora (não prejulgo
resultados, nem é preciso para argumentar) indicam uma guinada nessa questão
essencial. O veredicto valerá por si, mas valerá muito mais pela força de sua
exemplaridade.
Condenem-se ou não os réus, o modo como a argumentação se está
desenrolando é mais importante do que tudo. A repulsa aos desvios do bom cumprimento
da gestão democrática expressada com veemência por Celso de Mello e com
suavidade, mas igual vigor, por Ayres Britto e Cármen Lúcia, são páginas
luminosas sobre o alcance do julgamento do que se chamou de “mensalão”.
Ele abrange um juízo não político-partidário, mas dos valores que
mantêm viva a trama democrática. A condenação clara e indignada do mau uso da
máquina pública revigora a crença na democracia. Assim como a independência de
opinião dos juízes mostra o vigor de uma instituição em pleno funcionamento.
É esse, aliás, o significado mais importante do processo do mensalão. O
Congresso levantou a questão com as CPIs, a Polícia Federal investigou, o
Ministério Público controlou o inquérito e formulou as acusações, e o Supremo,
depois de anos de dificultoso trabalho, está julgando.
A sociedade estava tão desabituada e descrente de tais procedimentos
quando eles atingem gente poderosa que seu julgamento — coisa banal nas
democracias avançadas — transformou-se em atrativo de TV e do noticiário, quase
paralisando o país em pleno período eleitoral. Sinal de vida. Alvíssaras!
Não é a única novidade. Também nas eleições municipais o eleitorado
está mandando recados aos dirigentes políticos. Antes da campanha acreditava-se
que o “fator Lula” propiciaria ao PT uma oportunidade única para massacrar os
adversários. Confundia-se a avaliação positiva do ex-presidente e da atual com
submissão do eleitor a tudo que “seu mestre” mandar.
É cedo para dizer que não foi assim, pois as urnas serão abertas esta
noite. Mas, ao que tudo indica, o recado está dado: foi preciso que os líderes
aos quais se atribuía a capacidade milagrosa de eleger um poste suassem a
camisa para tentar colocar seu candidato no segundo turno em São Paulo. Até
agora o candidato do PT não ultrapassou nas prévias os minguados 20%.
No Nordeste, onde o lulismo com as bolsas-família parecia inexpugnável,
a oposição leva a melhor em várias capitais. São poucos os candidatos petistas
competitivos. Sejam o PSDB, o DEM, o PPS, sejam legendas que formam parte “da
base”, mas que se chocam nestas eleições com o PT, são os opositores eleitorais
deste que estão a levar vantagem.
No mesmo andamento, em Belo Horizonte, sob as vestes do PSB (partido
que cresce), e em Curitiba são os governadores e líderes peessedebistas, Aécio
Neves e Beto Richa, que estão por trás dos candidatos à frente. Em um caso
podem vencer no primeiro turno, noutro no segundo.
Não digo isso para cantar vitória antecipadamente, nem para defender as
cores de um partido em particular, mas para chamar a atenção para o fato de que
há algo de novo no ar. Se os partidos não perceberem as mudanças de sentimento
dos cidadãos e não forem capazes de expressá-las, essa possível onda se desfará
na praia.
O conformismo vigente até agora, que aceitava os desmandos e corrupções
em troca de bem-estar, parece encontrar seus limites. Recordo-me de quando
Ulysses Guimarães e João Pacheco Chaves me procuraram em 1974, na instituição
de pesquisas onde eu trabalhava, o Cebrap, pedindo ajuda para a elaboração de
um novo programa de campanha para o partido que se opunha ao autoritarismo.
Àquela altura, com a economia crescendo a 8% ao ano, com o governo
trombeteando projetos de impacto e com a censura à mídia, pareceria descabido
sonhar com vitória. Pois bem, das 22 cadeiras em disputa para o Senado, o MDB
ganhou 17. Os líderes democráticos da época sintonizaram com um sentimento
ainda difuso, mas já presente, de repulsa ao arbítrio.
Faz falta agora, mirando 2014, que os partidos que poderão
eventualmente se beneficiar do sentimento contrário ao oportunismo corruptor
prevalecente, especialmente PSDB e PSB, disponham-se cada um a seu modo ou
aliando-se a sacudir a poeira que até agora embaçou o olhar de segmentos
importantes da população brasileira.
Há uma enorme massa que recém alcançou os níveis iniciais da sociedade
de consumo que pode ser atraída por valores novos. Por ora atuam como “radicais
livres” flutuando entre o apoio a candidatos desligados dos partidos mais
tradicionais e os candidatos daqueles dois partidos.
Quem quiser acelerar a renovação terá de mostrar que decência,
democracia e bem-estar social podem novamente andar juntos. Para isso, mais
importante do que palavras são atos e gestos. Há um grito parado no ar. É hora
de dar-lhe consequência.”
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