Por Carlos Sena (*)
O popular não titubeia. Não é por
falta de modos de falar que o povo deixa de se expressar. A fala é importante,
mas o que se fala é fundamental. O falar do povo é soberano até, e inclusive,
muito mais do que o falar sofisticado, culto, erudito. O pensar é a mais
perfeita tradução do sentir e o falar a mais perfeita tradução dos dois ao
mesmo tempo. Contudo, “cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso”, pois é
assim que os produtos culturais se disseminam, alardeiam-se além de cada
aldeia, de cada cidade, de cada metrópole. É um pouco disto o contexto do falar
popular. Aquele para quem uma pessoa metida a besta é “a bala que matou
Getulio”... Ou aquele valentão que só
quer ser o “cão do terceiro livro”... Por outro lado, aquela mulher que é
metida a orgulhosa, não olha pra ninguém e escolhe muito um namorado, só quer
ser as “polegadas de Marta Rocha”. Se alguém está descontrolado, pode ser que
esteja com o “cão no couro” ou com a “mulesta dos cachorro”... Mas se alguém está
com muita pressa, que fique calmo, porque não “é sangria desatada”. Até porque
o “apressado come cru” e o “caranguejo por ser apressado anda de banda”... Se
avexe não. Mas se você não gostou, dê um jeito. Porque “quem tem medo de cagar
não come, toma sorvete”. Tá cansado? Vá lá fora tomar um deforete. Quando
voltar pode não ter mais o assento, posto que foste ao vento. Peidou? Olha o
vudu tomando conta do ambiente. Pois é: quem não come flores não pode peidar
perfume.
A palavra é o prolongamento do
que sentimos independente da forma. A cultura dos povos, nos séculos, se
encarregou de robustecer as várias formas de expressão dos nossos sonhos,
desejos, lampejos... Aos poucos a palavra foi se constituindo em si mesma e foi
se apropriando de formas específicas em sintonia com os lugares e as regiões. O
Nordeste é um pouco dessa assertiva. Em todos os seus estados se encontra
falares parecidos, forma de comunicação própria em função de traços culturais
marcantes e influenciados pelo movimento migratório...
Portanto, sem querer ser o “cão
do terceiro livro” no assunto, fico “assuntando” sobre o que se diz e o que se
fala. Há momentos que dizemos sem falar e outros em que falamos, mas,.nada
dizemos. Há momentos em que dizemos muito com poucas palavras e há poucas
palavras que por si mesmas dizem tudo. Algo como “para o bom entendedor, meia
palavra basta”, ou “pingo é letra”. Mas, se de todo, alguém não estiver
satisfeito com alguma coisa: a) no passado se mandava reclamar ao bispo; b)
hoje se manda pra ouvidoria, ou para as “pequenas causas”... Afinal, para o bom
entendedor, “pingo é letra” e “mais vale um gosto do que dez mil réis”.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 24/08/2012
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